O livro X da República apresenta a tese platônica de que a arte é imitação da aparência do real e, como tal, está afastada da verdade. O tratamento do tema é iniciado com a pergunta de Sócrates: "o que é mimese?" (passo 595a-c). A partir deste ponto, há uma argumentação dirigida pelo método socrático para levar o interlocutor, Glauco, à conclusão de que a arte (poesia, pintura, escultura) é pura imitação da aparência da realidade.
O método para o tratamento do assunto, segundo o próprio Sócrates, é "admitir certa idéia (sempre uma só) em relação a cada grupo de coisas particulares".
Na abordagem platônica encontra-se uma confusão entre arte e teoria do conhecimento. Sócrates conduz o diálogo levando Glauco à conclusão de que a arte é um conhecimento falso (ou trabalho com o falso). Não pode atingir o verdadeiro e, por isso, é reprovável. Na verdade, esta arte é a destruição da inteligência dos seus apreciadores. Nas palavras do próprio texto, referindo-se à poesia de caráter mimético, "todas as obras dessa espécie se me afiguram ser a destruição da inteligência dos ouvintes" (passo 595a-c). Desse ponto a considerar a arte como uma questão de ética, não falta muito. Na verdade, a arte é um embuste: arte do charlatanismo. O artista é um desonesto. Neste aspecto, a maior acusação contra a arte é de causar danos às pessoas honestas. Quando Sócrates trata de fazer supostas perguntas a Homero, refere-se à Virtude, e diz que, neste particular, o poeta "estás afastado dois pontos" da verdade. O que implica em asseverar que a arte e a ética estão intrincadamente relacionadas. No assentamento feito por Sócrates, no final do passo 599, é dito: "todos os poetas são imitadores da imagem da virtude... mas não atingem a verdade". Nas palavras de Sócrates: "seria impiedade trair o que julgamos ser verdadeiro". A arte mimética é uma forma de impiedade.
Percebe-se assim, uma abordagem pelos prismas ético e epistemológico, defendendo-se que o artista nada mais é do que um imitador, e, como tal, está tão longe da verdade ética, quanto da verdade epistemológica. Decorrente dessa argumentação, nada mais verdadeiro do que se entender o artista como um transtorno para a "cidade perfeita" e, por isso, o mesmo não deve ser nela permitido.
É curiosa a abordagem sobre a arte pelo prisma de perspectiva. Por este prisma, a arte é a prática da ilusão de ótica. Na verdade, a arte pertence ao que há de pior na alma: é avessa ao bom-senso, produzindo mediocridades, como também ultraja a virtude. A arte é mesmo decorrente das contradições da alma.
3 comentários:
Excelente artigo. Cheguei aqui procurando por "destruição da inteligência", encontrei muito mais. Seguirei-te.
Olá Willians!
Meu nome é Alessandra e eu estou me formando em jornalismo esse ano. O tema do meu tcc é baseado nas relações entre a fotografia e a realidade.
Estou lendo e pesquisando muito sobre o tema, e acabei caindo nesse artigo muito interessante que, mesmo Sócrates não citando a fotografia em si, já que essa ainda não havia sido criada, mas falando de arte no geral, faz uma crítica em relação à realidade.
Vi também que você é professor de filosofia, e gostaria de saber se eu poderia fazer algumas perguntas pra você relacionadas justamente a realidade versus a arte, como os pensadores pensam sobre isso?
Qual a sua visão sobre o tema?
Será que você me permitiria algumas respostas?
Sou muito leiga no assunto ainda, e como você tem já bagagem teórica seria de grandíssima ajuda.
Agradeço desde já
qualquer coisa, se não for incômodo, me mande um email para entrarmos em contato:
alessandra_vespa@hotmail.com
Obrigada.
A pretensão da arte é atingir o real na perspectiva de Platão. Pretensão sem sucesso. E, como eu disse, a arte cai no abismo do conhecimento falso. Conseguentemente, na desvirtude.
A filosofia platônica proclama que não temos acesso ao real, senão pela razão. O mundo sensível é uma ilusão. Daí dizer que qualquer imitação do mundo sensível é pura fantasia. As sensações não alcançam o mundo suprassensível. Isso vale para a pintura que é uma "fotografia" do suposto real, que não passa de ilusão, dado que nossas sensações são sempre traiçoeiras.
Perceba que o que aparece em certas circunstâncias aos nossos sentidos, muitos vezes descobrimos que nos equivocamos. Enquanto não nos parecemos equivocados, quem nos garante que não descobriremos que estaremos equivocados mais tarde?
Pense-se na foto como uma "tirada" sempre de uma perspectiva, numa abrange a totalidade do mundo fotografado. A parte não pode ser responsabilizada pelo todo. E mesmo a parte fotografada está sempre vinculada aos olhos de quem focaliza o suposto objeto. A câmara é sempre uma extensão dos olhos humanos. Portanto, suscetível de passar uma ilusão.
Essa é uma conclusão provável do dizer de Platão.
Na verdade, Baudelaire e seus contemporâneos ficaram mesmo impressionados com as possibilidades da câmara fotográfica, que não se deram a uma crítica filosófica do fenômeno.
"Essa idéia foi se desenvolvendo com o tempo e admitiu-se que ela, a fotografia, pode ser a 'transformação' do real, e que uma realidade pode ser mudada de acordo com o contexto ou de acordo com a assimilação do espectador e sua cultura etc... E ainda, que o próprio fotógrafo pode influenciar no resultado da fotografia;"
Parece que tudo é uma questão de prisma.
A foto é, como a pintura, imitação do real, pois que veicula apenas uma perspectiva do mundo sensível, o qual é uma apenas imitação do mundo real.
Se não lhe respondi, questione-me!
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