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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

GATOS

 

            Houve uma fase em minha vida, na qual desfrutei do convívio com muitos gatos. A experiência foi sem dúvida interessante. Afinal, relacionar-se com gato é uma via de aprendizagem de grandes lições.

            Em certo momento daquela fase, foram cerca de dezessete gatos que consegui contar na minha lembrança. Pude observar que cada gato, além do que é comum à espécie, possuía características peculiares, e naqueles casos, alguns eram bem interessantes. Lembro-me de um casal de gatos que presenciei em minha casa. Ele chegou por ação de um amigo; ela, chegou como presente de uma amiga. Depois de algum tempo, observando o casal de felinos, vieram os seus nomes. A ele dei o nome de "Funlim"; a ela, "Funsu". As pessoas que visitam a casa achavam os nomes interessantes, achando que eram nomes chineses. Eu apenas ria. Quando perguntavam o que significavam os nomes e eu explicava, riam à vontade. A explicação era simples. A minha observação de ambos, e em especial de Funsu, deu-me a ideia dos nomes. Dei o nome de "Funlim" ao gatinho por conta do contraste entre ele e a gatinha. Ele sempre procurava local com terra para fazer suas necessidades e sempre se limpava bem. A gatinha tinha um procedimento estranho: Quando eu a via "puxando" terra no mosaico, corria logo para colocá-la para fora de casa. Pois se não fizesse assim, ela faria suas necessidades ali mesmo, dentro de casa. E para piorar, nunca se limpava. Daí os nomes de ambos: o gato, que se limpava, tinha o fundo limpo; a gatinha tinha o fundo sujo. Entendeu? As pessoas riam a bessa por conta disso. Eu nunca vi entre os gatos um procedimento tão estranho como o daquela gatinha. Se alguém já viu, conte-me!

            Lembro-me de um gato de cor branca; e seu nome ficou "Branquinho". Ele chegou de forma inusitada: Escutei um miado de angústia numa parte da casa, nos fundos. Corri para lá. Observei o bichinho preso entre os caibros. Subi por uma escada e o tirei de lá. Ele era mansinho. E se fossemos compará-lo com humanos, seria de uma estatura alta. Ele era esguio e bem aprumado. Passou bons dias lá em casa. Não me lembro do fim que ele levou.

            A gata que demorou mais tempo lá em casa foi uma que recebeu o nome de Shana. Eu a encontrei novinha, novinha, no meio da rua. Os carros passando, mão e contramão, e ela no meio da via, parada, entre os carros que transitavam. Deixei o trânsito facilitar, corri e a apanhei, levando-a para casa. Ela estava fraquinha, fraquinha. Dei leite. Assim que o mundo clareou para ela, virou uma fera, apesar de muito pequena. Por algum tempo, ela "puxava" leite nos peitinhos de Bolinha, a cadela da casa. Com paciência, Shana se tornou mansinha.

            Mas houve um dia em que ela abusou das regalias da casa. Passou algumas madrugadas correndo, em cio, no forro da casa. Escutavam-se uns sons de "rauuuuuu" que ecoavam por toda a casa. Era um tormento terrível. Era "raul" para lá; "raul" para cá, que não tinha quem dormisse. Tomei a resolução de "entregá-la à natureza" no dia seguinte. Foi o que fiz. Na manhã seguinte, ela não queria descer do telhado. Movimentei um pedaço de carne no ar. Com pouco tempo ela desceu. Coloquei-a num saco; depois no carro e fui a um lugar que entendi adequado para deixá-la. Ela não conseguiu voltar.

            Houve outro gato que era terrível. Recebeu o nome de "Zé miento". Entendeu porquê, sim? Pois é! Miava o tempo todo. Não tinha quem aguentasse.

O doloroso naquela experiência era ver gatos sendo maltratados por humanos, e ainda hoje tenho a mesma sensação. Aliás, não só em relação aos gatos, mas em relação a todos os animais. Como um ser pode ser tão mau, ao ponto de maltratar os indefesos, tanto de sua mesma espécie como de espécies outras?
Willians Moreira Damasceno

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

PROBLEMAS EM CONCÍLIOS PARA CANDIDATOS AO PASTORADO

 

Desde os tempos em que fui seminarista, lá pelos idos 1979 a 1983, frequentei, e ainda frequento, os eventos conciliares para ordenação de seminaristas ao pastorado. Sempre me detenho em observar os tipos de perguntas e como as mesmas eram, e são, apresentadas aos candidatos. Nesses eventos, sempre me intrigaram as perguntas retóricas, as "cascas de banana" e as perguntas para as quais as respostas fogem ao consenso doutrinário dos Batistas. Por este prisma, parece que o problema dos concílios não são os candidatos, mas os examinadores (quase escrevo: exterminadores, pois que, no mais das vezes, aniquilam um bom senso razoável).

A referência a perguntas retóricas leva em consideração o fato de que há certas questões cujas respostas são conhecidas mesmo antes de sua emissão. Perguntas como: Você pretende ter um bom relacionamento com a Ordem dos Pastores?; Se você encontrar um dinheiro, esquecido pelo tesoureiro da igreja após o culto, você entrega a quantia ao responsável ou fica com ela?; Se uma irmã da igreja insinuar-se para você, qual será sua reação? Você seguirá as decisões da assembléia administrativa de sua igreja? Para estas perguntas e outras do tipo, que resposta espera-se do candidato? Por acaso, a resposta fugirá ao esperado? No entanto, esse tipo de pergunta é apresentado ao candidato, por parte do examinador, com a maior aparência de sabedoria.

Quanto às cascas de banana, são feitas abordagens com a intenção, aparente ou não, de encurralar o candidato e vê-lo ficar nervoso ou na condição de ignorante; perguntas que não são prerrequisitos para habilitação ao pastorado, até porque ninguém é obrigado a saber de tudo, mas apenas o necessário à sua aprovação. Perguntas do tipo: qual o assunto da carta aos colossenses? Perguntas sobre calvinismo e arminianismo, como se essas posições teológicas esgotassem as possibilidades de enxergar a soteriologia e os batistas fossem unânimes sobre esse ponto. Neste particular, lembro-me da pergunta que me foi feita, no meu concílio: Qual o termo do pastor? Eu fiquei a pensar, mas não conseguia responder. Um dos presentes insurgiu-se e bravejou: "Diz a ele para ser objetivo!". Infelizmente o tal examinador não foi objetivo.

Por fim, as respostas que fogem ao consenso doutrinário dos Batistas. Nesse particular, entendam-se as questões que não encontram acordo nas respostas entre as cabeças pensantes da denominação e muito menos entre os leigos, por mais que se esmerem na busca de acordos ideológicos. Há questões que jamais serão definidas de forma a um entendimento unânime na compreensão sobre as mesmas. São aquelas perguntas sobre a posição escatológica assumida pelo candidato; perguntas sobre a posição teológica do candidato sobre o tipo de ceia correto; perguntas sobre o tempo da grande tribulação; e outras nessa esteira. São questões que não encontram unanimidade nas respostas por parte dos teólogos batistas.

Em função destes pontos apresentados, parece haver a necessidade de que os examinadores também sejam orientados sobre como serem mais objetivos e racionais em suas inquirições. Parece ser também necessário uma orientação sobre uma objetividade nas questões pertinentes. Estas questões são aquelas que não devem faltar num concílio, mas que devido à falta de preparação do examinador, são esquecidas ou mal elaboradas, muitas vezes prejudicando o examinando.

A esperança é que, quem sabe, um dia haja um melhor direcionamento nos concílios e uma satisfação mais recomendável aos futuros participantes.

Antes que eu esqueça: A resposta quanto a qual seja "o termo do pastor", acreditem, é o termo "ternura". E o texto bíblico: Salmo 23. Pasmem!

Finalizo, parabenizando aos que conseguem se safar de examinadores medíocres, os quais se portam como se fossem sumidades nos assuntos conciliares.

Willians Moreira Damasceno

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO AFRICANA NO BRASIL

O texto a seguir foi escrito no ano 2000. Algumas arestas são identificáveis. Considere-se, no entanto, a pertinência do assunto; e que sejam apresentadas observações.

            O fenômeno religioso sempre esteve presente na história do Brasil. Aqui, são encontradas quatro manifestações básicas deste fenômeno: O catolicismo, trazido pelos portugueses; o culto africano, trazido pelos negros escravos; o protestantismo, transculturado por missionários da América do Norte e da Europa, e a religião dos nativos. Destas quatro manifestações, interessa a este ensaio tratar sobre o culto africano. Nesta “trilha” procura-se mostrar que a influência da religião africana é uma realidade patente, abrangente e desenvolvente no Brasil; tanto pela miscigenação genética, como pelo intercâmbio e pela miscigenação culturais. O prisma desta abordagem transcorre basicamente pelas dimensões sócio-cultural e antropológica. Intenciona-se identificar quatro fatores, considerados os mais importantes, responsáveis por explicar o porquê desta religião ter resistido a percalços mil e ter influenciado consideravelmente a cultura brasileira. Serão considerados os seguintes fatores: A função catártica; a abertura para o sincretismo; o crescimento demográfico; e respostas fáceis para perguntas complexas.
Não se trata de um texto exaustivo, de vez que seria necessário muito mais tempo e material para uma fundamentação mais consistente. De sorte que esta abordagem deteve-se apenas na pesquisa bibliográfica, relativamente restrita.

A VINDA DOS NEGROS PARA O BRASIL

            Negros já existiam em Portugal muito antes do descobrimento do Brasil. Para lá, foram como escravos adquiridos em transações comerciais. Vindo Portugal a invadir as terras brasileiras, entenderam os portugueses que precisariam de mão de obra escrava, em virtude de os nativos brasileiros não se prestarem para tal. Conhecedores que eram da eficiência negra no trabalho escravo, os portugueses não tardaram em lançar mão deste expediente.
            Os navios negreiros chegaram ao Brasil entre os séculos XVI e XIX, trazendo africanos para trabalhar como escravos no Brasil Colônia. Os africanos trazidos pertenciam a civilizações diferentes e provinham das mais variadas regiões da África. Africanos do Congo, de Guiné, do Cabo, de Serra Leoa e de Angola, foram trazidos para o Brasil durante o período da conquista e do desbravamento do Brasil Colônia. Segundo Juana Elbein dos Santos, estes africanos (os Nagô, os Bantu, os Minas, os Daomeanos, os Haúça, os Niam Niam, os Mangbatu, os Kanembu, os Bagirmi, os Bornu, os Kanuri, Os Mandingo, os Ioruba, e outros) “foram distribuídos pelas plantações, espalhados em pequenos grupos por um imenso território, principalmente no centro litorâneo, nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais”[1].
            Com os africanos viajava também uma religião relativamente estranha aos colonizadores. Cerca de um século depois da abolição da escravatura, a religião considerada feitiçaria, transformou-se em uma das religiões mais conhecidas do Brasil. Se perguntarmos a um brasileiro, em geral, sobre a religião dos negros, sempre haverá uma resposta que não será de todo insatisfatória. Quem gosta de cachaça? Exu. Quem veste branco? Oxalá. Quem recebe oferendas em alguidares (vasos de cerâmica)? O Orixá. E quem adora os orixás? Milhares de brasileiros. O culto africano, com seus batuques e danças, uma festa. Com suas divindades geniosas, uma religião por demais influente no Brasil.
            Para chegar ao grau de influência ao qual chegou, o culto afro passou por muitas intempéries. Enfrentou barreiras, as mais diversas, desde as circunstâncias inóspitas de sobrevivência nas Senzalas até a resistência da religião dominante do país. A despeito de tais realidades não podemos contestar a influência do culto africano, em especial do Candomblé.
            Em vista destes fatos, surge um questionamento por demais pertinente: Que fatores explicam a resistência e a influência que a religião africana conseguiu no Brasil?

FATORES QUE EXPLICAM A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO AFRICANA NO BRASIL

            Toda e qualquer religião, para se manter em ação, precisa apresentar certas características fundamentais. Desde os aspectos festivos até o aspecto de caráter moral radical, contribuem para atrair os interessados por soluções religiosas. As religiões são diversas para poderem atender aos mais diversos interessados. Quando não se recebe satisfação em uma, outra haverá de aparecer (geralmente aparece) não sendo extremamente exigente o interessado. Afinal, religião pode ser comparada a restaurante: A adesão é questão de paladar e de apetite.
            Valendo a analogia, no cardápio religioso do culto africano fatores há que ajudam para que, desde o princípio, este culto alcance projeção admirável. Podem ser citados pelo menos quatro fatores: a) a função catártica; b) a abertura para o sincretismo; c) o crescimento demográfico dos negros; d) respostas fáceis para questões complexas.

A Função Catártica
            Esta abordagem não desconhece o caráter patológico que, muitas vezes, é detectado nas manifestações religiosas. Atém-se, no entanto, ao “caráter terapêutico” que é veiculado pela religião; fator este que atuou com um instrumento que facilitou a vida do negro que veio para o Brasil como escravo. Isto é verdade, principalmente considerando as condições em que o africano foi trazido para cá. Segundo Roger Bastide, as religiões do negro

estavam ligadas a certas formas de família ou de organização clânica, a meios biogeográficos especiais, floresta tropical ou savana, a estruturas aldeãs e comunitárias. O tráfico negreiro violou tudo isso. E o escravo foi obrigado a se incorporar, quisesse ou não, a um novo tipo de sociedade baseada na família patriarcal, no latifúndio, no regime de castas étnicas[2].

Por estes dados, fica fácil imaginar o sofrimento que caiu sobre o africano, vendo todos os seus valores culturais atacados e destruídos. Restaram-lhe os seus rituais nos quais encontravam meios de extravasarem suas dores e angústias.
            Um fator característico das religiões em geral, é a sua função catártica; sua função de permitir ao cultuante o expressar de suas emoções através de cânticos, orações, rituais e de outros expedientes, possibilitando a liberação de muitas das mazelas, conscientes ou inconscientes, vividas pelo ser humano. A função catártica da religião tem motivações as mais diversas, desde aquelas que passam pela imaturidade até àquelas que operam a depuração emocional, permitindo ao cultuante um alívio de suas tensões. No que se refere a esta função, a religião afro possui um instrumento que não se deve descartar quando se trata da busca de fatores que explicam a sua influência: As festas.
Religião que se preza realiza festa. Os encontros religiosos devem ser caracterizados pela alegria. Que ambiente seria mais festivo do que aquele em que atabaques, cânticos, muito ritmo envolvente, atuam sobre o emocional dos presentes? O cultuante precisa ser muito indiferente para impedir que seu corpo e sua mente sigam as batidas rítmicas de um terreiro. O fator festas carrega consigo o significado do prazer. E quem não deseja prazer? Nas festas dos terreiros sempre há algo novo manifestando-se aos sentidos dos participantes. Algo que, via de regra, não se encontra em religiões tradicionais, elitizadas e dominantes, no sentido político dos termos.
Festa sem música é praticamente impensável! Atabaques, agogô e o xequerê são instrumentos responsáveis pelos ritmos que, reproduzindo as modulações da língua africana iorubá (língua cantada), chegam a mais de quinze ritmos diferentes. Cada casa-de-santo tem até 500 cânticos. Segundo a fé dos praticantes, os versos e as frases rítmicas, repetidos incansavelmente, têm o poder de captar o mundo sobrenatural. Essa música sai dos terreiros no Carnaval (na Bahia, por exemplo) e alcança milhões, revelando a amplitude de sua influência.
Muitas festas estão vinculadas a um calendário litúrgico; outras não têm dia marcado. O fato é que todo dia é dia de festa.
Fato por demais interessante é que estas festas estão associadas aos dias dos santos católicos. As datas podem variar de terreiro para terreiro, mas a festa não deixa de acontecer. De maneira geral o que importa é comemorar o orixá na sua época.
Estas festas acompanharam os negros por onde andaram, sempre dando alento àqueles corações sofridos. Verdade é que existe uma doutrina, uma filosofia, mas não se pode deixar de admitir que se não fora o clima festivo, seria difícil enfrentar o que por eles foi enfrentado.
Considere-se, pois, que estas festas eram assistidas por muitos que se encontravam nas mesmas condições dos negros. Vulneráveis como eram pelas dificuldades da vida, o caminho estava aberto para a religião africana. Não faltava quem não escapulisse e frequentasse um terreiro. E este fato aponta para o fator que ajuda a abrir as portas para “os de fora”.

Abertura para o Sincretismo
            Se o português se revelava plástico no contato com outras civilizações, o negro se revelou superlativamente plástico, para quem veio para o Brasil nas suas condições, conseguindo sobreviver às atrocidades e chegando, hoje, a ter influência cultural deveras considerável. A abertura para o sincretismo é espantosa e faz lembrar aqui do texto de Gilberto Freyre, no seu livro Casa Grande & Senzala, que diz: “em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra” (Grifo nosso).
Quanto à abertura para o sincretismo, note-se aqui os seguintes aspectos:
a) Sincretismo, “uma forma moderna de aculturação”.
Roger Bastide apresenta Nina Rodrigues (médico-legista) como o descobridor do sincretismo religioso entre os deuses africanos e os santos católicos - uma forma moderna de aculturação.
Nina Rodrigues, citado por Roger Bastide, distinguia dois tipos de candomblés: O dos africanos (africanos puros) e o dos nacionais (negros crioulos). O dos africanos puros “justapõem-se” o culto católico a suas crenças e práticas “fetichistas” e concebem os orixás e os santos “como de categoria igual ainda que perfeitamente distintos”. O candomblé dos crioulos... “uma tendência monista e incoercível para identificar os dois ensinamentos.” Fica claro que

a África ocultou-se sob roupas ocidentais, mas sua forma de família habitual sobrevive no concubinato, suas formas de trabalho coletivo no mutirão, a independência econômica da mulher na divisão sexual do trabalho e pelo comércio do grupo feminino (Roger Bastide).

b) O sincretismo como meio de relação com o simpatizante do culto afro.
            Este ponto refere-se ao sincretismo como meio de contato com “o outro” interessado na religião negra. O outro que, estando em condições sociais semelhantes às do negro e sendo de outra religião, procurava respostas e alento. Considerando-se o fato de que a religião dominante não tolerava a migração religiosa, ficava difícil para a maioria assumir a adesão a outra disposição de fé. O sincretismo possibilitava o desfrutar das bênçãos da outra religião, sem, ao mesmo tempo, despedir-se dos arraiais religiosos dominantes. Esta prática, extremamente sutil, ainda hoje é assumida pela população brasileira, embora não mais pelas mesmas motivações do passado.
c) O sincretismo como máscara para permitir a sobrevivência.
            A religião dominante considerava a religião africana como feitiçaria, portanto, obra demoníaca. O demoníaco precisava ser exorcizado, erradicado. O negro precisa ser convertido ao catolicismo. Não bastava a escravidão física; a escravidão só estaria completa com o subjugo espiritual, ideológico, com amarras também na vida interior. Diante disto, o negro se encontrou com a necessidade de sincretizar a sua prática religiosa com o imaginário cristão-católico. Nada mais prático! Esta máscara daria livre trânsito aos valores africanos. Evidentemente que este sincretismo não deixa de ter efeitos desgastantes para a própria essência da religião afro, principalmente naqueles que iam nascendo já envolvidos por esta nova conjuntura.
            O fato é que o sincretismo aconteceu e, em termos de guardar a integridade do negro, foi um fenômeno positivo.
            O sincretismo tanto atuou como máscara, ou seja, permitiu ao negro sobreviver ante a religião oficial e dominante, como foi também um meio de facilitar a aproximação com os simpatizantes de outras religiões. A influência deu-se, mais fortemente, quanto ao primeiro aspecto. A religião negra penetrou no catolicismo, deixando-se também penetrar pelo mesmo. Cite-se aqui, que quando se perguntou a Mãe Menininha do Gantois, não se sabe em que recenseamento, qual era a sua religião, ela disse: “Católica, é claro!”. Nada mais prático do que o sincretismo, tanto para se esconder, como também para se propagar.
            Como se não bastasse, líderes católicos manifestam o sincretismo abertamente. A revista Veja, de 03 de março de 1999, traz uma reportagem que merece consideração. A reportagem apresenta vários padres que, em seus paramentos clericais, trazem as marcas da cultura afro. Alega um dos clérigos que “o traje facilita a comunicação”. Este uso estratégico reflete a forte influência dos valores africanos na igreja católica. Diga-se, de passagem, que reflete também o quanto a própria igreja católica, tão fechada no passado, conseguiu superar a sua intransigência religiosa.
            Roger Bastide conclui: “O que os antropólogos ressaltam sob a ilusão do sincretismo é o perpetuamento da civilização africana”.
            Fica aqui uma pergunta: Poderia se falar, hoje, de uma civilização africana pura no Brasil, ou esta afirmação seria apenas a confirmação de que valores africanos compõem a cultura brasileira?

O crescimento demográfico.
            É deveras interessante analisar este aspecto da vida dos negros no Brasil.
            Em 1550, perto de 10% da população de Lisboa era composta de escravos negros. Os portugueses que vieram para o Brasil entenderam que poderiam usar do mesmo expediente de mão de obra, já que em Portugal o mesmo estava a dar certo.
            Roger Bastide apresenta algumas estatísticas que são interessantes. Diz ele que “há um acordo em relação a uma quantia aproximada de três milhões e meio de negros chegados ao Brasil desde os primórdios da colonização até o fim do tráfico legal ou clandestino”.
            O CD-Rom “A História do Brasil” da ATR Multimédia - 1995, diz:

Apesar de enormes divergências entre os estudiosos, calcula-se que ingressaram cinco milhões de escravos, no Brasil desde o século XVI. Somente na primeira metade do século XIX, as estimativas indicam um milhão e quinhentos mil cativos traficados para o Brasil.

            É curioso observar os dados estatísticos quanto ao crescimento demográfico no Brasil. A estatística oficial, 1817 - 1818, apresenta o Brasil com uma população total de 3.817.000 de habitantes, dos quais 585.000 mulatos e negros livres e 1.930.000 escravos. Desta maneira, no início do século XIX os negros dominam demograficamente os brancos, o que permite compreender por que eles puderam manter parte de sua herança cultural e mesmo influenciar a civilização dos portugueses. Entretanto, é preciso não esquecer que os brancos comandam e dirigem o país; o escravo é rejeitado pelos brancos e esta estratificação das cores prejudicou em maior ou menor grau a ação do fator demográfico.
            O crescimento demográfico contribuiu para a disseminação da religião. A influência dos valores culturais religiosos expandiu-se na proporção de sua propagação através do crescimento demográfico. E mesmo no silêncio, os valores religiosos negros foram influentes.
            Hoje, a demografia religiosa apresentada pelas estatísticas aponta o número de fiéis que compõem as religiões no Brasil (aqui já são englobados os influídos: negros, brancos e mestiços). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1988, informou que 6 % dos chefes de família (ou cônjuges) seguiam cultos afro-brasileiros.
            Registre-se o contingente humano que lota as praias do Brasil, na passagem de ano, homenageando Iemanjá, a orixá (deusa) dos mares e oceanos, podemos ver que os números são mais expressivos ainda. Isto fica ainda mais evidente, se for admitida a informação da Federação Nacional de Tradições e Cultura Afro-Brasileira (FENATRAB) de que há 70 milhões de brasileiros, direta ou indiretamente, ligados aos terreiros - seja como praticantes assíduos, seja como clientes, que ocasionalmente pedem uma bênção ou um “serviço” ao mundo sobrenatural veiculado pelo culto afro. Terreiro é o que não falta. Na região metropolitana de Salvador são mais de 1.200 terreiros. O Instituto de Estudos de Religião (ISER) verificou que 81 novos centros “espiritas” haviam sido abertos no Grande Rio de Janeiro no ano de 1991, e que, em 1992, surgiram outros 83. O sociólogo Reginaldo Prandi, da Universidade de São Paulo, contou, em 1984, 19.500 terreiros registrados nos cartórios da capital paulista.
            Estes dados indiciam o quanto se expandiu a cultura negra no Brasil. Não somente com a presença do negro entre as famílias portuguesas, mas também através da proliferação de unidades de proclamação de sua religião, os terreiros. Os números são importantes nesta conjuntura, de vez que, do ponto de vista quantitativo, o crescimento, a expansão e a influência são patentes.
            O que levaria a pensar que os números teriam baixado? Diante das sugestões que uma religião com as características da religião negra possui e entendendo as circunstâncias político-econômico-sociais em que vive o Brasil, a tendência é continuar a sua expansão.

Respostas fáceis para perguntas complexas
            A influência de uma religião atua na mesma proporção das necessidades de seus adeptos. Quanto mais significativas forem as necessidades, mais aberto o interessado se torna às investidas religiosas. Viu-se acima que o fator festa da religião africana é por demais influente. Há, no entanto, outro fator que exerce ação bastante significativa quando se trata de influir sobre o ser humano em geral. As religiões trabalham também com a proposta de atender aos questionamentos humanos. A religião africana não se furtaria a este dispositivo tão importante. Na verdade, o que mais os humanos gostam de dar e de receber são respostas. Partindo deste raciocínio, é preciso lembrar que o Brasil, de certo modo, em especial, é um terreno fértil aos investimentos religiosos de quaisquer ordens. As multidões buscaram, buscam e buscarão respostas para tantos questionamentos, não só sobre a vida imediata, como também sobre aspectos considerados de mistério sobre o porvir e sobre o além. Assim, uma religião pode, muito bem, explorar caminhos de respostas. A questão se apresenta quanto ao tipo de resposta apresentada. É aqui onde mora a problemática.
            Os satisfeitos e resolvidos, mais das vezes, não são tão influenciáveis pelas religiões. No entanto, os insatisfeitos procuram soluções. É sabido que num país tão viciado em nepotismo e em tantas outras práticas do “jeitinho brasileiro”, só se dá bem, via de regra, quem dispõe de condições cujas forças estão aliadas ao capitalismo, ou quem, sabe-se lá como, aproveita certas oportunidades. Assim, os insatisfeitos são milhões em busca de um milagre. Nesta busca vale tudo. Vale o sincretismo religioso, como também a adesão aberta. Não deixa de valer a busca circunstancial da religião como quem entra em um supermercado, compra o de que precisa e se retira.
            O ser humano é ávido por soluções recebidas de bandeja. Quanto menor o esforço, o trabalho, melhor. Religião que estimula o pensar, a reflexão, a busca da maturidade emocional, que fomenta a independência de soluções infantis, não preenche requisitos da religião ideal que o povo procura. Sem esquecer outras religiões, é aqui que atua outro fator do culto afro na sua influência no Brasil. É mais fácil e cômodo receber respostas de búzios e rituais mediadores do que procurar descobrir o caminho por si. Conta bastante o grau de maturidade do cultuante. Indivíduos infantis tendem a viver esperando respostas feitas e vindas de fora. Rejeitam qualquer esforço na busca de resposta. Tanto por viverem como quando dependiam dos pais, como também por se sentirem inseguros para tomarem decisão, assumindo quaisquer riscos; procuram assim, outros “pais” e “mães”.
            A maior identificação com o culto afro deu-se e dá-se por parte de indivíduos de classe social baixa. Parta-se do pressuposto que, após a abolição da escravatura, os negros ficaram a “ver navios” (que não lhes levavam de volta para a África) no que respeita à situação social. Precisaram deixar as propriedades onde eram escravos e passar a dar conta da própria vida. Quem os trouxe da África, não se apresentou para devolvê-los. E nem deveria, em virtude de os negros de então não serem mais africanos, e, sim, brasileiros. Levá-los de volta, em certo sentido, seria o mesmo erro que brancos cometeram, tirando-os da África. Agora, sua terra era o Brasil. Menos mal terem de encontrar soluções aqui mesmo.
            Com a mudança do regime de produção, com o trabalho forçado sendo substituído pelo trabalho remunerado, a estrutura demográfica transforma-se com a evasão de negros do campo para a cidade. Pobres, doentes, desprezados, marginalizados, vão para as cidades em busca de soluções. Consigo levam o que possuíam (quase nada) e o que eram. A religião estava lá... indo com eles para onde iam.
            Na ida para as cidades, com os negros onde se instalou a religião africana? Entre as elites? Evidente que não! Ela se manteve com os negros. E onde estes se instalaram, senão em favelas e arrebaldes. Lá era o lugar dos marginalizados e desprovidos.
            De sorte que, numa condição como aquela, a religião de festas e com função catártica admirável, fortificou-se consideravelmente, passando a atender aos seus próprios conaturais e a outros interessados, também nas mesmas condições dos negros. Dai a expandir-se era só questão de tempo. Expandiu-se e influenciou.
            Expandiu-se entre aqueles que precisavam de soluções para situações de sobrevivência, como também entre aqueles que nutriam queixas e intrigas contra outros.
            Os procedimentos da religião africana atendem a demandas as mais exóticas. Desde conseguir emprego até interferir na vida íntima de alguém, positiva ou negativamente. Outras religiões se negam a estas práticas. Mas a religião africana entende-se, por parte de seus praticantes, na incumbência de cumprir missões as mais extravagantes. É verdade que, para alguns, a Parapsicologia explica, de modo científico, muitos dos fenômenos da religião africana. Mas para o popular, mais das vezes, desinformado, alienado, ávido ao extremo por se safar de dificuldades, somada a estas vicissitudes, o interesse pelo suposto “místico” e “misterioso”, o caminho chega ao terreiro, onde terá um “pai” ou uma “mãe” que lhe “abrirá” os olhos e lhe dará alento. Instrumentos: rituais, jogo de búzios, cumprimento de obrigações, etc. Para quem se encontra, muitas vezes, nas condições dos negros quando foram libertos no século XIX, nada mais sugestivo do que se deixar levar. Juntamente com todas as práticas concretas, vem a sugestão psicológica exercida pelo “pai” ou pela “mãe”. Resultado: a “criança” está “educada”.
            Claro está que o fator acima colocado entra em consonância com outro fator que, em contrapartida, é natural da contingência humana. As religiões, mais das vezes, aproveitam-se do medo humano para, nesta estrada, transitarem à vontade.

           Pode-se concluir dizendo que a influência da religião africana no Brasil é fato incontestável. Os fatores apresentados não são absolutos, claro, mas sugerem a continuação da reflexão sobre o assunto. Uma reflexão com contribuições até mesmo de outras manifestações religiosas.
            Os fatores festa, sincretismo e respostas fáceis para questões complexas são patentes e vigentes em, praticamente, todas as religiões. O fator crescimento demográfico, sem dúvida de que é considerado forte, especialmente falando de religião identificada com uma raça, possui uma influência superlativamente expressiva. Crescendo o número de representantes de uma raça, inclusive com a miscigenação genética, acompanha-o, naturalmente, a disseminação de seus valores religiosos, seja por pregação ou simplesmente por prática aberta. Dai compreender-se que, em relação aos africanos, os judeus, por não permitirem miscigenação racial, a não ser entre suas próprias tribos, identificada a genealogia, são inexpressivos na divulgação de sua religião. Junte-se a isso o fato de haverem sido bastante perseguidos, incontáveis vezes, pelos séculos a fora, tendo milhões de vidas sacrificadas e ainda mais o não serem evangelizadores.
            Assim, a influência da religião africana se faz sentir de modo nítido no Brasil, de vez que se encontra não só um povo relativamente inteirado do culto afro, como também uma liderança política (o que não se admitiria no passado, em qualquer hipótese) que busca os conselhos espirituais dos orixás e os próprios clérigos católicos a usarem indumentária africana para facilitar o diálogo entre as culturas. Admira sobremaneira que a religião dominante, hoje não tanto, tenha consentido a invasão do seu espaço pelos valores africanos, mesmo que estrategicamente, visando uma aproximação entre si e os considerados inferiores no passado.
            Sendo assim, esperem-se os resultados futuros, almejando que tudo venha a resultar em considerável encontro, não só entre os valores religiosos africanos e o culto católico, como também entre estes e outros cultos existentes no Brasil. Uma unidade teológico-doutrinária pode ser impossível, mas é possível uma união que possibilite a realização de uma fraternidade que se coadune com a mensagem global pregada pelas religiões.
            Com base nos argumentos anteriormente expostos, tem-se aqui uma compreensão que, espera-se, continue sendo desenvolvida, aprimorada, reciclada, revista, com o propósito de que, nesta caminhada, abram-se novos horizontes de reflexão cultural.
Willians Moreira Damasceno

BIBLIOGRAFIA
BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora - Editora da Universidade de São Paulo, 1971. Vol. I
BINGENNER, Maria Clara L. (Org.). O Impacto da Modernidade sobre a Religião. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente. 3ª Reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras. 1996.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 4ª Edição. São Paulo: Círculo do Livro S.A.. 1988.
JUNG, Carl Gustav. Psicologia da Religião Ocidental e Oriental. 3ª Edição. Petrópolis, RJ. Editora Vozes. 1988.
SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagô e a Morte. 8ª Edição. Petrópolis, RJ. Editora Vozes. 1997.
HISTÓRIA DO BRASIL. CD-Rom ATR Multimédia - 1995, Rio de Janeiro.
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Zaar Editores. 1983.


[1] SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagô e a Morte. 8ª Edição. Petrópolis, RJ. Editora Vozes. 1997.
[2] BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora - Editora da Universidade de São Paulo, 1971. Vol. I

quinta-feira, 28 de julho de 2011

DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO


Então chegaram ao pé dele os fariseus, tentando-o, e dizendo-lhe: É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo?
Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele que os fez no princípio, macho e fêmea os fez? E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.
Disseram-lhe eles: Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la?
Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim. Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de fornicação[1], e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério (Mateus 19: 3-9).

A pergunta crucial fomentada pela epígrafe é: Este texto estabelece que homem e mulher fiquem sem casar novamente pelo resto da vida, caso venham a se divorciar?
Há observações que podem dar um direcionamento diversificado à interpretação do mesmo; questões como: O que sugere a pergunta dos fariseus pelo fato de, aparentemente, referir-se apenas ao homem quanto a dar carta de divórcio? Por acaso não seria lícito à mulher repudiar também o seu marido? O texto parece sugerir que às mulheres não lhes era permitido tomar a iniciativa do divórcio? A resposta de Jesus apontaria para a possibilidade de que Deus pode não unir duas pessoas? E se Deus quiser desunir ou concordar com isso, seria por qual causa? Não se deve deixar de observar que essas questões apontadas são decorrentes das entrelinhas do texto. O texto parece estar no contexto de uma reprimenda a indivíduos que não reconheciam devidamente o lugar da mulher na relação conjugal. Tratavam-na com descaso, divorciando-se por motivos banais. Não há indícios de ser uma palavra contra quem tem meramente problemas de convivência na relação conjugal. Mas digamos que este aspecto estivesse incluído.
A pergunta feita pelos fariseus envolve Moisés na questão. Ou seja, Jesus teria que considerar uma ortodoxia antes de responder. A retórica dos fariseus é surpreendente: intimidar a Jesus com a lembrança de quem deu a lei. A resposta de Jesus é bem revelativa da intenção dos fariseus. Referir-se à "dureza do coração", no contexto imediato, pode expressar que Jesus conhecia a intenção malfazeja dos fariseus. Jesus "salvou" Moisés e ainda atingiu a consciência dos seus inquiridores. Percebe-se assim que a questão do divórcio está bem situada em um momento de tentativa de encurralamento argumentativo e doutrinário. Ou seja, o fato de a questão não estar em um contexto de decisão jurídica, que requereria uma situação de reflexão filosófica universal quanto à existência humana no que concerne à convivência conjugal, restringe a palavra de Jesus a um fato isolado, que se refere exclusivamente à dureza do coração humano e, naquele momento, uma resposta bem direta aos fariseus. Na verdade, os casamentos tanto acontecem por diversos motivos, como também se desfazem por motivos os mais diversos, e apenas a imoralidade sexual não seria suficiente para esgotar a causa do divórcio, havendo sem dúvida outras situações em que a problemática da relação humana poderia abrir a porta para considerações tais sobre o casamento, levando o homem a entender que Deus não é um fundamentalista retrógado, capaz de aprisionar pessoas a uma relação que qualquer mente madura entenderia como destituída de propósito. Afinal, nem sempre é a dureza de coração que pede o divórcio.
Mateus 19: 3-19 diz que, se houver divórcio e novo casamento, acontece adultério. Se você entender que não há outra explicação para este texto senão aquela que o interpreta isoladamente ou, se levar em consideração o contexto, o texto mesmo não iria além de uma situação imediatamente vincula ao contexto puramente literário, supondo que este seria suficiente para explicar a situação, então você não deverá, se divorciado, casar com alguém divorciado, como também não se dará em casamento a alguém, pois que o faria cometer adultério, se isto, claro, for pecado para você.
Nesta mesma esteira parece estar o texto de Paulo aos Coríntios, no qual diz: "Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se separe do marido, porém se vier a separar-se, que não se case ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não se aparte de sua mulher" (I Cor. 7: 10-11). E qualquer pessoa só poderá casar novamente se o cônjuge vier a falecer (I Cor. 7:39). Observe-se aqui que à mulher já lhe é dada possibilidade de iniciativa para o divórcio.
            Considere-se primeiro que princípio estaria envolvido numa palavra tão taxativa como esta? Estaria aqui implicado o divórcio sem motivo e o divórcio com motivo? Ou seja: não haveria absolutamente situação alguma que justificasse o divórcio, salvo o adultério? Seria uma mulher, casada com um homem que se revelou maníaco logo após o matrimônio ou tempos depois do mesmo, obrigada a viver com aquele homem pelo resto da vida, se o tal não viesse a falecer? E se a mesma fosse casada com alguém que a espancasse, não seria isso tal e qual o adultério, uma forma de trair a mulher? O princípio básico subjacente ao adultério parece ser aquele que rechaça a traição. Isto posto, qualquer outro ato de traição contra o cônjuge, não seria motivo para o divórcio? Raciocine-se assim pressupondo-se que o problema colocado concretamente pelo texto é o caso de adultério. Mas é sempre bom lembrar que um princípio sempre existe e é este que precisa ser levado em consideração na interpretação. Um princípio é o pressuposto que pode ter aplicação universal; nunca um mero exemplo situacional ou isolado. Portanto, se for o texto pensado pelo princípio de traição, parece que o mero fato do adultério é apenas um exemplo de traição que desencadearia o divórcio. Outros tantos exemplos possíveis existem que, uma vez acontecidos, seriam motivos para a petição do divórcio por ambas as partes.
            Outro princípio subjacente a tudo quanto Jesus ensinou é a sua palavra quanto ao sábado, em Marcos 2:27: "O sábado foi criado por causa do homem e não o homem por causa do sábado". O homem não só não foi feito por causa do sábado; mas não foi feito também por causa de qualquer realidade que exista após a sua criação. Pode-se asseverar que o homem foi criado por causa de Deus. Está escrito que Deus criou o homem para o louvor da sua glória, segundo a carta aos Efésios, capítulo primeiro. Portanto, uma paráfrase possível do texto de Marcos 2:27 é: "O homem não foi criado por causa do casamento, mas o casamento foi criado por causa do homem". Está literal em Gênesis 2:18: "O Senhor Deus disse ainda: 'Não é bom que o homem fique sozinho. Vou-lhe arranjar uma companhia apropriada para ele'". Depois de dar nomes aos animais do jardim, a divindade viu que o homem continuava só. Em seguida deu-lhe a mulher para lhe ser auxiliadora. Isto é o que reza o livro de Gênesis (mesmo percebendo-se o tom machista do texto, pode-se argumentar no sentido acima).
            Em Mateus 12: 7, que é o mesmo contexto da palavra sobre o sábado, Jesus diz: "Se percebessem o que significa na Escritura: prefiro misericórdia e não sacrifícios, não teriam condenado inocentes". Ora, se não é bom que o homem esteja sozinho, por que condená-lo à solidão em face de um casamento que não deu certo? O princípio da misericórdia parece falar mais alto neste caso, como prerrogativa divina. Verdade é que a dureza do coração humano é responsável por muitos percalços de sua vida, mas casos e casos existem nos quais não só a dureza de coração, mas fatores outros são extremamente agravantes e motivadores do divórcio. Fatores como imaturidade, ingenuidade, ignorância, circunstâncias que extrapolam a própria condição pessoal de decisão, e tantas outras considerações possíveis podem justificar a cisão de um casamento. Casos em que seria irracional pensar que a divindade não abonaria o divórcio. Casos em que a opressão de um dos cônjuges ou de ambos está devidamente caracterizada não receberiam a rejeição do divórcio de uma mente madura que viesse a analisar o caso; por que, pois, a divindade seria contrária a um divórcio em condições tais que não meramente atingido pelo adultério? Não é possível justificar que Jesus teria falado à revelia de um contexto, de forma universal, sem levar em consideração as condições que envolvem cada relação humana, principalmente uma relação tão complexa quanto a do casamento? Assim é possível argumentar, desde que se aceite que o texto do evangelho é também reflexo de um momento do escritor e não necessariamente extração imediata de um acontecimento na vida de Jesus, visto o evangelho ter sido escrito anos após a sua glorificação. É incongruente ler o texto dos evangelhos com a mesma perspectiva de quem lê um jornal do dia. Nestes casos, já existe uma carga elevada de pressupostos teórico-doutrinários por parte do jornalista que escreve; agora imagine o texto dos evangelhos, escrito anos depois de Jesus. Muita carga doutrinária estava envolvida, sem falar na aversão que os discípulos nutriam contra os chefes religiosos de Israel.
            Vale questionar se Deus colocaria os humanos debaixo de um jugo tão opressor como o de viver com alguém com quem não é mais possível a convivência. Deus obrigaria uma pessoa que foi deixada por alguém ou que se divorciou, por conta de uma necessidade verdadeira, a viver só, pelo resto de sua vida? Mesmo que se questione o que vem a ser uma necessidade verdadeira, mesmo assim a questão pertine.
            Certo que existem questionamentos outros sobre este assunto, mas, por hora, esses são suficientes para um ensaio de reflexão sobre divórcio e novo casamento.
            Cabem aqui as retrucações. Que venham para melhor compreensão do assunto.
Willians Moreira Damasceno



[1] Porne,ia – imoralidade sexual.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Oito degraus no dever da caridade:

A reflexão abaixo foi colhida no endereço http://colecao.judaismo.tryte.com.br/livro1.htm um sítio que veicula informações valiosíssimas sobre o judaísmo. Vale a pena visitar o endereço.
Willians Moreira Damasceno
 
 
Existem oito degraus no dever da caridade:

O primeiro e mais baixo degrau é dar, mas com relutância ou contra a vontade. Esta é a esmola da mão, não do coração.
O segundo é dar alegremente, mas não proporcionalmente à necessidade do sofredor.
O terceiro é dar com alegria e em proporção, mas só depois de solicitado.
O quarto é dar alegremente, em proporção e sem ser solicitado; pondo, entretanto, a esmola na mão do pobre e nele provocando, assim, a dolorosa emoção da vergonha.
O quinto é dar de maneira tal que o necessitado receba a esmola e saiba quem é o seu benfeitor, sem ser-lhe conhecido. Assim agiam alguns dos nossos antepassados, que costumavam amarrar o dinheiro nas abas trazeiras das roupas, para que os pobres o pudessem tirar sem serem vistos.
O sexto degrau, ainda mais elevado, é conhecer os beneficiários da nossa caridade, sem que eles saibam quem somos. Assim procediam aqueles dos nossos antepassados que levavam suas dádivas caridosas para as moradias dos pobres, precavendo-se para que os seus próprios nomes permanecessem ocultos.
O sétimo é ainda mais louvável, a saber: distribuir as esmolas de modo tal que nem o benfeitor saiba quem são os auxiliados, nem estes o nome do seu benfeitor. Isto faziam os nossos avós caridosos no Templo. Pois naquele santo edifício existia um lugar chamado Câmara do Silêncio ou da Inostentação, onde os bons depositavam secretamente o que seu generoso coração lhes sugeria e do qual as mais respeitáveis famílias pobres eram sustentadas, com igual discrição.
Finalmente, o oitavo e mais meritório degrau, é antecipar a caridade, evitando a pobreza, a saber: ajudar o irmão empobrecido, seja com um presente considerável, seja ensinando-lhe uma profissão ou estabelecendo-o no comércio, para que ele possa ganhar honestamente a sua vida e não seja forçado a estender a mão para a caridade. É a isso que a Escritura se refere, quando diz: "E, quando teu irmão(*) empobrecer, e as forças decaírem, então sustentá-lo-ás, e assim o estrangeiro e o peregrino para que viva contigo".
Este é o mais alto degrau, - É o cume da Escada de Ouro da Caridade.
 
(*) "Não está escrito 'o Homem Pobre' - Diz o Talmud - Mas 'o teu Irmão', para mostrar que ambos são iguais".

sábado, 28 de maio de 2011

AO DESPERTAR

 
Na penumbra do quarto pela manhã,
Silhuetas fazem meus olhos delirar;
Linhas onduladas deliciam meus olhos;
A cor canela faz meu coração acelerar.
 
Uma linha acentuada anuncia o amanhã;
Um vai e vem contínuo prediz o vazio do quarto;
A respiração se acalma;
O coração desatina;
O desejo fenece no abrir das cortinas;
A luz ordena: Levanta, vai trabalhar!
27/05/2011
Willians Moreira Damasceno

terça-feira, 10 de maio de 2011

REFLEXÃO

 
"Um pagão apresentou-se a Shamai e lhe disse: Converter-me-ei ao judaísmo se me puderes ensinar toda a Torá, a Lei inteira, enquanto possa me sustentar sobre um só pé. Shamai o expulsou com a vara que tinha na mão. Quando se apresentou a Hilel com a mesma pretensão, Hilel o converteu, respondendo ao seu pedido da seguinte maneira: O que não queres que te faça a ti, não faças a teu próximo. Eis toda a Lei; todo o resto - é mero comentário. Vai e estuda."
Talmud, Shabat, 31a

segunda-feira, 9 de maio de 2011

TEOLOGIA LIBERAL


           A interpretação racionalista do Novo Testamento foi chamada de Teologia liberal. Esse tipo de interpretação trabalhava com um método de investigação histórico-crítico das fontes bíblicas e da teologia. Este método reflete, sem dúvida, a mente Iluminista. Essa interpretação surge do diálogo do liberalismo com a reflexão protestante, como também estava sob a influência de correntes filosóficas específicas, como o kantismo e o hegelianismo, sem esquece da influência dos filósofos deístas[1].
            Desde o início do século XIX, já encontramos Baur, Strass Bauer, que usam deste método racionalista na análise bíblica. Estudiosos como Albrecht Ritschl, Herrmann, Wellhausen, Harnack e Troeltsch foram expoentes deste tipo de interpretação.
            As características básicas da Teologia Liberal[2] podem ser apresentadas como: a) Uso do método histórico-crítico; b) relativização da tradição dogmática da Igreja; e c) ênfase numa compreensão ética do cristianismo.
            Pode-se encontrar um otimismo na Teologia Liberal na perspectiva de conciliar a religião com a cultura. Dois estudiosos, Harnack com "A essência do cristianismo" e Troeltsch com "A absolutidade do cristianismo" são expressões deste otimismo.
            Teólogos como Barth e Bultmann foram alunos de Harnack, sendo por algum tempo teólogos liberais.
Adolf Harnack (1851-1930) foi um dos expoentes da interpretação teológica do século XIX que adentrou o século XX. Era um historiador da Igreja. No seu trabalho, "A essência do cristianismo", ele ensina: "O evangelho, como Jesus o praticou, não anuncia o Filho, mas somente o Pai."[3] Segundo o teólogo Rosino Gibellini[4], "Harnack excluía toda e qualquer cristologia eclesiástica como fruto da contaminação do pensamento grego." Harnack chega mesmo a dizer que "toda a construção da cristologia eclesiástica passa longe da personalidade concreta de Jesus Cristo"[5].

          Para Troeltsch, teólogo e filósofo, o cristianismo é um fenômeno histórico, jamais devendo ser visto como a realização absoluta, incondicionada e imutável do conceito universal de religião.

          A Teologia Liberal foi um estímulo para que outras reflexões surgissem, inclusive por parte de ex-liberais.

          Hoje, se a estampa da Teologia Liberal não aparece abertamente, muitos são os teólogos que entendem ter sentido o método histórico-crítico de interpretação da Bíblia.

          Generalizamente falando, o Princípio Hermenêutico adotado pelos teólogos liberais é o princípio do racionalismo temperado com relativismo, hegelianismo e kantismo. Prova suficiente de que não há teologia sem filosofia.

Willians Moreira Damasceno
_____________________________

[1] HÄGGLUND, Bengt. História da teologia. Porto Alegre: Concórdia Editora LTDA, 1986. Pág 324.

[2] GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. São Paulo: Edições Loyola, 1998. Pág. 19.

[3] Idem, pág. 14.

[4] Idem.

[5] Idem, pág. 14.

TEOLOGIA, EXEGESE E MÉTODOS


            Teólogos e exegetas em geral consideram que a teologia é uma ciência. Claro está que não é ciência no sentido das ciências naturais ou tecnológicas. Mas é ciência no sentido de ter um procedimento definido, sistemático, objetivo. Por isto, o procedimento da teologia é positivo; jamais intensiona normatizar coisa alguma. Teólogos e exegetas buscam antes a revelação que é, e não a que desejam que seja. Como bem coloca Erickson, “a teologia precisa comportar alguns dos critérios tradicionais do conhecimento científico” (ERICKSON, 1997. Pág. 18). São critérios como um objeto definido, um método, objetividade e coerência entre as proposições do objeto em questão que tornam a teologia uma ciência.

            Sendo ciência, pois, a teologia usa métodos para alcançar os seus resultados. Hodge diz que numerosos métodos têm sido aplicados à teologia e entende ele que os mesmos podem ser resumidos a três métodos: 1) Especulativo (dedutivo)[1]; 2) Místico[2]; e 3) Indutivo (HODGE, 2001. Pág. 03). Clark é do mesmo parecer que Hodge[3] quanto aos três métodos (CLARK, 1988. Pág. 19 – 21). Na verdade, existem métodos e todos são passíveis de aplicações, apesar de suas limitações na busca do conhecimento. Dizer que o método Indutivo é o “verdadeiro método da Teologia” é um juízo questionável, a não ser que esta assertiva refira-se a um uso comum do método indutivo por grande parte dos teólogos. Na contemporaneidade, como em outras épocas, outros métodos são usados pelos exegetas. São usados tantos quantos são necessários para objetivos diversos. Disso decorre que os métodos em si não são nem verdadeiros nem falsos; os mesmos são apenas instrumentos para se alcançar resultados diferentes à expensa do exegeta.

Com o método dedu­tivo (especulativo), uma teologia é levada a se conformar a princípios filosóficos ou teológicos previamente estabelecidos. Este método destina-se mesmo a demonstrar decorrências e a justificar pressupostos. Este método gera enunciados analíticos. Ou seja, a partir de “postulados e teoremas”[4] chega-se a uma conclusão particular (SALOMON, 2001. Pág. 157).  É o inverso do método indutivo (sintético).[5] Portanto, se uma teologia tem como princípio diretor o teísmo, ou o deísmo, ou o panteísmo, ou ainda o racionalismo, ou quaisquer outros ísmos, filosóficos ou teológicos, poderá fazer com que suas conclusões particulares conformem‑se a um daqueles ísmos ou visões de mundo. Como também pode acontecer de confissões doutrinárias condicionarem os resultados do trabalho exegético. Se um teólogo dá por verdadeiros os dogmas de uma determinada confissão, necessariamente o seu falar condicionará toda a sua interpretação àquela confissão.

Para Libanio, a teologia dedutiva é uma “teologia de cima” (katáa,basij – “a partir de cima”). Significa que é uma teologia que parte de um ponto de autoridade já estabelecido de antemão (um dogma, por exemplo). Na idade Média, o exemplo basilar é o de Tomaz de Aquino (1224-1274). O doutor aquinense diz:

 

Uma vez que bem é tudo o que é apetecível e uma vez que a cada natureza apetece seu ser e sua perfeição, cumpre dizer que o ser e a perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem.[6] Portanto, não pode acontecer que mal signifi­que algum ser, alguma forma ou natureza;[7] con­clui-se, pois, que significa apenas a ausência do bem (AQUINO, 1954. Pág. 48).

 

A forma do raciocínio tomista é silogística.[8] Tomás de Aquino parte de uma afirmação universal, um princípio filosófico previamente estabelecido: “o ser e a perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem” (premissa maior). Em seguida, Tomás de Aquino estabelece uma afirmação de natureza filosófica (menor). Nesse caso, Tomás de Aquino estabeleceu duas premissas menores: a) “bem é tudo o que é apetecível”; e b) “a cada natureza apetece seu ser e sua perfeição”, para concluir com “portanto, não pode acontecer que mal signifi­que algum ser, alguma forma ou natureza”. O que Tomás de Aquino queria com o argumento já estava estabelecido na premissa maior: a conclusão, “mal [...] significa apenas a ausência do bem”, é apenas decorrência. A finalidade não é provar o princípio universal, mas o que dele decorre (MOREIRA, 2006. Págs. 09 e 10).

            Libanio mostra pontos pertinentes a respeito deste método:

 

A estrutura fundamental dessa teologia (dedutiva) consiste em sistematizar, definir, expor e explicar as verdades reveladas. Para isso, parte dessas próprias verdades e busca relacioná-las entre si, dentro de uma visão de globalidade, por meio da “analogia fidei”, isto é, procurando ver como todas as verdades da fé se explicam e se relacionam mutuamente.

É dedutiva porque trabalha, de modo especial, com o silogismo. Parte de afirmações universais, dos princípios da fé (maior)[9], estabelece uma afirmação de natureza filosófica (menor) e conclui por dedução uma afirmação teológica. Por exemplo, Jesus é verdadeiro homem (maior: afirmação da fé de Calcedônia); ora, um verdadeiro homem tem uma liberdade e consciência humanas (menor: verdade filosófica), logo Jesus tem uma liberdade e consciência humanas. A finalidade não é provar o princípio da fé, mas o que dele decorre (LIBANIO, 1996. Pág. 101-102).


            A Teologia indutiva é dirigida por um procedimento que leva em consideração diretrizes científicas. Ou seja, não parte de assertiva já estabelecida, dogmática. O termo grego que a caracteriza é ana,basij (a partir de baixo), algo que vem da base e não de cima; em outras palavras, não é imposto. Sua reflexão surge de questionamentos oriundos da situação humana. Os dogmas dos concílios não têm a palavra final. São verificáveis tanto quanto qualquer outra afirmação humana. Para a teologia que usa o método de abordagem indutivista, os problemas surgem na vida, de baixo, e são apreendidos e compreendidos pela via da indução. Esta teologia vai da experiência à doutrina ou ao dogma (perspectiva existencialista).

 

[...] as perguntas que se fazem à fé nascem não da própria fé, não de um interesse em sistematizar e organizar as verdades de fé já aceitas (teologia dedutiva), mas da experiência (indutiva) (LIBANIO, 1996. Pág. 103-104).

 

            Libanio e Clark têm conceitos divergentes sobre a natureza do método indutivo aplicado à exegese teológica. Libanio é de orientação existencialista; Clark é de orientação ordinariamente metodológica. É bem provável que os exegetas de orientação apenas metodológica não comungarão com o procedimento existencialista para o método indutivo. Mas isto fica para outras instâncias de reflexão.


Willians Moreira Damasceno

 

Referências Bibliográficas

 

AQUINO, Tomás. Suma teológica. I Tomo. São Paulo: Faculdade de Filosofia “Sedes Sapientiae”, 1954. Ed. I. H. Marshall. Exeter: The Paternoster, 1979.

CLARK, David S. Compêndio de teologia sistemática. 2ª ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1988.

ERICKSON, Millard J. Introdução à teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997.

HODGE, Charles. Teologia sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001.

LIBANIO, J. B. & MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

MOREIRA, Willians. O problema do mal em Leibniz (Monografia apresentada ao curso de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Natal/RN. 2006.

SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 10ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.



[1] Explicação do autor deste trabalho.

[2] Dirigido exclusivamente pelas sensações (emoções).

[3] Para conhecimento de uma abordagem bem colocada sobre os três métodos, sugerimos a leitura de Hodge, na introdução de sua teologia Sistemática.

[4] Enunciados universais.

[5] Embora didaticamente se apresente os métodos de per si, “não há método dedutivo puro, nem indutivo puro, empregados na pesquisa científica: o dedutivo, usado para problemas ‘ideais’, é precedido do indutivo, pois todo objeto ideal representa a etapa final de um processo de abstração do concreto (particular) para o genérico ou universal; por sua vez, o emprego do método indutivo no contexto da descoberta se consuma com o uso do dedutivo, desde o momento em que o pesquisador passa a agir no contexto da justificação”. (SALOMON, 2001. Pág. 157).

[6] Esta é a premissa maior; é a base do raciocínio dedutivo. 

[7] Corolário das três premissas ou do argumento silogístico: decorrente do princípio filosófico previamente estabelecido – premissa maior.

[8] O silogismo é uma das modalidades do raciocínio dedutivo.

[9] Observe-se que no caso da citação feita da Suma Teológica o princípio maior é também uma verdade filosófica.