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terça-feira, 10 de julho de 2012

PLATÃO X ARISTÓTELES


PLATÃO X ARISTÓTELES
O CONHECIMENTO E O PAPEL DA POESIA 
            Platão concebia o conhecimento basicamente em duas dimensões: a dimensão do sensível e a dimensão do inteligível. A primeira dimensão refere-se às realidades do mundo captadas pelos nossos sentidos e a segunda refere-se ao mundo das ideias. A relação era existente em virtude de as realidades do mundo sensível serem apenas imagens do mundo das ideias, do mundo inteligível. Estabelecidas estas dimensões, Platão argumentou que a poesia habitava o reino das imagens, mero fruto da imaginação humana. Para Platão, tudo o que se baseava no imaginário degenerava, desvirtuava a realidade do modelo. Por esta perspectiva, o resultado da poesia seria a sua exclusão da cidade ideal.
            Em contrapartida, Aristóteles resgatou o mundo sensível. Ele entendeu que o nosso conhecimento só conta com o mundo sensível. A realidade é apenas o mundo sensível. Esta premissa abriu a porta para a aceitação da poética, como realidade que possibilita à natureza alcançar o seu objetivo, a sua finalidade. Na verdade, Aristóteles abriu espaço para que a poesia se tornasse autônoma, possibilitando ao homem uma realização que a natureza, por si, não era capaz de lhe proporcionar.
            Diante destas abordagens, são percebidas as diferenças entre os dois pensadores.
            Na Poética de Aristóteles são encontradas a Poesia e a Filosofia como disciplinas que tratam do fato universal, enquanto a História trata do fato particular. Detém-se a história no indivíduo, enquanto a Filosofia e a Poesia tratam das realidades que se aplicam a todos os indivíduos. Enquanto a história narra um fato particular, situado no tempo e no espaço, a Poesia procura imitar a realidade de modo a podermos identificar na sua imitação uma referência ao fato universal, do qual o fato narrado pela História é apenas um exemplo. A Filosofia, por sua vez, não narra o fato como também não o imita, antes procura explicá-lo logicamente, de modo que esta explicação sirva para toda e qualquer manisfestação do fato narrado ou imitado.
           A expressão de Aristóteles: "A arte imita a natureza" cabe bem para sintetizar a Poética. Partindo desta expressão, com a ideia de mímese em mente, a Poética pode ser conceituada como a arte que, através da imitação criativa, visando a purificação do homem, completa o trabalho da natureza, tornando o homem um ser melhor em face do trabalho inacabado da natureza.
Willians Moreira Damasceno 

PLATÃO E O PROBLEMA DO CONHECIMENTO


            Platão considerou-se habilitado a resolver os problemas filosóficos quando elaborou a teoria das ideias. A intuição fundamental de Platão foi que as imagens existem porque existem as ideias; tudo quanto experimentamos no mundo do sensível é reflexo de uma dimensão superior. Uma coisa é bela porque participa da Beleza; é verdadeira porque participa da Verdade; é boa porque participa da Bondade; é humana porque participa da Humanidade, considerando-se que as realidades do mundo sensível (as imagens) não esgotam a natureza de suas ideias. O mundo sensível é causado por sua participação no mundo intelectual. Existindo o mundo sensível, entende-se que existe, por sua vez, o mundo intelectual.
Um aspecto do mundo sensível, merecedor de consideração, é a sua relatividade. Os objetos deste mundo chegam ao nosso conhecimento condicionados ao nosso estado de relação com as imagens. A Alegoria da Caverna expressa bem esse ponto. A visão que as pessoas alcançam é relativa ao seu posicionamento em relação à parte da caverna. Em outras palavras, neste mundo os homens em geral são reféns do seu ponto de observação; ou seja, todo olhar sempre acontece a partir de uma posição já estabelecida, um pressuposto.
De acordo com a teoria platônica, o conhecimento passa por quatro etapas, níveis ou graus em sua realidade de apreensão por parte do homem.
A primeira etapa é chamada de imaginação. O objeto de conhecimento é uma sombra, o reflexo da coisa sensível. Na segunda etapa, o modo de conhecer pela crença busca coisas sensíveis, percebidas, que farão parte das opiniões; na terceira etapa o raciocínio dedutivo tem por objeto a idealidade e carece de representação. No último grau temos a Intuição Intelectual, tendo a ideia pura como objeto.
A correspondência elaborada por Platão tanto passa pela relação entre os objetos de conhecimento e os modos de conhecer, como também pela relação correspondente entre os mundos do intelecto e do sensível. A correspondência entre os modos e os objetos do conhecimento dá-nos um direcionamento na reflexão. O questionamento surge no momento em que se configura a absolutização da correspondência. O questionamento se firma em face de se entender que o reino da opinião e da crença ultrapassa os limites do conhecimento sensível ou experimentável, chegando até ao âmbito da intuição, visto que a própria alma é fruto de uma concepção que não faz parte da reflexão de muitos outros filósofos. A questão se estende quando se leva em consideração a própria física quântica que quebra muito do conhecimento dedutivo, abrindo espaço para compreensões que extrapolam os conceitos antes estabelecidos.
Na verdade, Platão foi sui generis enquanto sintetizador de Parmênides e Heráclito e, talvez, nada mais do que isso.
Willians Moreira Damasceno

terça-feira, 19 de junho de 2012

A NECESSIDADE DE ESTUDAR PORTUGUÊS

 

O suposto acontecimento da Torre de Babel, relatado no livro bíblico de Gênesis, capítulo 11, segundo o relato bíblico: momento em que o ser humano deixou de falar uma mesma língua, originando-se, naquela instância, uma diversidade linguística que acompanha o homem até hoje, atende, como explicação da origem das línguas, somente ao interesse religioso ortodoxo, que reflete a visão limitada do escritor bíblico, devido ao seu escasso conhecimento do fenômeno linguístico. A confusão babélica dificultou a comunicação entre os homens e, neste sentido, tem fundamento, pois a existência das diversas línguas força o estudo linguístico para que seja possibilitada a compreensão de outras formas de expressão linguística.

Entre os que falam a mesma língua, e aqui reside o paradoxo, existe, em muitas circunstâncias, confusão, uma verdadeira "babel". Se os falantes de um mesmo idioma não se desentendem no plano formal de sua língua, ou seja, em tese quem fala português no norte do país será entendido também no sul do Brasil, por outro lado, fato é que existem nuances no plano da expressão (seja na fonética, na morfologia, na sintaxe) e no plano do conteúdo que possibilitam os desencontros linguísticos não só entre falantes de uma mesma região, como também de regiões diferentes. É justamente para eliminar os desencontros linguísticos que se faz necessário o estudo não só do idioma materno, como também de outros idiomas, se necessário.

De início, o estudo da própria língua faz-se necessário para habilitar o falante a uma melhor comunicação oral. Sendo a comunicação o motivo básico da língua, a oralidade vem como prioridade de aprendizagem. Dá-se dessa forma em virtude de que o maior tempo de nossa vida transcorre-se em diálogo com nossos circunstantes. Em casa, na escola, no trabalho, no trânsito, no supermercado, onde quer que seja quase tudo é oralidade. Ora, o estudo da língua habilita o falante a uma melhor convivência, não somente nos aspectos gramaticais, mas também e especialmente quanto aos condicionamentos linguísticos que possibilitam uma melhor argumentação.

Além deste importantíssimo fator, habilitar a uma melhor oralidade, acrescente-se um fator que é marcante na contemporaneidade. Se no passado a comunicação escrita tinha uma exigência considerável, hoje, muito mais, em virtude do desenvolvimento intelectual da humanidade e da necessidade de domínio de relativa habilitação para o uso de documentos formais. Acrescente-se ainda o fato de que cada vez mais as profissões exigem conhecimento da norma culta para uma melhor comunicação formal.

            Em última instância, o estudo da própria língua, além de possibilitar ao falante uma melhor compreensão por parte de seus circunstantes, habilita-o a poder entendê-los melhor. É bem verdade que nem todos levam a sério este estudo. Mas é também verdade que o estudo da própria língua, tanto científica como gramaticalmente, condiciona-o a entender os seus interlocutores, quer usem a norma culta, ou façam uso de variantes, muitas vezes exóticas.

Por que estudar a própria língua? Nada mais, nada menos, porque é com este estudo que a nossa comunicação será bem sucedida e poderemos alcançar nossos objetivos, o que, de outro modo, seria praticamente impossível.

19 de junho de 2012

Willians Moreira Damasceno

segunda-feira, 11 de junho de 2012

A ONISCIÊNCIA DIVINA E O PROBLEMA DO MAL EM LEIBNIZ

O Problema da Onisciência Divina – resposta aos socinianos

            O pensamento sociniano sobre a onisciência de Deus não pode ser aceito pelo sistema de Leibniz. Como mencionado, tal pensamento assevera uma limitação em Deus que não pode ser concebível na teologia tradicional, nem no sistema de Leibniz. Os socinianos ensinaram que Deus não é onisciente. Assim sendo, que ele não conhece absolutamente o futuro. Como poderia prever os acontecimentos? Ora, se Deus conheceu o futuro, conheceu também o mal. Se Deus sabia que o mal existiria em tais e tais circunstâncias, e uma vez sabendo, permitiu-o, está necessariamente comprometido com o mal. Este era o pensamento sociniano. Socino não conseguia conceber a ideia de que Deus determinasse os acontecimentos do mal, visto que, criando Deus o melhor dos mundos possíveis, e contendo este o mal, estaria Deus determinando a existência do próprio mal. Acrescenta-se ainda que, sendo Deus Santo e Bom não pode ser onisciente, visto que o mal existe. Este pensamento é um tanto simplório para Leibniz que o questionará cabalmente.
            Na Teodicéia, § 364, Leibniz diz:

Assim, os socinianos não podem ser excusados de negar a Deus o conhecimento exato de eventos futuros, e, sobretudo de decisões futuras de uma criatura livre. Pois mesmo que tenham suposto que há uma liberdade de indiferença completa, então aquilo que eles poderiam escolher sem causa, e que isto efetuado não poderia ser visto neles causa (o que é um absurdo grande), eles devem sempre levar em conta que Deus foi capaz de prever estes eventos na ideia do mundo possível que ele resolveu criar. Mas a ideia que eles têm de Deus é indigna do Autor das coisas, e não é comensurável com a habilidade e inteligência que os escritores deste grupo frequentemente mostram em certas discussões particulares. O autor de Reflexões sobre a descrição do socinianismo não tinha no geral errado em dizer que o Deus dos socinianos seria ignorante e impotente, como o Deus de Epicuro, todo dia confundido por eventos e pela vida de um dia para o outro, se ele somente conhece por conjectura o que a vontade dos homens pode ser.[1]

O deus sociniano é considerado por Leibniz como “ignorant” e “impuissant”. Ora, Leibniz é teologicamente tradicionalista. Ele não admitiria que o Deus cristão comportasse em si tais limitações. As mesmas contradiriam parte considerável do teor teológico de muitos concílios eclesiásticos, como também os ditames da razão leibniziana. Para Leibniz, razão e fé estão em perfeito acordo e o que têm alcançado não admite o deus sociniano, “ignorant” e “impuissant” quanto aos atos futuros dos seres humanos.
            Na verdade, Leibniz tem uma resposta inteligente para o problema levantado pelos socinianos. Na Teodicéia, Leibniz diz:

Assim os platônicos, Santo Agostinho e os escolásticos tiveram razão em dizer que Deus é a causa do (elemento) material do mal, que consiste na (parte) positiva, e não da (parte) formal, que consiste na privação.[2] Como se pode dizer que a corrente é a causa do (elemento) material da diminuição de velocidade, sem ser do (elemento) formal, isto é, ela é a causa da velocidade do barco sem ser a causa do limite desta velocidade. E Deus não é mais a causa do pecado do que a corrente do rio é a causa da limitação de velocidade do barco. A força é assim em relação à matéria como o espírito é em relação ao corpo; o espírito está pronto, mas o corpo é fraco, e o espírito estimula ação...  _quantum non noxia corpora tardant.

A sutileza de Leibniz está em repetir que Deus é causa apenas do “[elemento] material do mal” e não do seu elemento formal. Para Leibniz, ser causa do elemento material do mal é positivo. Ao homem fica a criação do elemento formal; o que é negativo. Isso se aplicaria também ao bem? O elemento formal quanto ao bem seria também negativo? Ora, que “material”, se o mal está desontologizado, pois que é apenas uma privação do bem? Leibniz expressa ainda sutileza em seu argumento com a analogia da “corrente” de um rio. Mas uma vez a retórica leibniziana atua, esquecendo das consequências do seu argumento do encadeamento dos acontecimentos-causas deste as origens. Onde está a causa do limite da velocidade do barco? Não estaria no início, quando da harmonia preestabelecida? E quem a estabeleceu? No ponto nº 07 de seu Discurso de Metafísica, Leibniz admite que o mal é fruto da concorrência causada pelas leis naturais que Deus estabeleceu. Como fica então o seu argumento da “corrente” do rio? Não parece que Leibniz respondeu satisfatoriamente à questão.

Distinção entre vontade decretatória e vontade permissiva em Deus.

            A onisciência divina está em coerência com uma distinção entre vontade decretatória e vontade permissiva feita por Leibniz. Vontade decretatória atém-se ao bem do mundo; vontade permissiva atém-se ao mal que acontece no mundo. Desde que a vontade permissiva segue naturalmente sua razão, Deus tem lá os seus motivos racionais para permitir que o mal estivesse no mundo. Deus não foi surpreendido pelo acontecimento do mal, pois que o mesmo só acontece em virtude do seu decreto. Sua vontade decretatória agiu dirigida pelo seu entendimento. Permitiu-o antes por saber que o mesmo é necessário ao melhor de todos os mundos. Afinal, como as criaturas saberiam que seu Criador é tudo que diz ser, se não experimentassem o seu contrário? Como uma criatura saberia o que é a bondade, se não conhecesse a maldade? O que levaria a razão divina a dirigir a sua vontade a decretar o mal metafísico que, por sua vez, ocasionaria os outros males? Dizer que a vontade decretatória atém-se ao bem do mundo é dizer que Deus sabe que o melhor dos mundos, para Leibniz, precisa do mal metafísico. Sua vontade permissiva poderia não abrir espaço para o mal moral e o mal físico. Mas só o permitiu porque o seu entendimento o prescreveu. Desse modo, fica complicado isentar Deus da responsabilidade sobre o mal. A não ser que se raciocine como Leibniz que pensa o mal como uma aparência, e isso é bem coerente com a tese do mal-nada. Se o mal está desontologizado, ele não passa de uma aparência. É o que Leibniz diz na Monadologia:

Assim não há nada inculto, estéril ou morto no universo; nem há caos, ou confusão, senão em aparência;[3] seria como num lago onde, à distância, se veria um movimento confuso, um bulício de peixes do lago, sem que se discernissem os próprios peixes (§ 69).

O que é chamado de mal, na verdade não passa de um fenômeno mal entendido pelo intelecto humano. Se o intelecto divino entendeu que essa tal aparência era necessária, é um bem. Como resolver então o problema do mal moral? Leibniz não quis ir às últimas consequências.

A onisciência de Deus funda-se em sua onipotência em decretar

            Leibniz, em seu De Libertate, diz:

Na verdade, não há porção de matéria tão diminuta que não contenha um tipo de mundo de criaturas, infinitas em número, e não há substância individual criada tão imperfeita que não atue sobre todas as outras e que não sofra suas ações, nenhuma substância tão imperfeita que não contenha o universo inteiro, e o que quer que seja, foi ou será, em sua noção completa (tal como existe na mente divina), nem há qualquer verdade de fato ou qualquer verdade relativa às coisas individuais que não dependa da infinita série de razões;[4] o que quer que esteja nessa série pode ser visto apenas por Deus. Essa também é a razão pela qual apenas Deus conhece as verdades contingentes a priori e vê sua infalibilidade de outro modo que não através da experiência (Leibniz, 2006. Pág. 01).[5]

            O detalhe está em “nem há qualquer verdade de fato ou qualquer verdade relativa às coisas individuais que não dependa da infinita série de razões”. O mal visto em sua individualidade, depende da “infinita série de razões”. Razões divinas, claro. Portanto, razões que levam ao decreto da vontade permissiva. Decreto este determinado pelo entendimento divino e, portanto, sujeito à sua onisciência.

            O argumento leibniziano (da interligação dos acontecimentos deste o passado remoto ou desde a antiguidade – Monadologia, § 36 e Teodicéia, parte I, § 9) leva às consequências de que Deus é onisciente não porque meramente prevê o futuro, mas porque sua onipotência determinou todo o futuro, desde que escolheu este mundo. Deus conhece o que determinou acontecer, portanto, ele conhece todas as coisas. Inclusive sabe por que e para que existe a imperfeição da natureza. Neste ponto, pode-se dizer que Leibniz foi genial em sua resposta aos socinianos quanto à questão da presciência divina, submetendo-a a sua onipotência: Deus conhece o futuro porque teve (e tem) o poder de decretar tudo quanto acontece e acontecerá. Assim o fez por saber que era o melhor. Mesmo que a razão sociniana não alcance tal sabedoria.
Willians Moreira Damasceno



[1] Texto original: Ainsi les Sociniens ne sauroient être excusables de refuser à Dieu la science certaine des choses futures, et sur tout des resolutions futures d’une creature libre. Car quand même ils se seroient imaginés qu’il y a une liberté de pleine indifference, en sorte que la volonté puisse choisir sans sujet, et qu’ainsi cet effect ne pourroit point être vu dans sa cause (ce qui est une grande absurdité), ils devoient tousjours cinsiderer que Dieu avoit pu prevoir cet evenement dans l’idée du monde pos­sible qu’il a resolu de créer. Mais l’idée qu’ils ont de Dieu, est indigne de l’auteur des choses, et repond peu à l’habileté et à l’esprit que les Ecrivains de ce parti font souvent paroitre en quelques discussions par­ticulieres. L'Auteur du Tableau du Socinianisme n’a pas tout à fait tort de dire que le Dieu des Sociniens seroit ignorant, impuissant,[1] comme le Dieu d’Epicure, demonté chaque jour par les evenemens, vivant au jour la journée, s’il ne sait que par conjecture ce que les hommes voudront (GERHARDT, Vol 7. Pág. 108 - 109).
[2] Destaque nosso.
[3] Destaque nosso.
[4] Destaque nosso.
[5] LEIBNIZ, G. W. Sobre a liberdade (De Libertate). (1689?). http://www.leibnizbrasil.pro.br/delibertate.htm. Acesso em 08/03/2006.

quarta-feira, 14 de março de 2012

CONCLUSÃO PARCIAL SOBRE O PROBLEMA DO MAL EM LEIBNIZ

 

Após as abordagens sobre "O Problema do Mal em Leibniz", chega-se à conclusão de que Leibniz não resolveu o problema do mal, antes, de certa maneira, deixa-o agravado. Leibniz repetiu o que séculos anteriores testemunharam ante a tentativa de responder a questões atinentes ao fenômeno do mal, mas não sem dar sua contribuição criativa em muitas considerações. Embora as contribuições de Leibniz para a solução do problema, via de regra, sejam mais uma tentativa de acomodação ao entendimento da cristandade do que irrefutáveis respostas filosóficas, o filósofo conseguiu atiçar a reflexão, pois suas conclusões são, sem dúvida, muito instigantes. Leibniz sustentou a teologia tradicional com uma filosofia que se ajoelhava ante as opiniões dominantes, respaldadas pelos governantes políticos e religiosos. Assim, o problema do mal quedou, mais uma vez, sem resposta definitiva. O que não é de se estranhar. Em todo o sistema leibniziano, patenteia-se a tentativa de acomodar a sua filosofia à sua teologia. Ou, como era seu desejo, compatibilizar fé e razão. Sua teologia e sua filosofia, fundadas em pressupostos cristãos e em pressupostos filosóficos antigos, não se prestam suficientemente a uma fundamentação filosófica para à questão do mal, pois que se apresentam apenas "recitando" a revelação com um filosofês arremedante de uma teologia tradicional.

 Willians Moreira Damasceno
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (A bibliografia aqui apresentadas refere-se a todas as postagens sobre "O Problema do Mal em Leibniz")

 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

AGOSTINHO. O livre-arbítrio. São Paulo: Paulus, 1995.

AQUINO, São Tomás. Suma teológica. I Tomo. São Paulo: Faculdade de Filosofia "Sedes Sapientiae", 1954.

CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1995.

ESTRADA, Juan Antônio. A impossível teodicéia: a crise da fé em Deus e o problema do mal. São Paulo: Paulinas, 2004.

GERHARDT, C.I. (org.) Die Philosophischen Schriften von Leibniz. 7 vols. Hildesheim: Olms. 1996

JOLLEY, Nicholas. The Cambridge Companion to Leibniz. New York/USA: Cambrigde University Press,1998.

LAÉRCIO, Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. 2.ed. - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1977. 357p.

LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm . Discurso de metafísica. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 127-129; p. 144-146.

LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Novos ensaios sobre o entendimento humano. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

LEIBNIZ, G. W. Sobre a liberdade (De Libertate). (1689?). http://www.leibnizbrasil.pro.br/de_libertate.htm. Acesso em 08/03/2006.

LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Monadologia; discurso de metafísica e outros textos. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Novos ensaios sobre o entendimento humano. In. OS PENSADORES. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1996.

LEIBNIZ, G. Wilhelm. Theodicy: essays on the goodness of God, the freedom of man, and the origin of evil. LIBRARY OF CONGRESS CATALOGING-IN-PUBLICATION DATA - PROJECT GUTENBERG. http://www.gutenberg.net – acesso em 05 de abril de 2006.

LUCIEN, Jerphagnon. História das grandes filosofias. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

MARQUES, Edgar. Necessidade e contingência em Leibniz e Arnauld. In Kriterior, nº. 98, Jan/98 a Jun/98, p. 212-226. Belo Horizonte, 1998.

MURRAY, Michael. Leibniz on the problem of evil. In. Stanford Encyclopedia of Philosophy. http://www.plato.stanford.edu/entries/leibniz-evil/ – Copyright © 2005 (cópia da Internet em 10/04/2006).

PLOTINO. Enneadas. Milano: edizione Bompiani Il Pensiero Occidentale, aprile 2000.

RICOEUR, Paul. O mal: um desafio à filosofia e à teologia. Campinhas, SP: Papirus, 1988. 53 págs.

RUSSEL, Bertrand Arthur William. A filosofia de Leibniz: uma exposição crítica. São Paulo: Editora Nacional, 1968.

RUTHERFORD, Donald. Leibniz and the rational order of nature. New York/USA: Cambrigde University Press,1998.

terça-feira, 13 de março de 2012

O MAL AGRAVADO PELO PROBLEMA DO LIVRE ARBÍTRIO

CONTINUAÇÃO DO TÍTULO " O PROBLEMA DO MAL EM LEIBNIZ"


O MAL AGRAVADO PELO PROBLEMA DO LIVRE ARBÍTRIO

Os Princípios da Filosofia ditos a Monadologia estabelecem que as mônadas, mesmo qualitativamente diferentes, estão submetidas a uma hierarquia entre si. As mônadas aperceptivas,[1] dotadas de inteligência (almas humanas) (§ 63, 66, 82), estão acima das Mônadas que têm apenas sensibilidade (alma dos animais - § 63, 66) (LEIBNIZ, 1983). Mesmo não havendo contato entre as mônadas (§ 7º da Monadologia), existe entre as mesmas uma harmonia preestabelecida. Esta harmonia é sustentada pelo fato de que Deus regula as mônadas (§ 51) "desde o começo das coisas". No § 22, Leibniz diz que "todo estado presente de uma substância simples é uma continuação natural do seu estado passado, assim também o presente está prenhe do futuro". Este § e os §§ 26, 27, 28, 36 e 37 possibilitam considerações que complicam a compreensão de Leibniz sobre o livre-arbítrio e, consequentemente, a sua explicação para o problema do mal. O § 22 assevera que o futuro já está no presente. Os §§ 26, 27 e 28 trazem a ideia da consecução. Este fenômeno ocasiona atos, tantos nos irracionais como nos racionais, que são ditos por Leibniz como atos do "papel de um velho hábito ou o de muitas percepções fracas e repetidas". O que pode ser identificado com o fenômeno do condicionamento. Este fenômeno indica que muitas das ações são puros reflexos do passado. Leibniz diz: "Em três quartas partes das nossas ações somos exclusivamente empíricos". Logo, apenas uma quarta parte de nossas ações ficaria na dependência da razão, segundo Leibniz. Aquelas três quartas partes podem ser enquadradas facilmente no encadeamento que um presente já prenhe de um futuro tem estabelecido. Restaria uma quarta parte de nossas ações para serem explicadas quanto à harmonia preestabelecida. Leibniz no § 28 apresenta o procedimento do astrônomo, que é segundo a razão. O fato estabelecido é que mesmo os procedimentos segundo a razão, pelo conhecimento das verdades necessárias, estão sujeitos ao encadeamento da harmonia preestabelecida. De outra forma, aqueles procedimentos fugiriam ao controle do Ser necessário. Leibniz refere-se a uma causa eficiente do seu ato de escrever (Mon. § 36) que engloba "uma infinidade de figuras e movimentos presentes e passados", como também "uma infinidade de pequenas inclinações e disposições de minha alma presentes e passadas que entram na sua causa final". Assim, o todo dos procedimentos, por consecução ou por razão, está controlado pelo encadeamento estabelecido na harmonia universal. Isto posto, fragiliza-se a compreensão de livre-arbítrio que Leibniz tenta estabelecer, pois que toda ação humana atual encontra-se já gestada no passado recente e/ou remoto, visto ter sua causa eficiente em uma instância que não o agente humano que a pratica na atualidade. Mesmo que se diga que há uma participação sua na ação atual, não se anula o problema do livre-arbítrio, pois permanece a determinação inicial do Ser necessário de todo o encadeamento de "figuras", "movimentos", "inclinações" e "disposições" que agiram através dos tempos para se chegar à tal participação atual.

O livre-arbítrio de Leibniz e o livre-arbítrio Spinozista
Considerando ainda que o preestabelecido encontra-se em contingência devido às limitações das mônadas, não se faculta a liberdade aos Espíritos como se pretende no sistema leibniziano, segundo o qual serão prestadas contas dos atos da "Cidade de Deus": "Enfim, sob este governo perfeito não haverá boa ação sem recompensa, nem má sem castigo" (§ 90). Ora, se tudo está relacionado e uma ação presente é decorrente de uma sequência de momentos anteriores, nada acontecendo sem uma causa, de onde viria uma boa ou má ação, assumida por uma alma humana em determinado instante, desde que se considere uma série de acontecimentos anteriores (ao infinito?) que explicariam a escolha presente? Aqui não acontece meramente o fato de Deus saber que ação será praticada, boa ou má, pela alma humana. Deus só o sabe por que o futuro foi determinado por ele. O fato de a alma humana ignorar o futuro já a exime de responsabilidade de muitas ações más involuntárias, muitas das quais acontecem em funções de suas limitações de conhecimento. Considere-se ainda que a responsabilidade pelo que se pratica está mais em função das relações sociais. Dentro do próprio raciocínio de Leibniz, Deus não seria tão tolo para não levar em consideração que os atos de sua "Cidade" (Mon. § 90) devem-se aos procedimentos por "consecução" ou por "razão", encadeados no processo da "harmonia preestabelecida", decretada por Deus mesmo. Que responsabilidade tem a alma humana diante do Ser necessário, se suas ações estão determinadas por "figuras", "movimentos", "inclinações" e "disposições" que agiram através dos tempos, para operarem ações presentes?
Na sua compreensão de uma harmonia preestabelecida, Leibniz parece, de certo modo, concordar com Spinoza, mesmo que este não fale de tal harmonia. Comparando-se o pensamento de ambos, parece que Leibniz perde força no seu argumento em defesa do livre-arbítrio.
            O raciocínio de Spinoza, considerando a "ligação infinita de causas", parece mais coerente quando pensa sobre a questão da liberdade. Para ele, a ação de Deus procede de Deus mesmo de maneira necessária. Só se pode falar de liberdade divina entendendo-se por isso a ausência de toda coação exterior, tudo procedendo da simples "necessidade de sua natureza" (LUCIEM, 1992. Pág. 164). Portanto, falar de liberdade humana é inviável. O homem é uma "coisa natural" que, como todas as coisas, "segue as leis ordinárias da natureza". Dizer-se o homem livre, é ignorar causas que operam a sua vontade. Observe-se que, em Leibniz, o próprio Ser necessário tem sua vontade submetida às leis do seu entendimento. Pode-se entender que Deus é impotente para agir à revelia de seu entendimento. É da natureza do Ser necessário agir como age e não diferente. Portanto, Deus não pode escapar de Deus, assim como a alma humana não pode escapar de si mesma.
            Spinoza entende que o homem, alma e corpo, são dois modos finitos em correspondência no seio da totalidade infinita das ideias e dos corpos, dois modos finitos que são determinados a existir e agir pelos outros modos de mesmo atributo no seio da "ligação infinita das causas", tal como o mecanismo, no mundo dos corpos (LUCIEN, 1992. Pág. 165). Observe-se aqui a expressão "ligação infinita das causas". Parece compatível com as palavras de Leibniz na Teodiceia. Como também parece corroborado pelas palavras de De Libertate:

não há substância[2] individual criada tão imperfeita que não atue sobre todas as outras e que não sofra suas ações; [...] nem há qualquer verdade de fato ou qualquer verdade relativa às coisas individuais que não dependa da infinita série de razões (Leibniz, 2006. Pág. 01).[3]

            Portanto, estabelecida esta comparação entre o livre-arbítrio Leibniziano e o livre-arbítrio Spinozista, apresenta-se mais uma incompatibilidade entre o livre arbítrio e a harmonia preestabelecida no sistema de Leibniz.

Livre-arbítrio, futuros contingentes e o impedimento divino da prática do mal
            O ponto nº 13 do Discurso de Metafísica diz: "Toda a gente concordará estarem assegurados os futuros contingentes, visto Deus os prever, mas daqui não se segue a sua necessidade". Difícil provar que não. Para Leibniz, Futuros contingentes, como hábitos, disposições e inclinações compreendidos virtualmente na noção individual de cada homem, seriam como,

[...] veios na pedra [de mármore], que assinalassem a priori a figura de Hércules de preferência a outras, esta pedra seria mais determinada, e Hércules estaria como que inato nela de alguma forma, embora não se possa esquecer que se necessitaria de trabalho para descobrir tais veios, para limpá-los, eliminando o que os impede de aparecer. (LEIBNIZ, 1984, p.10).

Tais virtualidades, portanto, inclinam o homem a agir de um modo de preferência a outro. A respeito da distinção entre o certo e o necessário acerca da realização dos futuros contingentes, Leibniz diz:

[...] que é certo, mas não necessário o que sucede em conformidade a estas antecipações, e que se alguém fizesse o contrário não faria coisa em si impossível, embora fosse impossível (ex hypothesi) que tal acontecesse (LEIBNIZ, 1979,p.128).

Ora, a necessidade dos futuros está estabelecida, pois que Deus não meramente os prevê, mas, antes, decreta-os. Por isso são previsíveis e Leibniz mesmo assevera: "embora fosse impossível que tal acontecesse". A possibilidade de acontecer é puramente teórica. Na prática, não há como escapar. Os futuros contingentes do sujeito "César" não possuem realidade a não ser no entendimento de Deus, mas se realizarão visto Deus os decretar e incutir na natureza de César. "Poderia dizer-se não ser devido a esta noção ou ideia que César praticará tal ação, pois ela só lhe convém porque Deus sabe tudo" (LEIBNIZ, 1979, p.128), mas se da noção de um sujeito é possível extrair tudo o que lhe seja devido, faz-se necessário tornar real o que até então era virtual. Se for previsto por Deus que César se tornará ditador, será inevitável esta ação acontecer; caso contrário, a noção individual mostrar-se-ia falha e imperfeita.
            A revelação cristã que tanto Leibniz quis harmonizar com a razão, apresenta um Deus que age sempre para sua conveniência. O que não é de se estranhar, pois sua vontade é soberana, embora subjugada à sua razão. Assim, Leibniz esquece que a mesma Bíblia que ele cita em seu apoio quando argumenta sobre as regras de bondade às quais Deus se submete, no ponto nº 02 (Discurso de Metafísica), apresenta um deus que, quando lhe convém, impede indivíduos de pecarem. O testemunho das Sagradas Escrituras, como Leibniz gosta de usar, apresenta os casos de Faraó e Abimeleque que, quando prestes a tomarem a mulher de Abraão, Sara, para os seus leitos, em situações diferentes, Deus se encarregou de impedi-los de cometerem tal erro (Gênesis 12: 14 – 20; 20: 1–17). Decorre disto que, se Deus impede a uns, porque não faz o mesmo com outros? Ora, se o "poder" de agir livremente de alguns é dominado por Deus, por que outros são deixados a agir de forma a "contrariar" o bem? Estes episódios bíblicos podem ser interpretados filosoficamente, de modo a expressarem no tempo o que o Ser necessário decretou em face do seu entendimento a respeito de Faraó e de Abimeleque. O futuro contingente, no "tempo bíblico", foi visto e decretado na mente divina de antemão. Ora, está determinado que a natureza das criaturas não tenha a perfeição do criador. Mas há nelas uma perfeição como criatura, visto o criador não fazer coisa alguma que seja imperfeita (diz Leibniz).
            Com respeito ao questionamento de Arnauld sobre o pensamento de Leibniz sobre o livre-arbítrio divino, a análise de Marques é bem sugestiva quando afirma que, segundo Leibniz,
A liberdade de Deus fica preservada na medida em que cabe a ele estabelecer quais conexões dentre as infinitas possíveis devem se realizar na efetividade. O intelecto divino concebe, assim, as infinitas possibilidades de combinações de eventos, cabendo à vontade divina a escolha dentre as infinitas possibilidades apresentadas (MARQUES, 1998).

Assim, Deus é livre para impedir o que bem determinar e, da mesma forma, deixar acontecer.
            Marques conclui, dizendo que "com essa teoria Leibniz aparentemente apresenta uma resposta coerente ao desafio lançado por Arnauld de compatibilização da tese da liberdade divina com a tese de que são intrínsecas as relações entre uma substância individual e as suas determinações" (MARQUES, 1998). No entanto, com essa teoria que possibilita tal liberdade ao Ser necessário, fundamenta-se, sem que Leibniz perceba, o contraditório à sua tese do livre-arbítrio humano. Ou seja, sua fuga do determinismo absoluto quanto à natureza humana torna-se inconsistente pois, como atrás foi dito, Deus interfere quando quer e bem deseja nas decisões humanas, impedindo os homens de praticar o mal, segundo as mesmas fontes que Leibniz chama ao seu favor. Ora, no princípio do Discurso de Metafísica, ponto nº 02, Leibniz chama o testemunho das Escrituras (Gênesis, cap. 01) para respaldá-lo quanto à bondade de Deus. Mas, sabe-se lá porque, Leibniz não apresenta o texto do mesmo livro de Gênesis que mostra Deus não deixando Faraó e Abimeleque pecarem contra Abraão. Se filosofando, Leibniz usa a autoridade da Bíblia para se fundamentar, por que não a usa em sua inteireza, quando a mesma o contradiz quanto à ação de Deus, interferindo no suposto livre-arbítrio humano?

O Livre-arbítrio e a limitação de conhecimento humano
            De onde viria a limitação de conhecimento ocasionada ao ser humano? Na Monadologia, § 42, Leibniz:
Segue-se, também, que as criaturas devem suas perfeições à influência divina, e as imperfeições à sua própria natureza, incapaz de ser ilimitada. É por isso que se distinguem de Deus. Essa imperfeição original das criaturas manifesta-se na inércia natural dos corpos (LEIBNIZ, 1983).

É o próprio Leibniz quem vai dizer o que é essa "imperfeição original":

O mal pode ser considerado metafísica, física e moralmente. O mal metafísico consiste numa simples imperfeição, o físico consiste no sofrer, e o moral é o pecado. Embora o mal físico e moral não sejam necessários, é suficiente que, em virtude das verdades eternas, sejam possíveis (GERHARDT, Vol. VI. Pág. 115).

            Considere-se que as duas citações acima apontam para o fato que leva a entender o mal metafísico como causador dos outros males. Ora, quem senão o Ser necessário criou o mal metafísico? A tal "inércia natural dos corpos" foi decretada pelo Criador. É esta imperfeição, um mal, que ocasiona as limitações nas mônadas. Estas limitações ocasionam o problema das escolhas erradas. Leibniz ainda diz:

Os antigos atribuíram a causa do mal à matéria, que acreditavam incriada e independente de Deus, mas nós, que tudo derivamos de Deus, onde encontraremos a fonte do mal? A resposta é que ele deve ser procurado na natureza ideal da criatura, na medida em que sua natureza está contida entre as verdades eternas, que estão no entendimento de Deus independentemente de Sua vontade.[4] Pois temos de considerar que existe uma imperfeição original na criatura, anterior ao pecado, porque a criatura não pode conhecer tudo e pode enganar-se e cometer outras faltas (GERHARDT, Vol. VI. Pág. 114-115).

O mal, a imperfeição original na criatura, aparece aqui como contido "entre as verdades eternas, que estão no entendimento de Deus independentemente de Sua vontade". David Blumenfeld diz que "issues of good and evil rest on God's intellect rather than his will" (JOLLEY, 1998. Pág. 383). Leibniz consegue libertar o Ser necessário de haver desejado o mal para a sua criação. Mas isso não elimina o problema de Deus ser responsabilizado pelo mal. De uma forma ou de outra, seja da vontade ou do entendimento divino, o mal vem de Deus. Não foi a criatura que o escolheu ou desejou.
            Segundo Russell, foi por isso que Leibniz rejeitou "o princípio cartesiano segundo o qual os erros dependem mais da vontade do que do intelecto" (RUSSEL, 1968). A conclusão é que o Ser necessário foi obrigado a seguir o seu entendimento quanto a permitir o fenômeno do mal na sua criação.
            Dito isto, a limitação do conhecimento humano não poderá jamais alcançar a perfeição quanto a agir sem praticar o mal. Mesmo que sua vontade queira o melhor, seguindo o seu entendimento, está fadada a errar de vez em quando. A imperfeição da natureza condiciona o livre-arbítrio humano a ser relativo à sua limitação de conhecimento. A imperfeição se apresenta no momento em que se faz necessária a escolha. Como Leibniz diz: "Every act of will implies some reasons for willing and ... this reason naturally precedes the act of will itself" (JOLLEY,1998. Pág. 383). Ora, a análise de razões para uma determinada escolha é ocasionada segundo o conhecimento que se tem da mesma e do que a envolve, conhecimento este que estabelece os critérios de escolha. Uma vez limitado o conhecimento é passível de erro. Consequentemente a prática do mal em face da limitação de conhecimento não é da responsabilidade do agente. A falha deve ser atribuída ao intelecto e não à vontade, visto que está no homem como no Ser necessário, segue o princípio do melhor segundo o intelecto.
            Há um decreto sobre a natureza humana que a torna imperfeita em relação ao Criador. Sendo assim, não poderá agir fora deste decreto. Se o homem age sempre dirigido pelo que entende ser o melhor, nisto imita a Deus. Neste caso, a imperfeição em relação ao Criador impede o homem de sempre fazer o bem. Sua limitação de conhecimento, de entendimento, leva-o ao erro. Mas quem é responsável por sua limitação de origem? Poderia o Criador reclamar de sua criatura? Mas o Criador pode, sim, destruí-la para empreender uma nova criação. Como o deus de Leibniz sempre faz o perfeito, e foi assim que quis o que aí está, não há nada a reparar ou recriar.

Willians Moreira Damasceno

[1] Ou conscientes.
[2] Guarde-se aqui as diferenças entre Leibniz e Spinoza quanto ao conceito de substância.
[3] LEIBNIZ, G. W. Sobre a liberdade (De Libertate). (1689?). http://www.leibnizbrasil.pro.br/delibertate.htm. Acesso em 08/03/2006.
[4] Destaque nosso.

domingo, 11 de março de 2012

A HARMONIA PREESTABELECIDA


Continuação da abordagem sobre o problema do mal em leibniz
tentativa de resposta ao problema do mal

            Leibniz parece ter sido um buscador de harmonia em vários sentidos. Tanto “Os Princípios da Filosofia ditos a Monadologia” como no “Discurso de Metafísica” e na “Teodicéia”, há uma elaboração teórica voltada para uma harmonização de contrários. Esta tendência de Leibniz à harmonização estampa-se em sua vida pública, em sua teologia e em sua filosofia. Leibniz buscava mesmo uma conciliação entre pontos os mais diversos e muitas vezes irreconciliáveis. Os pressupostos de Leibniz apontam para uma vida que se define pela pluralidade que busca uma unidade. Na política, na teologia e na filosofia, Leibniz viveu a construção de uma harmonia. A harmonia era tão importante para ele que no seu título “Novos ensaios sobre o Entendimento Humano” Leibniz apresenta-se como “Autor do Sistema da Harmonia Preestabelecida” (LEIBNIZ, 1996). Leibniz queria harmonia em todos os níveis da existência e procurou explicá-la na filosofia da Mônadas. Politicamente, procurou harmonizar os povos; como também o protestantismo com o catolicismo. Tal é a sua luta e sofrimento face às divergências religiosas. Tratava-se de um reconhecimento da necessidade de unidade na pluralidade.
            Sua doutrina da harmonia universal é, sem dúvida, um marco em todo o seu sistema. É um dos pontos que dá sentido fundamental para que se entenda o fenômeno do mal.

O mal visto da perspectiva do todo adquire outro sentido.
            Dizendo Leibniz que Deus é a harmonia máxima rerum, sem perceber talvez, acaba por implicar que o mal faz parte desta harmonia. É como falar de notas dissonantes executadas por uma orquestra que só serão desagradáveis aos ouvidos quando tocadas isoladamente. No conjunto, tudo são harmonia e beleza. Do ponto de vista de uma bordadeira, o bordado só é “feio” se percebido pelo lado errado. Só existe um lado pelo qual o bordado tem o sentido estético devido, o qual a bordadeira quer lhe dar. Sob o prisma leibniziano, este mundo é o melhor possível e está em harmonia com o plano do seu criador. Encontrar o mal é olhar o “bordado” pelo lado errado; é escutar as notas dissonantes isoladamente. E notas isoladas não têm sentido.
            A compreensão do mal estaria para Leibniz situada na questão da percepção humana? O mal percebido isoladamente estaria fora do contexto maior que lhe dá outro sentido. Dessa forma, o bem, visto isoladamente, estaria também fora de um contexto maior e teria um sentido diferente do isolado. A compreensão do mal e do bem tem dependido de percepções isoladas e, portanto, sem o sentido do todo, consequentemente sem o sentido que a divindade tem do universo. E isto tem sido o motivo para equívocos de compreensão do fenômeno do mal. Para Leibniz, o problema está, na verdade, no homem que não consegue compreender devidamente a realidade da criação. O § 213 da Teodicéia deixa claro que há um erro em se supor que parte do todo, tomada isoladamente, deve ser tão perfeita quanto o todo em si mesmo (RUTHERFORD, 1998. Pág. 08). A perfeição está no todo. O homem só vê partes isoladas. Isto leva-nos a uma visão relativista do mal. Como diz Rutherford, “embora uma circunstância isolada pareça oferecer um contra exemplo para a perfeição superior do universo, quando retornado a seu contexto apropriado pode ser vista como a contribuir de uma maneira essencial para essa perfeição (do todo do universo)” (RUTHERFORD, 1998. Pág. 09). E qual é o contexto apropriado de uma circunstância? É justamente aquele em que a variedade dos seres diferentes participam em sua constituição e no grau de relação ou ordem que os une. Aqui se dá a harmonia; aqui o todo é absoluto.
            A Teodicéia, primeira parte, § 9º, vem fundamentar mais ainda esta visão sobre o pensamento de Leibniz:

todas as coisas estão ligadas em cada um dos mundos possíveis: o universo, qualquer que seja, é todo da mesma espécie, como um oceano: o menor movimento estende seus efeitos a qualquer distância, muito embora esses efeitos se tornem menos perceptíveis na proporção da distância. Nisto Deus ordenou, de uma vez por todas, a totalidade das coisas de antemão, tendo previsto os rezadores, as boas e as más ações e todo o resto; e cada coisa enquanto uma ideia contribuiu, antes de sua existência, para a resolução que foi tomada sobre a existência de todas as coisas; de modo que nada pode ser alterado no universo (ainda que em número) exceto sua essência ou, se tu desejares, exceto sua individualidade numérica. Assim, se o menor dos males que ocorre no mundo não ocorresse, não mais teríamos este mundo; que, nada se omitindo e tudo se considerando, foi tido o melhor pelo Criador que o escolheu.[1]

Aqui há uma ideia do todo com suas partes interligadas. Uma observação das partes isoladas não permite a compreensão necessária à visão da perfeição do todo. Por este prisma, as partes são perfeitas, pois é o todo que tem o significado do ser perfeito. Existe neste todo a harmonia do melhor de todos os mundos possíveis, fundada na determinação divina. “Assim, se o menor dos males que ocorre no mundo não ocorresse, não mais teríamos este mundo; que, nada se omitindo e tudo se considerando, foi tido o melhor pelo Criador que o escolheu” (GERHARDT, Vol. 7. Pág. 108). No § 59 da Monadologia, fala-se de uma “‘harmonia universal’ que faz toda a substância exprimir exatamente todas as outras devido às relações nela contidas”. É a relação de interligação harmônica que possibilita a perfeição.

O mal como resultado do encadeamento de acontecimentos-causas.
            Da perspectiva de Leibniz conclui-se que aquilo que é chamado mal pode ser ocasionado por uma cadeia de acontecimentos-causas iniciada desde o momento da criação. Leibniz diz na Monadologia:

Há uma infinidade de figuras e movimentos presentes e passados entrando na causa eficiente deste meu ato presente de escrever, e uma infinidade de pequenas inclinações e disposições da minha alma presentes e passadas que entram na sua causa final (LEIBNIZ, 1983).

Um ato considerado bom ou mau, realizado no presente, tem sua causa eficiente num conjunto de “figuras e movimentos presentes e passados...”, e que o tal ato enquadra-se na realidade de que não há verdade de fato ou qualquer verdade relativa que não dependa da infinita série de razões. Leibniz diz: “Assim, se o menor dos males que ocorre no mundo não ocorresse, não mais teríamos este mundo; que, nada se omitindo e tudo se considerando, foi tido o melhor pelo Criador que o escolheu” (GERHARDT, Vol. 7. Pág. 108). Esta interligação entre os males que ocorrem no mundo complica a compreensão do livre-arbítrio que responsabiliza o ser humano por seus atos morais. Como pode ser responsável a alma humana por algo que extrapola o poder de controle sobre os seus atos? Afinal, atos presentes estão na sequência entre atos passados e futuros que acontecerão necessariamente. Sobre isto será dito mais ao se comentar os “futuros contingentes”.

A compreensão do melhor dos mundos possíveis cria uma desarmonização entre a filosofia e a teologia leibnizianas
            Quase todo o trabalho de Leibniz buscou uma harmonia entre filosofia e teologia. Esta busca dava-se tanto pelo fato de o filósofo ser cristão, quanto pelo fato de estar politicamente envolvido com magistrados. Por isto, fé e razão tornaram-se pontos importantes de consideração na filosofia de Leibniz de modo a merecer aqui uma análise.
            O pensamento de Leibniz sobre a harmonia preestabelecida no que respeita ao melhor dos mundos possíveis traz em si um problema que Leibniz, parece, não pensou que ocasionaria. Ora, Leibniz, em sua Teodicéia, tratando sobre a “questão da conformidade entre fé e razão, e o uso da filosofia na teologia”, diz: “O objeto da fé é a verdade que Deus tem revelado de maneira extraordinária, e que a razão é o encadeamento de verdades, porém particularmente (quando é comparada com a fé) daquelas que o espírito humano não pode alcançar naturalmente, sem o auxílio das luzes da fé” (LEIBNIZ, 2006. Pág. 73). Vê-se claramente a intenção de harmonizar a fé com a razão. É nesse afã que Leibniz não atentou para qual era de fato o melhor de todos os mundos possíveis para Deus. Como cristão conservador e como quem cita várias vezes a própria Bíblia para se respaldar, Leibniz esqueceu “da verdade da revelação”, a verdade da fé. Se os dogmas da revelação estão mesmo em conformidade com a razão, Leibniz deveria admitir que este não é o melhor mundo possível, senão provisoriamente, pois que a “verdade revelada” do cristianismo prega um novo céu e uma nova terra, nos quais “não haverá choro, nem ranger de dentes”; o que, Leibniz há de convir, existe muito neste mundo. A harmonia universal preestabelecida pode até existir, mas este mundo, para a teologia tradicional não é o melhor. Este mundo comporta males que só serão erradicados no próximo mundo que, segundo a “verdade revelada”, será mesmo o melhor. Como será que Leibniz relacionava o mundo da perspectiva cristã e o seu mundo que era o melhor dos mundos possíveis? O problema do mal que Leibniz procurava resolver referia-se ao fenômeno que acontece no mundo tratado pela perspectiva cristã. Está lá o problema do sofrimento humano e o problema do livre-arbítrio que são tratados por Leibniz. Em que mundo estes problemas acontecem? Claro, neste que é melhor de todos os mundos. Mundo aqui é o todo da natureza. Desde que todos os acontecimentos estão interligados, o sofrimento humano, de uma forma ou de outra, tem abrangência universal. Não há aqui que setorizar o mundo, pensando em terra, céu, inferno ou purgatório. Estas categorias, talvez existentes na mente de Leibniz, por ser cristão, fazem parte do todo. Portanto, visto haver para a teologia um inevitável futuro mundo melhor, no qual não haverá o mal, Leibniz falhou em tentar uma conformidade entre fé e razão. Sua filosofia solapou sua teologia.
Willians Moreira Damasceno

Esta abordagem continuará no texto "O MAL AGRAVADO PELO PROBLEMA DO LIVRE ARBÍTRIO".


[1] Texto original: Car il faut savoir que tout est lié dans chacun dos Mondes possibles: l’univers, quel qu’il puisse être, est tout d’une pièce, comme un Ocean; le moindre mouvement y etend son effect à quelque distance que ce soit, quoyque cet effect devienne moins sensible à proportion de la distance: de sorte que Dieu y a tout reglé par avance une fois, pour toutes, ayant prevu les prieres, les bonnes et les mauvaises actions, et tout le reste; et chaque chose a contribué idealement avant son existence à la resolution qui a été prise sur l’existence de toutes les choses. De sorte que rien ne peut être changé dans l’univers (non plus que dans un nombre) sauf son essence, ou si vous voulés, sauf son individualité numerique. Ainsi, si le moindre mal qui arrive dans le monde y manquoit, ce ne seroit plus ce monde, qui tout compté, tout rabattu, a été trouvé le meilleur par le Createur qui l’a choisi (GERHARDT, Vol 7. Págs. 107 e 108).

sábado, 10 de março de 2012

CONTINUAÇÃO DO TÍTULO " O PROBLEMA DO MAL EM LEIBNIZ"


Na modernidade, aparece o problema do mal também contraposto ao problema da onisciência divina. É significativo o pensamento do socinianismo[2] quanto a este atributo divino em relação ao problema do mal. Para os socinianos, o mal é incompatível apenas com a existência de um Deus onisciente. Referindo-se ao socinianismo, Leibniz diz textualmente: "Assim, os socinianos não podem ser excusados de negar a Deus o conhecimento exato de eventos (escolhas) futuros, e sobre tudo, de decisões futuras de uma criatura livre".[3] Os socinianos ensinavam ainda que a misericórdia e a justiça em Deus se opõem; a justiça não seria um atributo imanente de Deus; seria apenas um efeito de Sua livre escolha. Essa teologia abre espaço para certa arbitrariedade da parte de Deus quanto a governar a sua criação. Tal pensamento causou impacto no próprio Leibniz, uma vez que uma mente cristã não desfalca a natureza divina do atributo da justiça.
Para os modernos, o status quaestionis do problema do mal parece implicar em um problema face à bondade divina, bem como face à onisciência, à vontade e à justiça divinas.
Rutherford diz que Leibniz, cedo em sua carreira filosófica, chegou a uma resposta à questão de Epicuro sobre o mal.[4] Mas o problema do mal não o abandona, de sorte que Leibniz reflete sobre o mesmo até os seus últimos dias (RUTHERFORD, 1998. Pág. 07).
            Portanto, com estes pressupostos, apontam-se diretrizes para um estudo do que Leibniz escreve sobre Deus e sua natureza; sobre a relação entre a vontade de Deus e sua razão; sobre a harmonia universal preestabelecida e sobre a justiça divina em julgar os espíritos (temas sobre os quais discorre também na Monadologia). A Teodicéia pode ser lida mesmo como uma resposta aos socinianos, que pensavam o inverso de Leibniz. Mas também como uma resposta a Arnauld, seu correspondente. Entende-se sua justificativa da bondade e justiça divinas: é uma tentativa de responder à questão deixada pelos medievais. O sofrimento, aparentemente injusto, recebe um tratamento leibniziano para assim justificar Deus em face dos questionamentos humanos (RUTHERFORD, 1998. Pág. 07).
Natal/RN, 10 de março de 2012.
Willians Moreira Damasceno

Continua em "A HARMONIA PREESTABELECIDA"

[1] Continuação de "O PROBLEMA DO MAL EM LEIBNIZ".
[2] Teologia racionalista antitrinitariana difundida no século XVII. Seus iniciadores foram Lelio Sozzini e Fausto Sozzini, ambos do século XVI. A influência do antitrinitariano Miguel de Servetus faz-se presente nas doutrinas dos socinianos. Os Jesuítas suprimiram esse movimento na Polônia, mas as idéias socinianas espalharam-se para a Holanda e Inglaterra, e daí para a América. A moderna igreja Unitariana é um descendente direto dos socinianos da Polônia (CAIRNS, 2003, pág. 250 e 251).
[3] Original: "Ainsi les Sociniens ne sauroient être excusables de refuser à Dieu la science certaine dês choses futures, et sur tout des resolutions futures d'une creature libre" (GERHARDT, Vol. 7. Pág. 108).
[4] "God either wishes to take away evils and is unable; or he is able, and is unwilling; or he is neither willing nor able; or he is both willing and able. If he is willing and unable, he is feeble, which does not agree with the character of God; if he is able and unwilling, he is malicious, which is equally at odds with God; if he is neither willing nor able, he is both malicious and feeble and therefore not God; if he is both willing and able, which is alone suitable to God, form what source then come evils? Or why does he not remove them?"

sexta-feira, 9 de março de 2012

O PROBLEMA DO MAL EM LEIBNIZ

O PROBLEMA DO MAL EM LEIBNIZ[1]
Gottfried Wilhelm Leibniz – (1646- 1716) 01 de julho, na cidade alemã de Leipzig. Leu os autores antigos e escolásticos. Tomou contato com Platão e Aristóteles. Com quinze anos começou a ler os filósofos modernos. Bacon, Descartes, Hobbes e Galileu. Leibniz foi de um espírito universal, muito inteligente. Cursou filosofia na cidade natal, matemática em Jena, com vinte anos. Cursou também jurisprudência em Altdorf. Os últimos anos da vida de Leibniz foram tristes e solitários.

            Leibniz foi um homem afeito às questões científicas, políticas, religiosas e filosóficas de sua época. Por conta destas, ele enfrentou problemas que foram objeto de sua reflexão filosófica. Segundo Murray, o problema do mal preocupou Leibniz mais do que qualquer outro problema filosófico. Mesmo escrevendo sobre tantos outros temas, o problema do mal aparece na juventude e antes de sua morte. Tanto "Confissão do Filósofo" (1672) como "Ensaios de Teodicéia" (1709/10) foram obras dedicadas ao problema do mal (MURRAY, 2005. Pág. 01).
            A filosofia de Leibniz será pensada nestas linhas de modo a buscar suas respostas para o problema do mal. Isto não significa que se chegará a um resultado em que o tema será esgotado, mas que se terá uma noção do pensamento de Leibniz sobre ao problema do mal.
            O objetivo é mostrar que a abordagem de Leibniz sobre o problema do mal não alcançou resposta satisfatória, embora tenha feito algumas contribuições importantes para a reflexão. Para isto, serão abordados tópicos sobre a relação entre a "harmonia preestabelecida" e o mal; sobre a "harmonia preestabelecida" e o livre-arbítrio humano; sobre o livre-arbítrio divino; sobre a onipotência divina e os "futuros contingentes".
            Ficará provado que a filosofia de Leibniz reproduziu em muito a abordagem dos seus antecessores quanto ao assunto problematizado.

O contexto histórico do problema do mal conhecido por Leibniz
O fato de que texto e contexto constituem uma estrutura, na verdade uma unidade hermenêutica, obriga o pesquisador a uma contextualização histórica do assunto por ele pesquisado. Com isto, ratifica-se o fato de que a historicidade do contexto e sua integração com o texto não se contradizem, porém se requerem necessariamente.
A partir deste pressuposto, buscar uma simples, porém significativa reconstrução do contexto histórico do problema do mal anterior a Leibniz, e mesmo na modernidade, é imprescindível para a compreensão da resposta leibniziana a tal problema. Entende-se assim que uma hermenêutica significativa carece da visão histórica. Na verdade, exigem-se uma à outra e se completam.

O Problema do Mal antes de Leibniz
            O problema do mal já havia sido abordado por outros filósofos da antiguidade e do medievo. As soluções apresentadas para a questão não foram de todo convincentes. Na antiguidade, de um modo geral, os estóicos entenderam o mal como necessário à ordem e à economia do universo. O bem estóico é aquilo de que advém alguma utilidade, e com maior propriedade pode-se dizer que "é idêntico ao útil ou não se distingue dele"[2] (LAÉRCIO, 1977. Pág. 203). O mal, mesmo sendo a contrapartida do bem, ou o inútil, ainda assim é necessário ao universo.
            Um parecer neoplatônico sobre o problema do mal é dado por Plotino (205-270) em Eneadas: "Se tais são os entes e se tal é o que está além dos entes [isto é, Deus], então o mal não existe nem naqueles nem neste, já que tanto um quanto o outro são bem. Conclui-se, portanto, que, se existir, existe no que não é, e que é uma espécie de não-ser, encontrando-se, pois, nas coisas mescladas de não-ser ou partícipes do não-ser" (Enn., I, 8, 3)[3] (PLOTINO, 2000). Neste ponto: "o mal existe no que não é, e que é uma espécie de não-ser", está a ontologia do mal, ou mesmo a sua desontologização, a qual é seguida por Santo Agostinho (354-430), neoplatônico, em seu livro sobre o Livro-Arbítrio. Santo Agostinho reflete sobre a liberdade humana e a origem do mal moral, problema que pensa resolver com a tese de que o pecado está no mau uso da liberdade. Por outras palavras, o mal moral procede do livre-arbítrio (AGOSTINHO, 1995. Págs. 30-35, 147-151). Esta postura agostiniana de desontologização do mal cria, por sua vez, uma antropologização do mesmo, responsabilizando o homem pela prática do mal (ESTRADA, 2004. Pág. 35). Para Ricoeur, a resposta de Agostinho nega substancialidade ao mal, reputando-o como procedente da finitude da criatura. Esta deficiência instala-se face à "distância ôntica entre o criador e a criatura" (RicoeUr, 1988, pág. 32) e delimita o mal como um problema apenas moral. "Criaturas dotadas de livre escolha possam 'declinar-se' longe de Deus e 'inclinar-se' em direção ao que tem menos ser, em direção ao nada" (RicoeUr, 1988, pág. 32). Desse modo, apresenta-se um mal-nada [4] que tem sua origem na má vontade. O bispo de Hipona constrói uma resposta que se vincula muito bem ao mal praticado por decisão voluntária. Visto que o problema do sofrimento injusto não se resolve tão facilmente pelo fato de que o mesmo, em muitos casos, deve-se ao mau uso do livre-arbítrio por parte do sofredor ou de outro agente. Agostinho deixa em aberto a questão deste tipo de sofrimento, para que os pósteros tenham a oportunidade de resolver o problema.
            Fato é que na antiguidade cristãos e pagãos neoplatônicos aderiram à tese do mal como não-ser.
            A reflexão da Idade Média sobre o problema do mal não seria mudada. Escolásticos aristotélicos, platônicos e neoplatônicos, trilharam o mesmo caminho da reflexão antiga. A teologia natural resolvera o problema da existência divina, apresentando-se o problema do mal apenas quando filósofos e teólogos refletiam sobre a bondade e a santidade de Deus (MURRAY, 2005. Pág. 02). É neste caminho de pensar Deus e o mal que a abordagem refletia a mesma luz do período anterior. Tomás de Aquino (1224-1274) diz: "Uma vez que bem é tudo o que é apetecível e uma vez que a cada natureza apetece seu ser e sua perfeição, cumpre dizer que o ser e a perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem.[5] Portanto, não pode acontecer que mal signifi­que algum ser, alguma forma ou natureza;[6] con­clui-se, pois, que significa apenas a ausência do bem" (AQUINO, 1954. Pág. 48). Esta ausência de ser, implica justamente um mal-nada. Percebe-se aqui uma correspondência entre Tomás e Plotino.[7] A forma do raciocínio tomista é silogística. Tomás de Aquino parte de uma afirmação universal, um princípio filosófico previamente estabelecido: "o ser e a perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem" (premissa maior). Em seguida, Tomás de Aquino estabelece uma afirmação de natureza filosófica (menor). Nesse caso, Tomás de Aquino estabeleceu duas premissas menores: a) "bem é tudo o que é apetecível"; e b) "a cada natureza apetece seu ser e sua perfeição", para concluir com "portanto, não pode acontecer que mal signifi­que algum ser, alguma forma ou natureza". O que Tomás de Aquino queria com o argumento já estava estabelecido na premissa maior: a conclusão, "mal [...] significa apenas a ausência do bem", é apenas decorrência. A finalidade não é provar o princípio universal, mas o que dele decorre. Assim procedeu Tomás de Aquino, usualmente, em toda a sua Suma Teológica. Muito engenhoso para fundamentar a não substancialidade do mal.
            Em linhas gerais, essa parece ser uma concepção do mal com a qual Leibniz comunga em sua carreira filosófica. Russel, comentando sobre a Ética de Leibniz, diz:

A doutrina dos juízos analíticos deve ter contribuído para a concepção de que o mal é uma simples negação. Pois é óbvio que bom e mau são predicados incompatíveis, e se ambos são positivos, teremos um juízo sintético. Donde o mal é considerado como mera negação do bem... (RUSSEL, 1968. Pág. 198).[8]

Rutherford diz que a resposta de Leibniz ao problema do mal segue mesmo a resposta agostiniana de que o mal é falta ou privação do ser (RUTHERFORD, 1998. Pág. 07). Este mesmo autor falando sobre a Teodicéia, diz que Leibniz revela um endividamento ao platonismo (RUTHERFORD, 1998. Pág. 08).
            A concepção que considera o Mal como um conflito interno do ser, como uma batalha entre dois princípios antagônicos,[9] não parece transitar na reflexão leibniziana. Talvez, Leibniz, em sua filosofia, esteja também direcionando uma resposta a Spinoza[10], uma vez que este admitia, com Hobbes e Locke, a teoria subjetivista do mal como objeto negativo do desejo. Mas não parece que uma consideração sobre isto receba atenção de Leibniz em sua filosofia (ABBAGNANO, 2000. Pág. 640).

Esta abordagem continua com "O problema do mal na época de Leibniz".
Natal/RN, 09-03-2012
Willians Moreira Damasceno




[1] Esta abordagem terá continuidade em outras postagens.
[2] Art. 94 do Livro VII.
[3] "Eiv dh. tau/ta evsti. ta. o;nta kai. to. evpe,keina tw/n o;ntwn( ouvk avn evn toi/j ou=si to. kako.n evnei,h( ouvd' evn tw|/ evpe,keina tw/n o;ntwn\ avgaqa. ga.r tau.ta) Lei,petai toi,nun( ei;per e;stin( evn toi/j mh. ou=sin ei=nai oi-on ei=doj ti tou/ mh. o;ntoj o'n kai. peri. ti tw/n memigme,nwn tw|/ mh. o;nti h'"' o`pwsou/n koinwnou,ntwn tw|/ mh. o;nti"[3] (PLOTINO, 2000).
[4] Um mal sem substância. Posição neoplatônica.
[5] Esta é a premissa maior; é a base do raciocínio dedutivo.  
[6] Corolário das três premissas ou do argumento silogístico: decorrente do princípio filosófico previamente estabelecido – premissa maior.
[7] Citação das Enéadas feita anteriormente.
[8] Destaque nosso.
[9] A religião persa do profeta Zarathrustra; concepção também da seita dos maniqueus, contra os quais Agostinho combate filosófica e teologicamente.
[10] Russel diz que a ética para a qual Leibniz tendia era muito semelhante à de Spinoza (RUSSEL, 1968. Pág. 199).