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terça-feira, 19 de junho de 2012

A NECESSIDADE DE ESTUDAR PORTUGUÊS

 

O suposto acontecimento da Torre de Babel, relatado no livro bíblico de Gênesis, capítulo 11, segundo o relato bíblico: momento em que o ser humano deixou de falar uma mesma língua, originando-se, naquela instância, uma diversidade linguística que acompanha o homem até hoje, atende, como explicação da origem das línguas, somente ao interesse religioso ortodoxo, que reflete a visão limitada do escritor bíblico, devido ao seu escasso conhecimento do fenômeno linguístico. A confusão babélica dificultou a comunicação entre os homens e, neste sentido, tem fundamento, pois a existência das diversas línguas força o estudo linguístico para que seja possibilitada a compreensão de outras formas de expressão linguística.

Entre os que falam a mesma língua, e aqui reside o paradoxo, existe, em muitas circunstâncias, confusão, uma verdadeira "babel". Se os falantes de um mesmo idioma não se desentendem no plano formal de sua língua, ou seja, em tese quem fala português no norte do país será entendido também no sul do Brasil, por outro lado, fato é que existem nuances no plano da expressão (seja na fonética, na morfologia, na sintaxe) e no plano do conteúdo que possibilitam os desencontros linguísticos não só entre falantes de uma mesma região, como também de regiões diferentes. É justamente para eliminar os desencontros linguísticos que se faz necessário o estudo não só do idioma materno, como também de outros idiomas, se necessário.

De início, o estudo da própria língua faz-se necessário para habilitar o falante a uma melhor comunicação oral. Sendo a comunicação o motivo básico da língua, a oralidade vem como prioridade de aprendizagem. Dá-se dessa forma em virtude de que o maior tempo de nossa vida transcorre-se em diálogo com nossos circunstantes. Em casa, na escola, no trabalho, no trânsito, no supermercado, onde quer que seja quase tudo é oralidade. Ora, o estudo da língua habilita o falante a uma melhor convivência, não somente nos aspectos gramaticais, mas também e especialmente quanto aos condicionamentos linguísticos que possibilitam uma melhor argumentação.

Além deste importantíssimo fator, habilitar a uma melhor oralidade, acrescente-se um fator que é marcante na contemporaneidade. Se no passado a comunicação escrita tinha uma exigência considerável, hoje, muito mais, em virtude do desenvolvimento intelectual da humanidade e da necessidade de domínio de relativa habilitação para o uso de documentos formais. Acrescente-se ainda o fato de que cada vez mais as profissões exigem conhecimento da norma culta para uma melhor comunicação formal.

            Em última instância, o estudo da própria língua, além de possibilitar ao falante uma melhor compreensão por parte de seus circunstantes, habilita-o a poder entendê-los melhor. É bem verdade que nem todos levam a sério este estudo. Mas é também verdade que o estudo da própria língua, tanto científica como gramaticalmente, condiciona-o a entender os seus interlocutores, quer usem a norma culta, ou façam uso de variantes, muitas vezes exóticas.

Por que estudar a própria língua? Nada mais, nada menos, porque é com este estudo que a nossa comunicação será bem sucedida e poderemos alcançar nossos objetivos, o que, de outro modo, seria praticamente impossível.

19 de junho de 2012

Willians Moreira Damasceno

segunda-feira, 11 de junho de 2012

A ONISCIÊNCIA DIVINA E O PROBLEMA DO MAL EM LEIBNIZ

O Problema da Onisciência Divina – resposta aos socinianos

            O pensamento sociniano sobre a onisciência de Deus não pode ser aceito pelo sistema de Leibniz. Como mencionado, tal pensamento assevera uma limitação em Deus que não pode ser concebível na teologia tradicional, nem no sistema de Leibniz. Os socinianos ensinaram que Deus não é onisciente. Assim sendo, que ele não conhece absolutamente o futuro. Como poderia prever os acontecimentos? Ora, se Deus conheceu o futuro, conheceu também o mal. Se Deus sabia que o mal existiria em tais e tais circunstâncias, e uma vez sabendo, permitiu-o, está necessariamente comprometido com o mal. Este era o pensamento sociniano. Socino não conseguia conceber a ideia de que Deus determinasse os acontecimentos do mal, visto que, criando Deus o melhor dos mundos possíveis, e contendo este o mal, estaria Deus determinando a existência do próprio mal. Acrescenta-se ainda que, sendo Deus Santo e Bom não pode ser onisciente, visto que o mal existe. Este pensamento é um tanto simplório para Leibniz que o questionará cabalmente.
            Na Teodicéia, § 364, Leibniz diz:

Assim, os socinianos não podem ser excusados de negar a Deus o conhecimento exato de eventos futuros, e, sobretudo de decisões futuras de uma criatura livre. Pois mesmo que tenham suposto que há uma liberdade de indiferença completa, então aquilo que eles poderiam escolher sem causa, e que isto efetuado não poderia ser visto neles causa (o que é um absurdo grande), eles devem sempre levar em conta que Deus foi capaz de prever estes eventos na ideia do mundo possível que ele resolveu criar. Mas a ideia que eles têm de Deus é indigna do Autor das coisas, e não é comensurável com a habilidade e inteligência que os escritores deste grupo frequentemente mostram em certas discussões particulares. O autor de Reflexões sobre a descrição do socinianismo não tinha no geral errado em dizer que o Deus dos socinianos seria ignorante e impotente, como o Deus de Epicuro, todo dia confundido por eventos e pela vida de um dia para o outro, se ele somente conhece por conjectura o que a vontade dos homens pode ser.[1]

O deus sociniano é considerado por Leibniz como “ignorant” e “impuissant”. Ora, Leibniz é teologicamente tradicionalista. Ele não admitiria que o Deus cristão comportasse em si tais limitações. As mesmas contradiriam parte considerável do teor teológico de muitos concílios eclesiásticos, como também os ditames da razão leibniziana. Para Leibniz, razão e fé estão em perfeito acordo e o que têm alcançado não admite o deus sociniano, “ignorant” e “impuissant” quanto aos atos futuros dos seres humanos.
            Na verdade, Leibniz tem uma resposta inteligente para o problema levantado pelos socinianos. Na Teodicéia, Leibniz diz:

Assim os platônicos, Santo Agostinho e os escolásticos tiveram razão em dizer que Deus é a causa do (elemento) material do mal, que consiste na (parte) positiva, e não da (parte) formal, que consiste na privação.[2] Como se pode dizer que a corrente é a causa do (elemento) material da diminuição de velocidade, sem ser do (elemento) formal, isto é, ela é a causa da velocidade do barco sem ser a causa do limite desta velocidade. E Deus não é mais a causa do pecado do que a corrente do rio é a causa da limitação de velocidade do barco. A força é assim em relação à matéria como o espírito é em relação ao corpo; o espírito está pronto, mas o corpo é fraco, e o espírito estimula ação...  _quantum non noxia corpora tardant.

A sutileza de Leibniz está em repetir que Deus é causa apenas do “[elemento] material do mal” e não do seu elemento formal. Para Leibniz, ser causa do elemento material do mal é positivo. Ao homem fica a criação do elemento formal; o que é negativo. Isso se aplicaria também ao bem? O elemento formal quanto ao bem seria também negativo? Ora, que “material”, se o mal está desontologizado, pois que é apenas uma privação do bem? Leibniz expressa ainda sutileza em seu argumento com a analogia da “corrente” de um rio. Mas uma vez a retórica leibniziana atua, esquecendo das consequências do seu argumento do encadeamento dos acontecimentos-causas deste as origens. Onde está a causa do limite da velocidade do barco? Não estaria no início, quando da harmonia preestabelecida? E quem a estabeleceu? No ponto nº 07 de seu Discurso de Metafísica, Leibniz admite que o mal é fruto da concorrência causada pelas leis naturais que Deus estabeleceu. Como fica então o seu argumento da “corrente” do rio? Não parece que Leibniz respondeu satisfatoriamente à questão.

Distinção entre vontade decretatória e vontade permissiva em Deus.

            A onisciência divina está em coerência com uma distinção entre vontade decretatória e vontade permissiva feita por Leibniz. Vontade decretatória atém-se ao bem do mundo; vontade permissiva atém-se ao mal que acontece no mundo. Desde que a vontade permissiva segue naturalmente sua razão, Deus tem lá os seus motivos racionais para permitir que o mal estivesse no mundo. Deus não foi surpreendido pelo acontecimento do mal, pois que o mesmo só acontece em virtude do seu decreto. Sua vontade decretatória agiu dirigida pelo seu entendimento. Permitiu-o antes por saber que o mesmo é necessário ao melhor de todos os mundos. Afinal, como as criaturas saberiam que seu Criador é tudo que diz ser, se não experimentassem o seu contrário? Como uma criatura saberia o que é a bondade, se não conhecesse a maldade? O que levaria a razão divina a dirigir a sua vontade a decretar o mal metafísico que, por sua vez, ocasionaria os outros males? Dizer que a vontade decretatória atém-se ao bem do mundo é dizer que Deus sabe que o melhor dos mundos, para Leibniz, precisa do mal metafísico. Sua vontade permissiva poderia não abrir espaço para o mal moral e o mal físico. Mas só o permitiu porque o seu entendimento o prescreveu. Desse modo, fica complicado isentar Deus da responsabilidade sobre o mal. A não ser que se raciocine como Leibniz que pensa o mal como uma aparência, e isso é bem coerente com a tese do mal-nada. Se o mal está desontologizado, ele não passa de uma aparência. É o que Leibniz diz na Monadologia:

Assim não há nada inculto, estéril ou morto no universo; nem há caos, ou confusão, senão em aparência;[3] seria como num lago onde, à distância, se veria um movimento confuso, um bulício de peixes do lago, sem que se discernissem os próprios peixes (§ 69).

O que é chamado de mal, na verdade não passa de um fenômeno mal entendido pelo intelecto humano. Se o intelecto divino entendeu que essa tal aparência era necessária, é um bem. Como resolver então o problema do mal moral? Leibniz não quis ir às últimas consequências.

A onisciência de Deus funda-se em sua onipotência em decretar

            Leibniz, em seu De Libertate, diz:

Na verdade, não há porção de matéria tão diminuta que não contenha um tipo de mundo de criaturas, infinitas em número, e não há substância individual criada tão imperfeita que não atue sobre todas as outras e que não sofra suas ações, nenhuma substância tão imperfeita que não contenha o universo inteiro, e o que quer que seja, foi ou será, em sua noção completa (tal como existe na mente divina), nem há qualquer verdade de fato ou qualquer verdade relativa às coisas individuais que não dependa da infinita série de razões;[4] o que quer que esteja nessa série pode ser visto apenas por Deus. Essa também é a razão pela qual apenas Deus conhece as verdades contingentes a priori e vê sua infalibilidade de outro modo que não através da experiência (Leibniz, 2006. Pág. 01).[5]

            O detalhe está em “nem há qualquer verdade de fato ou qualquer verdade relativa às coisas individuais que não dependa da infinita série de razões”. O mal visto em sua individualidade, depende da “infinita série de razões”. Razões divinas, claro. Portanto, razões que levam ao decreto da vontade permissiva. Decreto este determinado pelo entendimento divino e, portanto, sujeito à sua onisciência.

            O argumento leibniziano (da interligação dos acontecimentos deste o passado remoto ou desde a antiguidade – Monadologia, § 36 e Teodicéia, parte I, § 9) leva às consequências de que Deus é onisciente não porque meramente prevê o futuro, mas porque sua onipotência determinou todo o futuro, desde que escolheu este mundo. Deus conhece o que determinou acontecer, portanto, ele conhece todas as coisas. Inclusive sabe por que e para que existe a imperfeição da natureza. Neste ponto, pode-se dizer que Leibniz foi genial em sua resposta aos socinianos quanto à questão da presciência divina, submetendo-a a sua onipotência: Deus conhece o futuro porque teve (e tem) o poder de decretar tudo quanto acontece e acontecerá. Assim o fez por saber que era o melhor. Mesmo que a razão sociniana não alcance tal sabedoria.
Willians Moreira Damasceno



[1] Texto original: Ainsi les Sociniens ne sauroient être excusables de refuser à Dieu la science certaine des choses futures, et sur tout des resolutions futures d’une creature libre. Car quand même ils se seroient imaginés qu’il y a une liberté de pleine indifference, en sorte que la volonté puisse choisir sans sujet, et qu’ainsi cet effect ne pourroit point être vu dans sa cause (ce qui est une grande absurdité), ils devoient tousjours cinsiderer que Dieu avoit pu prevoir cet evenement dans l’idée du monde pos­sible qu’il a resolu de créer. Mais l’idée qu’ils ont de Dieu, est indigne de l’auteur des choses, et repond peu à l’habileté et à l’esprit que les Ecrivains de ce parti font souvent paroitre en quelques discussions par­ticulieres. L'Auteur du Tableau du Socinianisme n’a pas tout à fait tort de dire que le Dieu des Sociniens seroit ignorant, impuissant,[1] comme le Dieu d’Epicure, demonté chaque jour par les evenemens, vivant au jour la journée, s’il ne sait que par conjecture ce que les hommes voudront (GERHARDT, Vol 7. Pág. 108 - 109).
[2] Destaque nosso.
[3] Destaque nosso.
[4] Destaque nosso.
[5] LEIBNIZ, G. W. Sobre a liberdade (De Libertate). (1689?). http://www.leibnizbrasil.pro.br/delibertate.htm. Acesso em 08/03/2006.