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quarta-feira, 29 de julho de 2009

AINDA O ASSUNTO “SENHOR – ESCRAVO” NO NT


A conclusão do texto "O Sentido de 'senhor-servo' no Novo Testamento", exposto neste Blog, dias atrás, foi:

"Portanto, por estar o cristianismo em um contexto sócio-político-cultural diferente daquele dos primeiros discípulos; por se considerar o pressuposto existencial da maturidade antropopaticamente atribuída à Divindade; e por se levar em consideração a palavra de Jesus (Jo. 15, 15), expila-se a expressão "senhor – servo" do relacionamento entre Jesus e seus discípulos".

            Aquele texto partiu do pressuposto de que, segundo o próprio Jesus, a relação entre o mestre e o seu discípulo era de uma intimidade característica da amizade e não da relação senhor-escravo. Toda a argumentação voltou-se para o objetivo de que hoje não cabe mais a linguagem disseminada pelo próprio finado Paulo, no Novo Testamento.
            Da leitura que muitos fizeram daquele texto, alguém retornou com uma questão pertinente, a qual será ventilada neste novo texto.
            A questão do leitor referiu-se à passagem de Mc 10, 35-45, sobre como seria o seu entendimento e se o termo "servo", no texto grego, é o mesmo usado em Jo. 15, 15.
            Pois bem!
            O texto de Mc 10, 35-45 trata do pedido que os filhos de Zebedeu fizeram a Jesus, quanto a se sentarem um à direita e outro à esquerda do Mestre.
            Do verso 42 ao 45, Jesus expõe que a política do seu reino é diferente da política dos governantes deste mundo.
            No verso 43 Jesus afirma: "oux outwj de/ estin en umin: all' oj an qelv megaj genesqai en umin, estai umwn diakonoj" ("Não será assim entre vós; mas quem entre vós quiser tornar-se grande, será vosso servo"). Neste verso, servo não é "douloj" (dúlos), mas "diakonoj" (diákonos). O termo diákonos no NT[1] tem o sentido de alguém que serve aos outros voluntariamente. Pode ser entendido como mero empregado, talvez, mordomo. E pode ou não receber salário. O diákonos na Igreja não recebe pagamento, mas é como um servidor; não é um servo no sentido de escravo. Com efeito, Jesus está dizendo que quem quiser ser reconhecido (ser grande), precisa servir voluntariamente com interesse a favor dos outros. Ou seja, deve sempre estar à disposição dos outros para favorecê-los.
            No verso 44 Jesus continua: "kaiì oj an qelv en umin einai prwtoj, estai pantwn douloj" ("quem quiser entre vós ser primeiro será de todos servo"). O termo que traduz 'servo' neste verso é douloj (dúlos), que significa escravo, propriedade de alguém, reportando-se ao serviço obrigatório e mesmo contra a vontade de quem o exerce. Embora alguém possa aventar a idéia de que Jesus quis dizer que o dúlos pertence à comunidade, não há como ratificar radicalmente essa idéia. É possível advogar que, neste contexto, pode existir uma sinonímia de idéias, sem maiores interesses semânticos quanto aos dois termos. De qualquer forma, com a possível sinonímia Jesus está enfatizando a idéia de que aquele que quiser ser visto como importante precisa estar a serviço dos outros. O próprio Jesus diz que "o uioj tou= anqrwpou ouk hlqen diakonhqhnai alla\ diakonhsai kaiì dounai thn yuxhn autou= lutron antiì pollwn" ("o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir, mas dar a sua vida em resgate de muitos"). O curioso é que, neste verso, "servir" não vem de "dúlos", porém o verbo usado é "diakonêsai". Ou seja, Jesus não serve a ninguém como "dúlos", porém como "diákonos". Jesus não é propriedade de ninguém. O contrário seria mais viável afirmar, embora ele mesmo afirmou que não considera os seus discípulos como escravo - dúlos.
A Vulgata Latina, em Marcos 10, 35-45, usa os termos minister e servus, que estão para o grego, respectivamente, diákonos e dúlos. A Bíblia na linguagem de hoje, da SBB, apresenta uma distinção quando traduz diákonos por aquele "que sirva aos outros" e dúlos por "escravos de todos". The New Testament in Today's English Version traz servent e slave. O que deixa patente a distinção de sentidos. Traduções as mais diversas apresentam também esta distinção em Marcos 10, 35-45.
            Saliente-se que esta análise puramente gramatical não é absoluta para definir doutrina, mas pode ser um dos pilares para fundamentar o fato de que Deus não tem escravos e, sim, no máximo, diáconos, como a noiva de Cristo os tem e como o próprio Jesus o foi. Jesus não deu exemplo de ser dúlos; deu, sim, exemplo de ser diákonos. Um serviço voluntário a favor dos interesses dos humanos.
Willians Moreira



[1] THE ANALYTICAL GREEK LEXICON OF THE NEW TESTAMENT. USA. Michigan: Zondervan Publishing House, 1969. Pág. 90

domingo, 26 de julho de 2009

LEITURA RECOMENDADA

O MACHO DEMONÍACO

Os Origens da Agressividade Humana

Autores: Richard Wrangham & Dale Peterson

Editora: Objetiva

Este livro apresenta uma visão muito instigante sobre as origens da violência humana e animal. A análise de fatos como estupro, perseguição, infanticídio, emboscada, e tantos outros procedimentos no meio animal, em comparação com o procedimento humano mostra como há uma linha de continuidade entre todos os primatas quanto ao aspecto da violência.


Vale a pena ler este livro. Sem dúvida haverá muito para refletir após a leitura. Haverá muito para confrontar com as nossas crenças, certa-mentamente em muito equivocadas.



segunda-feira, 20 de julho de 2009

GIORDANO BRUNO

 
            A renascença foi um período histórico que abrangeu a Europa entre os anos de 1350 e 1650. Marcou uma transição entre a Idade Média e a Idade Moderna. No sentido estrito, vinculou-se à Itália do século XIV, momento em que os homens foram estimulados à produção literária e artística pela redescoberta dos clássicos gregos e latinos. No sentido amplo, a renascença foi um período de reorientação cultural em que a Igreja deixou de dominar a atividade humana, passando esta a uma orientação individualista, secular e moderna.

            Giordano Bruno nasceu em Nola, Itália, em 1548. Ingressou no convento de São Domingos, em Nápoles, onde foi ordenado ao sacerdócio e onde alcançou o doutorado em teologia.

            O período da vida de Giordano Bruno encaixa-se no momento em que a Igreja vive a Contra-Reforma. Portanto, um momento tenso, não muito fácil. Os líderes do movimento protestante já haviam abalado as bases do catolicismo. De sorte que Bruno, com suas idéias, era mais uma ameaça.

            A Igreja Católica nutria uma concepção teocêntrica medieval e se enxergava como a representante máxima de Deus entre os homens. Seus líderes julgavam-se guardiães das doutrinas sagradas (virgindade de Maria, a Trindade, a divindade de Cristo e tantas outras), como também defendiam o direito de dominar as nações, e controlar o conhecimento filosófico e científico.

            Giordano Bruno insurgiu-se contra os dogmas católicos, de vez que passou a duvidar das doutrinas da Igreja. Bruno questionava o inferno, o diabo, a virgindade de Maria, a Trindade, o Espírito Santo, a Cristologia. Suas idéias pregam a separação entre o Estado, a Igreja, a Filosofia e a Ciência. Embora doutor em teologia, sua filosofia é o que mais aflora, tendo como característica uma volta aos princípios do neoplatonismo de Plotino e ao hermetismo da Europa pré-cristã. Seu pensamento, gnóstico em essência, conduziu a magia da renascença às suas fontes pré-cristãs. Nesta concepção, Deus está em tudo que existe, não havendo como dissociá-lo da matéria. Visão holista do universo e de toda a realidade.

            Toda esta conjuntura foi fatal para Bruno, pois o momento era de muita intolerância por parte da Igreja. E seu fim não foi outro senão a morte na fogueira em 17 de fevereiro de 1600.

            A reflexão a destacar na vida de Giordano Bruno é quanto a sua resolução em não desistir de suas idéias, mesmo diante da morte. Diante disto, perguntamos: seria a vida menos valiosa do que as idéias? Ou as idéias devem ser equilibradas à vida em valor? Renunciar idéias é renunciar à vida?

 Willians Moreira

domingo, 19 de julho de 2009

POR QUE ESTUDAR AS LÍNGUAS BÍBLICAS ORIGINAIS?

 

Incomodou-me a defesa de um professor de Seminário Evangélico quanto à extinção do ensino das línguas bíblicas originais do curso de Teologia. A alegação era a de que o avanço que o cristianismo já teve em termos de trabalhos exegéticos e de tradução dispensa hoje o estudo das línguas originais por parte dos seminaristas, de vez que estes podem acessar, tanto na língua vernácula como em outras línguas, a comentários, dicionários, etc., que os ajudarão a entender o texto bíblico. Esqueceu-se o tal professor de que ele mesmo aventou o estudo de idiomas modernos em sua argumentação. Qual seria o seu engasgo com os idiomas bíblicos originais? Em parte não posso deixar de concordar com tal argumento. Mas esta minha concordância atém-se apenas ao estudo empreendido pelos cristãos leigos. No entanto, dificulta-me saber que os supostos teólogos graduados naquele tal Seminário estarão desabilitados para uma tarefa de maior peso, quando se trata da exegese bíblica. Aqueles supostos teólogos ficarão à mercê do trabalho de segundos e terceiros, nunca tendo uma visão pessoal do assunto exegético, caindo assim na desvantagem de argumentação em relação aos exegetas que se preparam nas línguas originais. Ou seja, aqueles teólogos não terão cacife para defenderem seus pontos de vista quando forem apresentados a uma argumentação que estampa pressupostos linguísticos. Ficarão à mercê da ajuda de quem? Daquele que argumentou para que o ensino das línguas bíblicas originais fosse extinto do seu curso de teologia? O curioso e problemático é que aquele que argumentou para tal não conhece as línguas bíblicas originais e, tanto quanto os seus pupilos, vive à mercê, estritamente, das opiniões de segundos e terceiros sobre tradução e exegese.

            É indiscutível o fato de que o exegeta conhecedor das línguas bíblicas originais leva considerável vantagem em seus estudos. Não só na sua exposição de estudos, como também em sua argumentação apologética. E, como se não bastasse, serão mais confiáveis em sua interpretação do que aqueles que não são afeitos aos textos originais. Principalmente hoje, no mundo em que vivemos.

            Agora responda-se a si mesmo: Em tese, a quem você ouve com mais disposição favorável numa exposição bíblica? Ao teólogo conhecedor dos originais ou ao expositor que depende do conhecimento de outros nessas línguas?

            Do que tem sido dito, é de se entender que não se leva em consideração nesta argumentação os leigos e até mesmo professores dominicais em geral. O foco da atenção aqui está sobre seminaristas, teólogos, exegetas formados para tal. O foco da atenção está sobre aqueles que passam por treinamento para uma liderança de comunidades cristãs, numa dimensão de curso superior. Num mundo como o nosso, não se admite mais que líderes fraquejem ante as apologias inversas aos seus discursos; principalmente quando estes usam de um suposto conhecimento dos originais bíblicos.

            A pesquisa na Internet possibilita o encontro de muito material na área linguística. O texto Why study greek, encontrado na Rede, expressa um pouco do empenho de exegetas que tentam exorcizar o cristianismo de interesses escusos a um salutar crescimento da fé. A partir daquele texto, apresenta-se aqui uma adaptação para a língua portuguesa, com acréscimos, na intenção de que o propósito desta argumentação seja melhor entendido. O endereço do sítio é http://bpeterson.faculty.ltss.edu/Greek/WhyStudy.htm
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Por que enfrentar a dificuldade de estudar as línguas originais? Por que gastar horas e horas aprendendo grego e hebraico, quando já existem tantas traduções bem feitas da Bíblia? Na verdade, há razões consideráveis para o estudo das línguas originais.

A primeira razão é porque, existindo mesmo muitas e boas traduções, quando elas diferem entre si, como se saberá com precisão qual delas reflete melhor o texto original? Isto não é simplesmente um assunto que se resolva com uma votação para que a escolha da melhor tradução fique à mercê de uma maioria. Uma comunidade cristã espera que o seu líder esteja habilitado para ajudá-la a compreender o texto. Daí a necessidade do exegeta saber avaliar qual a melhor ou melhores traduções.

Uma segunda observação é que não há uma tradução perfeita, a qual seria absoluta. Não é possível verter todo o conteúdo de um texto estrangeiro para outra língua. Há particularidades de uma língua que não é possível expressá-las em outra qualquer. Portanto, toda tradução possui lacunas que o intérprete precisa desvendar através da leitura do texto original.

Terceira observação, um idioma é expressão de uma cultura. Aprender a língua original de um texto facilita a compreensão da cultura na qual aquele texto foi escrito. E a compreensão de tal cultura, em contrapartida, facilita a compreensão do próprio texto a interpretar.

Quarta observação: faz-se necessário aprender a língua original para se ter acesso a outras ferramentas de estudo, como comentários, que ajudam a explorar o texto mais completamente, e dicionários bíblicos, que ajudam a entender como palavras e conceitos funcionam no texto interpretado.

Quinto, a leitura do texto original leva a uma interação com este texto e seus significados em um nível mais profundo. É necessário lidar com assuntos de vocabulário e gramática para ouvir o texto mais profundamente e para descobrir o significado e a pretensão do texto. Aprender a língua original ajudará a ouvir o texto de uma maneira nova.

Sexto, quando alguém exerce o papel de intérprete de um texto, as pessoas confiarão no seu trabalho para ajudá-las a entender o texto bíblico de modo vivificante e rejuvenescedor de sua fé. As pessoas confiarão no tal intérprete se o mesmo cumprir o seu papel com conhecimento, clareza e habilidade. Tal como uma vocação não merece nada menos que o melhor dos esforços e instrumentos daquele que é chamado para tal. No caso da exegese bíblica isso significa gastar tempo e esforço suficientes com o estudo dos idiomas originais.

Nas palavras de um professor do início da Idade Moderna,

 

Na Igreja Cristã todo ensino deve ser julgado. Para isto o conhecimento da língua original é necessário acima de tudo o mais. Os pregadores ou professores podem expor a Bíblia do princípio ao fim como por favor, com ou sem precisão, se não há alguém presente para julgar se eles fazem a interpretação de modo devido ou indevido. Para julgar, alguém precisa conhecer as línguas originais; e isto não pode ser feito de qualquer forma. Portanto, embora a fé e o evangelho possam ser proclamados por pregadores simples sem um conhecimento das línguas originas, tal pregação é de superfície e, via de regra, dependente do senso comum. O resultado é que as pessoas finalmente ficarão cansadas, entediadas e aborrecidas com esse tipo de pregação e esta cai por terra. Mas quando o pregador está preparado nas línguas originais, há um frescor e um vigor na pregação, de vez que o texto é tratado em sua inteireza, e a fé se encontra constantemente renovada pela contínua variedade de palavras e ilustrações (Martin Luther, "To the Councilmen of All Cities in Germany, that They Establish and Maintain Christian Schools")

 

            Finalmente, o estudo das línguas originais convoca o exegeta para um contato mais profundo com o texto interpretado. O estudo das línguas originais pode tornar o cristão mais afeiçoado ao texto bíblico e a suas línguas originais. Aprender as línguas bíblicas originais pode ser o início de uma vida de contato íntimo com textos que alimentarão a fé pessoal e a prática do ministério na comunidade crista.

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Deve ficar claro que este argumento objetiva àqueles que intencionam a exposição bíblica exegética. Este texto esquece aqueles que se condicionaram a meras pregações temáticas, agravantemente emocionais, sem o embasamento linguístico aqui defendido. Nada contra a pregação puramente temática. Porém, esquecido não deve ser o fato de que toda preguiça, indisposição, desculpa, e argumentação qualquer precisam ser erradicadas do estudo sério e criterioso do texto bíblico. Só assim os humanos devotarão a devida credibilidade á mensagem cristã.
Willians Moreira

sábado, 18 de julho de 2009

PLATÃO E A ARTE MIMÉTICA

 

O livro X da República apresenta a tese platônica de que a arte é imitação da aparência do real e, como tal, está afastada da verdade. O tratamento do tema é iniciado com a pergunta de Sócrates: "o que é mimese?" (passo 595a-c). A partir deste ponto, há uma argumentação dirigida pelo método socrático para levar o interlocutor, Glauco, à conclusão de que a arte (poesia, pintura, escultura) é pura imitação da aparência da realidade.

O método para o tratamento do assunto, segundo o próprio Sócrates, é "admitir certa idéia (sempre uma só) em relação a cada grupo de coisas particulares".

Na abordagem platônica encontra-se uma confusão entre arte e teoria do conhecimento. Sócrates conduz o diálogo levando Glauco à conclusão de que a arte é um conhecimento falso (ou trabalho com o falso). Não pode atingir o verdadeiro e, por isso, é reprovável. Na verdade, esta arte é a destruição da inteligência dos seus apreciadores. Nas palavras do próprio texto, referindo-se à poesia de caráter mimético, "todas as obras dessa espécie se me afiguram ser a destruição da inteligência dos ouvintes" (passo 595a-c). Desse ponto a considerar a arte como uma questão de ética, não falta muito. Na verdade, a arte é um embuste: arte do charlatanismo. O artista é um desonesto. Neste aspecto, a maior acusação contra a arte é de causar danos às pessoas honestas. Quando Sócrates trata de fazer supostas perguntas a Homero, refere-se à Virtude, e diz que, neste particular, o poeta "estás afastado dois pontos" da verdade. O que implica em asseverar que a arte e a ética estão intrincadamente relacionadas. No assentamento feito por Sócrates, no final do passo 599, é dito: "todos os poetas são imitadores da imagem da virtude... mas não atingem a verdade". Nas palavras de Sócrates: "seria impiedade trair o que julgamos ser verdadeiro". A arte mimética é uma forma de impiedade.

Percebe-se assim, uma abordagem pelos prismas ético e epistemológico, defendendo-se que o artista nada mais é do que um imitador, e, como tal, está tão longe da verdade ética, quanto da verdade epistemológica. Decorrente dessa argumentação, nada mais verdadeiro do que se entender o artista como um transtorno para a "cidade perfeita" e, por isso, o mesmo não deve ser nela permitido.

É curiosa a abordagem sobre a arte pelo prisma de perspectiva. Por este prisma, a arte é a prática da ilusão de ótica. Na verdade, a arte pertence ao que há de pior na alma: é avessa ao bom-senso, produzindo mediocridades, como também ultraja a virtude. A arte é mesmo decorrente das contradições da alma.

Nas últimas considerações sobre a arte é abordado o antagonismo entre filosofia e poesia. Para Platão, o filósofo é realmente aquele que pode chegar ao conhecimento do real que está no mundo das idéias. O artista, por sua vez, só produz imagens afastadas da realidade. Filosofia e arte são, pois, irreconciliáveis.
Willians Moreira

segunda-feira, 13 de julho de 2009

MATURIDADE NAS DECISÕES

 

A história revela que a humanidade sempre foi muito afeita a procurar respostas fora desta dimensão. O homem busca, quase que cronicamente, explicações transcendentais para o que acontece consigo. Desde a pré-história encontra-se o homem explicando o trovão, a chuva, o relâmpago e outras realidades naturais, como sendo resultados de intervenções divinas a ele dirigidas. Pode-se entender, no entanto, que estes fenômenos seguem, a princípio, as leis da própria natureza, estabelecidas pelo próprio criador.

Diante de tais fenômenos, a verdade é que o homem vivia, quase que esquizofrenicamente, tentando interpretar o que aquele "deus" em ação estava requerendo dele através daquele fenômeno. Como consequência de tantas interpretações, o homem chegou muitas vezes a práticas estonteantes como sacrificar o seu próprio sangue para aplacar ao tal "deus".

Com o passar de milhares de anos, apesar do progresso científico, os humanos, ainda não se libertaram daquela prática tendenciosa de interpretar os acontecimentos de sua vida, tentando saber o que Deus está requerendo lhe dizer.

Analise-se os próprios fenômenos da natureza. Jesus disse: Deus "faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos". (Mateus 5, 45). Ora, entende-se que o mesmo fenômeno acontecendo a pessoas de características diferentes, o que pode pesar aqui é somente a interpretação de cada um. Estando Deus a manter Suas leis físicas em evidência, não está falando de modo individual ou especial a alguém, mas proclamando a evidência de sua providência na natureza. Se um raio atinge um suposto servo de Deus, já atingiu também a muitos desordeiros nesta terra. E o fato da criação do Pára-raios não significa que o homem esteja aprendendo a se livrar das investidas divinas, mas que aprendeu a viver menos protegido diante da própria natureza.

Na verdade, coisas más e coisas boas acontecem a todo o tipo de pessoa. E, sem dúvida, o que é ruim para um, pode ser bom para outro. O livro de provérbios diz: "Todos os dias do aflito são maus, mas o de coração alegre tem um banquete contínuo" (Prov. 15, 15). Moral do exposto: Questão de atitude. Questão de interpretação particular.

Está-se dizendo que Deus não intervém na história? Não é isso! No entanto, Deus pode decidir não intervir! Que direito tem o homem de questionar a Deus?

Deus pode interferir na natureza, embora não daquela maneira estereotipada da interpretação pré-histórica ou do modo preconceituoso e muitas vezes neurótico de interpretação de alguns hodiernos. Pode-se perceber pelos "insights" bíblicos que Deus apresenta-se como aquele Pai que educa e interfere na vida de seus filhos considerando as diferenças de idade e suas limitações: Aos infantes maior presença; aos adultos maior liberdade. Que Pai andaria qual galináceo a proteger os seus pintinhos, se seus filhos já chegaram à maioridade? Em palavras claras: Por que viver esperando que Deus, muitas vezes, senão todas, trate alguns ou muitos como "mimadinhos" salvando-os de determinadas situações que desafiam as suas resistência e criatividade? É preciso assumir a maturidade para se discernir a "situação", adaptando-se às circunstâncias, mesmos adversas, visando a uma consecução dos ideais (Ecl. 9, 10). Disse Gonçalves Dias, no poema "Canção do Tamoio": "A vida é um combate que aos fracos abate; mas aos fortes só pode exaltar".
Willians Moreira

MORTE POR MORTE, QUAL A DIFERENÇA?

 

Depois do fenômeno Tsunami na Ásia, vários meios de comunicação despejaram um bom acervo de fotos que estampavam a tragédia acontecida. Muitas fotos apresentavam corpos humanos espalhados pelos lugares do acontecimento. A natureza fez realmente um estrago no habitat humano.

Algumas vezes nós testemunhamos o efeito de catástrofes ocasionadas pelo homem contra a natureza. Quem de nós não se lembra de pássaros e peixes mortos em praias do Oriente, em virtude do derramamento de óleo no mar? Esses desastres já se repetiram muitas vezes.

Fico pensando se a natureza não resolve "vingar-se" do homem. Claro, essa é uma reflexão apócrifa, pois a natureza não é pessoal. Ou é?

Hoje eu me lembrei de tantos cadáveres de animais que já vi expostos ao sol e à lua. Ontem, à noite, quando voltava para casa, vi o corpo de um gatinho junto ao meio-fio, na posição de dormir. Mas eu sei que daquele sono ele jamais acordará. Vi que aquela morte fora resultado da ação do homem. Lembrei-me também de jumentos, burros e cavalos que já vi expostos à margem de estradas por causa da ação humana.

Já vi também expostos corpos de outros animais que morreram de morte natural.

Nas fotos que testemunharam o Tsunami vi corpos humanos expostos na praia. Corpos entulhados e misturados com destroços de casas, carros, etc. Corpos expostos por corpos expostos, qual a diferença? Tenho feito esta pergunta a mim mesmo. Qual a diferença entre a morte de uns e a morte de outros? Morte por morte, quem faz a diferença? Quando penso apenas em corpos, não vejo diferença mesmo. Mas por que achamos que a morte da espécie humana é diferente da morte da espécie animal quando pensamos nos aspectos extracorpóreos ou extramateriais? Parece-me que as nossas crenças fazem a diferença. Quem garante que a natureza faz essa diferença?

Isso me leva a não supervalorizar o acontecimento, principalmente se este está sendo explorado pelos meios de comunicação.

Fica o questionamento. E não pense que é tão simples resolvê-lo com uma resposta pré-formada em função de um doutrinamento fundamentalista.

Willians Moreira

MEIOS DE ORIENTAÇÃO

 

Os seres humanos têm mudado de meios de orientação freqüentemente. Cada vez que mudam sempre há um avanço para melhor. Sempre há uma graduação positiva.

Desde o princípio até o século XIII predominou a orientação astronômica simples, baseada na localização e posição dos astros celestes. Essa orientação era limitada por indicar apenas a direção aproximada e não precisa de um lugar. O lugar desejado era determinado por estimativa.

No hemisfério norte era utilizada a estrela Polar, indicando a direção do pólo norte. No hemisfério sul utiliza-se o Cruzeiro do Sul, indicando a direção do pólo sul.

Do século XIII ao século XV, predominou a bússola. A diferença deu-se em virtude de que a orientação passou dos astros para esse instrumento inventado pelos chineses, mas que ainda era exigida a decisão do navegador para determinar o lugar desejado.

Outros dois aparelhos foram inventados neste período: os portulanos (mapas com descrição dos portos) e as cartas náuticas (mapas contendo o traçado das rotas, profundidades dos mares, distâncias, perigos a evitar e outras informações).

Entre o século XV e o século XVIII, surgiu a navegação astronômica por latitudes. Os instrumentos utilizados eram o quadrante e o astrolábio. Estes instrumentos medem a altura de um astro acima do horizonte (voltamos a depender dos astros).

No século XIX, evolui-se da navegação por latitudes para a navegação por latitudes e longitudes. A localização de um determinado lugar torna-se mais precisa.

No presente, as navegações marítima e aérea favorecem-se do sistema de rádio (radiogoniômetro), radares e computadores.

Mesmo com todos os avanços, a bússola continua a ser usada. A comum tem sido utilizada por pequenas embarcações, enquanto as embarcações maiores utilizam-se da agulha giroscópica, que indica diretamente o norte geográfico e não o norte magnético.

Diante dos fatos acima, pode-se concluir: não se deve absolutizar um meio de orientação. Até porque outros mais evoluídos surgirão; mesmo que os antigos continuem a ser usados por alguns. Não se faz necessário radicalizar uma orientação qualquer como se fosse a única capaz de dar sentido ao homem. Isso se aplica aos mais diversos fatores da vida. Nos mares da vida os homens têm usado muitas orientações. Em alguns momentos sentem-se tão seguros com alguma compreensão que a entendem como absoluta. Fecham os olhos para novas perspectivas. No entanto, tomando como lição as realidades da geografia, por que não entender que ainda se pode avançar, encontrando outros meios de orientação? Que realidade obriga o homem a crer que a sua interpretação do momento comporta todo o sentido da vida?

Em todos os caminhos da existência humana tem-se aventado as mais diversas orientações. Por que haveria uma dessas orientações que reinasse absoluta, sem que não houvesse abertura para novos avanços e novas compreensões?
Willians Moreira

MUDANÇAS QUE FAZEM DIFERENÇA

 

            A teoria geocêntrica entrou em crise com as idéias do Renascimento. A descoberta de que a Terra não era o centro do universo causou um impacto considerável.

É impressionante como idéias de hoje e de ontem já foram discutidas por teóricos, centenas de anos atrás. Tal é o caso do geocentrismo. Já na antiguidade, o geocentrismo era pensado por Aristarco de Samos (c. 310 – 230 a. C.). Este teórico, aplicando a geometria pura desenvolvida por Euclides a cálculos astronômicos, chegou a conclusões fantásticas em relação ao Sistema Solar. Errou apenas em considerações importantes por não dispor de instrumentos de medição de ângulos precisos. O resultado de suas descobertas concebeu a Terra como astronomicamente insignificante. A dedução de que a Terra gira em torno do Sol antecipou em séculos a concepção moderna do heliocentrismo. Aristarco é considerado o "Copérnico da Antiguidade".

No século II d. C., Cláudio Ptolomeu consagra o erro do geocentrismo, valendo-se de conclusões aristotélicas. O heliocentrismo de Aristarco é então praticamente esquecido.

Estes conhecimentos sobre a história das concepções a respeito do nosso Sistema Solar são suficientes para se conceber a dimensão do impacto que a volta embasada do heliocentrismo causou. Uma suposta verdade com mais de dez séculos de aceitação, defendida, inclusive, por uma instituição (Igreja Católica) que dogmatizava a sua verdade, não seria descartada tão rapidamente.

No final da Idade Média, Copérnico (1473 – 1543) chega à conclusão, também antevista por Nicolau de Cusa, de que o Sol encontra-se no centro das esferas celestes, e que a Terra gira em torno daquela estrela. Pode-se imaginar a reviravolta na compreensão milenar do geocentrismo. Na verdade, a revolução atingiu não somente a astronomia, como também a religião, a política e a moral. Atingiu a astronomia em virtude de reformular toda uma visão do espaço. Passou a ventilar até mesmo a possibilidade de que houvesse outras realidades celestes em torno das quais o nosso sistema estivesse também em órbita. Na religião, o impacto deveu-se ao questionamento da concepção sustentada pela Igreja que usava a própria Bíblia para provar o geocentrismo. Ora, se o que a Bíblia diz está sendo questionado, tudo o mais que a mesma apresenta pode ser passível de verificação. Na mente de religiosos fundamentalistas isso é impossível. Era afetar a própria autoridade da Igreja, que defendia os dogmas religiosos. Na verdade, quem mais recebeu o impacto foi a Igreja. Para ela, o geocentrismo era uma verdade incontestável que jamais deveria ser questionada.

Mesmo acontecendo entraves para os sistemas ideológicos dominantes, essa e outras realidades do passado contribuíram para muitos avanços do pensamento humano.

Na Idade Média enxerga-se uma ênfase esmerada sobre temas que não têm o homem como centro. Deus é o centro de tudo. Isto colocado supostamente pela Igreja, de modo a lhe favorecer em seus interesses. Tudo o que se refere a Deus tem centralidade: Santos, Igreja, Textos Sagrados, Papa, a Terra Santa, etc.. O homem é visto como uma escória. Talvez, se Pelágio tivesse vencido a disputa contra Agostinho sobre a natureza humana, a Idade Média teria tido outro caminho na sua concepção humanista. No entanto, Agostinho, com sua concepção de natureza pecaminosa herdada de Adão e com as considerações e ramificações desta concepção básica, saiu vencedor e a Igreja consagrou o modelo teológico de homem perdido, carente de salvação e de ajuda da própria Igreja. Na verdade o homem era visto como um ser decadente.
Com o redescobrimento dos conceitos da antiguidade grego-latina, o homem viu a sua dignidade restaurada. O homem assumiu o centro das questões e adquiriu liberdade para pensar e mesmo contrapor-se às concepções vigentes. Nesse contexto do Renascimento, o Humanismo significa, pois, uma revolução contra as concepções religiosas teocêntricas. O homem passou a considerar-se o centro do mundo, quase que se esquecendo dos seus limites.
Willians Moreira

ROMANTISMO – PAIXÃO - AMOR

 

            Muitas mulheres reclamam de seus maridos porque eles não são mais românticos. Elas esperam que os tais voltem a agir do modo como há muito não agem ou como agiam no início do relacionamento. No entanto, sabe-se que aquela condição de romantismo acabou não sem explicação. Durante o tempo de convivência que o casal vai mantendo, muitas das condições daqueles velhos tempos vão mudando ou desaparecendo. A convivência debaixo do mesmo teto vai acrescentando um tempero ao relacionamento que no período de namoro ou noivado não existia. E não existia porque as condições do casamento não são mais as do tempo anterior. É impossível que isto não aconteça. Mesmo para os casais considerados modernos, morando cada um em canto separado. A convivência permite que ambos enxerguem realidades do outro que antes não enxergavam. Cada um vai colocando suas "unhinhas" de fora (ou escondendo outras coisas). Os arranhõeszinhos vão acontecendo: um de cá; outro de lá. E, quando menos se espera, descobrem que não há mais aquela atmosfera de antigamente. São os reclames, os queixumes, as lamentações, as críticas, os desprezos, as conturbações da criação dos filhos e da administração do lar, e mais outros temperos que concorrem para o desaparecimento da tão querida paixão e do tão apreciado romantismo. E não é só o homem que muda não! A mulher também. Toda essa realidade mexe com o "mecanismo" psicológico de ambos. Sem contar que o acostumar-se de um com o outro faz com que manifestações da suposta paixão como mãos suadas de ansiedade pelo outro, friozinho na barriga, idas e vindas ao portão enquanto o outro não chega, o ouvido no telefone esperando o outro ligar, sejam consumidas. E, naturalmente, a paixão vai embora, indo com ela, no mais das vezes, o romantismo, que é uma estratégia para alcançar o objetivo da sedução. Ora, para se viver as mesmas emoções daquele passado, emoções da paixão, faz-se necessário que as mesmas condições ou semelhantes voltem a acontecer. Isso significa que ficar querendo que "o meu marido seja romântico" ou que "a minha mulher me trate como naquela época" será necessário armar o mesmo palco daqueles tempos. Em outras palavras: passar uma esponja na memória e começar tudo de novo. Seria possível? Quem sabe? Pode até ser: a fenomenologia humana é consideravelmente dinâmica. O fato é que cada acontecimento, cada emoção, cada momento, é único. Mesmo que um casal consiga, de alguma forma, a proeza de voltar a se apaixonar um pelo outro, essa paixão seria única em sua época, enquanto acontecesse. Mas nunca seria essa paixão igual àquela que sentimos quando nos apaixonamos por alguém com quem nunca tivemos aproximação antes. E parece que é esta a paixão que muitas mulheres casadas estão buscando. A realidade do novo, que fomenta a curiosidade dos encontros, das descobertas e das emoções fortes, é praticamente impossível a um casal já acostumado consigo mesmo. Mas, como a realidade humana é uma caixinha de surpresa, quem sabe se algum casal não consegue essa façanha. Difícil será comprovar tal fenômeno, pois que o padrão já sacramentado é justamente aquele que causa as reclamações de muitas mulheres. Parece que o mais acertado, nestas circunstâncias, é apelarmos para a maturidade de sabermos conviver com o comportamento já vivenciado pelos humanos através dos séculos. A paixão pode até ser a porta de um relacionamento que se desenvolverá a um patamar de maturidade que não dependerá meramente de emoções fortes, mas que manterá o respeito e o equilíbrio entre as partes, culminando na sólida certeza de que, apesar dos percalços e mazelas da personalidade humana, pode-se seguir estrada, consciente de que, não um mero sentimento, mas a responsabilidade no zelo pelo outro, será o parâmetro que indicará que a paixão tem o seu momento, mas jamais ocupará o espaço que só pode ser ocupado pelo amor.

Quem ama poderá praticar muito do que o apaixonado pratica, mas a paixão nunca terá a mesma consistência do amor.

Willians Moreira

LEMBRANÇAS QUE ME FAZEM PENSAR

 

Na madrugada passada vários lances de memória passaram pela minha mente. Lembrei-me do tempo quando eu morava em um povoadozinho, quase fazenda, de nome Umburanas, no interior de Pernambuco, perto da cidade chamada Arcoverde. Tempos idos de minha infância. Não tinha energia elétrica; nenhum eletro-doméstico. A água chegava à minha casa trazida em um jumentinho que eu conduzia, ida e volta, uns 5 a 6 km. Nem imaginava que um dia conheceria um videogame, uma TV a cabo, um computador... Meus brinquedos eram bonequinhos de barro, quando não pedrinhas que simulavam animais. Lá eu brincava de correr com Jorli, meu cachorro; um cachorro bonito, amarelo-laranja. Eu tive vários cachorros na infância. Jorli foi um; outro foi Dick. Uma cadelinha foi baleia. Não me lembro mais do nome dos outros. Por quê?

Lembro-me de minha mãe passando ferro a brasa na roupa. Meu pai escutava uma rádio de Arcoverde através de um aparelho de rádio que mais parecia uma caixa de madeira.

Eu triturava o milho em uma pedra de mó, para fazer cuscuz. Ah, cuscuz gostoso! Aquele, sim!

Ah! Tempos bons! Mas são só lembranças; não é nostalgia.

Fui motivado a pensar sobre este meu passado por ler um texto a mim enviado, faz algum tempo, o qual abordava a indignação do escritor quanto a estar "proibido" de usar tudo quanto estava acostumado a usar. Toda aquela indignação em virtude da possibilidade do apagão. O título do texto: "Eu não vou...". Transcrevo-o abaixo.

 

"Eu não vou...

Eu não vou mais escutar música.

Eu não vou mais usar o elevador.

Eu não vou mais ver televisão.

Eu não vou mais tomar longos banhos.

Eu não vou mais usar o computador.

Eu não vou mais deixar todas as luzes acesas.

Eu não vou mais ter ar condicionado nos cinemas.

Eu não vou mais usar escadas rolantes.

Eu não vou mais usar o micro-ondas.

Eu não vou mais usar a torradeira.

Eu não vou mais usar a secretária eletrônica.

Eu não vou mais usar ventilador.

Eu não vou mais usar a máquina de lavar roupas.

Eu não vou mais ligar o freezer.

Eu não vou mais ao circo.

Eu não vou mais ter iluminação pública, mas o IPTU vai ficar o mesmo.

Eu não vou mais escutar rádio em casa.

Eu não vou mais usar o telefone sem fio.

Eu não vou mais ligar o fax.

Eu não vou mais usar torneira elétrica.

Eu não vou mais usar a máquina de lavar louças.

Eu não vou mais usar aquecedor.

Eu não vou mais ligar o alarme em casa.

Eu não vou mais usar o liquidificador.

Eu não vou mais ligar a secadora de roupas.

MAS, NO ANO QUE VEM EU VOU VOTAR!

"Vamos fazer esta mensagem circular por todo o país, para sacudir aqueles que têm memória fraca".

 

Pelo menos este indivíduo tinha a consciência de que não havia perdido o direito de voto.

Pois bem! Naquela época, quando cheguei a casa à noite, disseram-me logo: "não vamos mais usar a sanduicheira. Agora vamos fazer torrada manualmente". Lembro-me que pensei: Já não estou usando o banho quente como usava antes. Às vezes, chegava a casa, cabeça quente, colocava uma cadeira debaixo do chuveiro, sentava, ligava no "verão" e era aquela hidroterapia.

De qualquer forma fiquei a pensar: como nós nos condicionamos e somos condicionados ao uso de coisas. Isso é tão verdade que causa irritação em muita gente o bloqueio aos seus prazeres elétricos e eletrônicos. Uma senhora, amiga minha, disse: "tanto que fiz, depois de velha voltei a ser pobre". Referia-se ela ao fato de desligar o freezer e outros aparelhos dos quais passou a dispor em sua casa.

Eu me pergunto: quantos não estão frustrados neste Brasil? E irritados, quantos? Tudo por conta dos bloqueios aos seus desejos.

Passei a me dizer: você não depende destas coisas; lembre-se do seu passado. Mas pensei também: quantos que estão em contextos diferentes do meu e dependem destas coisas?

Lembro-me aqui do profeta Jeremias que reclamou diante de Deus, em face de sua situação. Deus, por sua vez, respondeu ao profeta: "ora, se estás reclamando enquanto andas com homens que vão a pé, o que farás quando eles estiverem a cavalo e tu a pé?".

Ninguém interprete que o que tenho escrito significa que devemos baixar a cabeça e cruzar os braços ante os atos políticos irresponsáveis, referentes ao problema do apagão. Estou chamando à reflexão os bastidores das nossas motivações.

De qualquer forma, lembro-me agora daquela cantiga: "vamos passear no bosque, enquanto seu lobo não vem." E quando "seu lobo" chegar, esteja preparado!

Willians Moreira

MULHER É BICHO COMPLICADO?

 
              Nos últimos tempos, tenho ouvido muito esta expressão: "Mulher é bicho complicado". Às vezes perguntando-me se a realidade é essa. Pergunto-me se é assim ou se é o homem que é complicado. Talvez, por ser o homem complicado, acontece o fenômeno de transferência. Ou será que ambos são complicados? Será que nossas incompreensões masculinas acontecem porque queremos que as coisas estejam em um tempo e em um espaço que não são os da mulher?

Que o homem é complicado, se já ouvi não me lembro. Ouço que ele é previsível. Será? Quem diz que mulher é "bicho" complicado é o homem; e quem diz que o homem é previsível é a mulher. Parece-me que esses juízos são tendenciosos. Será que não vai ai uma frustraçãozinha de ambas as partes? O complicado é que já estou "vendo" mulher internalizando a fala masculina e dizendo: "Mulher é bicho...".

            Eu não me acho complicado. Entendo que estou num contexto existencial diferente daquele de quem convive comigo. Daí, muitas vezes, as incompreensões em relação a mim por parte de outros.

            É verdade que eu não compreendo algumas mulheres. Mas quando tenho um pouquinho de paciência, bem que as coisas são facilitadas.

            O que é ser complicado?

            Quais seriam os critérios válidos para se determinar que uma mulher é complicada? Se nós não a comprendemos devidamente não é o caso de uma mulher ser necessariamente complicada; ela até pode se tornar complicada. Não só a falta de conhecimento de nossa parte, mas a nossa impaciência, a nossa preguiça e outras tantas coisas é que complicam a realidade. A mulher em si seria complicada? Primeiro que não existe uma mulher em si, mas sempre uma mulher em relação. E toda relação não deve ser analisada unilateralmente. Todo juízo unilateral é passível de parcialidade. Parece que a relação, na qual os envolvidos fazem a diferença, é que contém em si a complicação. Eu disse: parece!!!!!!

Espero que nossa compreensão dessa realidade possa evoluir, permitindo-nos um olhar menos incoerente com a suposta natureza feminina.
Willians Moreira

domingo, 5 de julho de 2009

LIBERTAÇÃO


Traços líquidos
Riscam meu rosto.
Miasmas pestíferos
Infectavam meu ser.
Cizânia indesejável
Erradicada a tempo.
Willians Moreira

PERCEPÇÃO

 
Sinto que penso.
Penso que sinto.

Penso que existo.

Sinto que existo.
Sinto que sinto. Penso que penso.
Penso que penso no sentir que me sinto pensando.
Sinto que me sinto no pensar que penso sentindo.

Penso ou sou pensado pensando?
Sinto ou sou sentido sentindo?
Existo ou sou existido existindo?

Que é pensar?
Que é sentir?
Que é existir?
SENTIR – PENSAR – EXISTIR

SER?

Tudo é mesmo que não seja.
Talvez seja enquanto é.
É enquanto sinto, penso e existo?
É enquanto está sendo, seja lá o que for.
Sendo não é momento do SER mesmo não sendo depois?

Sinto que existo pensando.
Penso que me sinto existindo.
Existo pensando e sentindo.
Existo sentindo que assim penso ser.

E SE ASSIM NÃO FOR?
Pelo menos estou sentindo que estou pensando que assim está sendo.

Willians Moreira

sexta-feira, 3 de julho de 2009

FILOSOFIA EM DOSES HOMEOPÁTICAS

Iniciamos aqui uma série de apresentações sobre filosofia. Nos vídeos aqui postados a filosofia estará voltada para um público não necessariamente acadêmico, porém objetivará os iniciantes no caminho do amor à sofia. Não haverá nenhuma preocupação com uma ordem didática. As apresentações acontecerão à medida que os interesses considerados se manifestarem.

Existencialismo de Jean Paul Sartre

Willians Moreira

quinta-feira, 2 de julho de 2009

PRINCÍPIOS NORTEADORES DA INTERPRETAÇÃO

 

Na ciência hermenêutica são estudados os princípios, as leis e as normas que regem a exegese. Como viés prático da interpretação, a exegese está condicionada àquela. Neste espaço dá-se atenção à hermenêutica de uma perspectiva o mais abrangentemente possível, tratando dos princípios mais gerais que dirigem a mente do teólogo na tarefa exegética.

Os princípios de interpretação, chamados aqui de "norteadores", são nomeados por Batista Mondin, em seu Antropologia Teológica, de "Princípios Supremos". Nesta abordagem, evita-se o adjetivo "supremo", visto haver no mesmo um grau de glamour desmesurado. O Adjetivo "norteador" parece mais adequado enquanto termo mais moderado, pois que se quer apenas passar a idéia do balizamento operado por tais princípios no ato do teologar exegético.

 

Princípios Norteadores são aqueles que dirigem conceitual e metodologicamente o intérprete no trabalho teológico-exegético. Especificamente, dois são os Princípios Norteadores: Arquitetônico e Hermenêutico. O primeiro possibilita o referencial teórico e o segundo, o referencial metodológico.

 

Princípio Arquitetônico

O Princípio Arquitetônico, em teologia, é um mistério fundamental da revelação que absorve a compreensão do exegeta. Aquela verdade da revelação que mais brilha na mente do teólogo. Uma verdade que faz o coração arder e ser cheio de alegria, além de direcionar o seu raciocínio conceitualmente. Dito assim parece enfocar um aspecto subjetivista; aliás, como ser absolutamente objetivo no ato da interpretação? Parece não haver método que libere o exegeta da participação de sua subjetividade no ato interpretativo.

O entendimento do Princípio Arquitetônico como "mistério" é passível de questionamento visto incorrer em um juízo relativo à condição particular de cada hermeneuta. Aquilo que para alguns pode ser considerado como "mistério", para outros pode ser considerado apenas como um assunto de difícil compreensão. E, neste caso, se dá não pelo assunto ser um "mistério" em si, mas por se tratar das limitações epistemológico-teológicas do tal intérprete. O fator "mistério" pode dever-se muito mais às limitações de quem estuda as supostas verdades da revelação, e não meramente ao fato de que a suposta revelação esteja "encoberta" por iniciativa do divino. "Mistério", portanto, apresenta-se com duas possibilidades de conceituação: a) um conhecimento não revelado integralmente pela divindade (mistério num sentido especificamente teológico); e b) um conhecimento meramente não alcançado no momento, por limitações de ordem puramente humana (mistério num sentido puramente epistemológico).

O Princípio Arquitetônico é elaborado a partir da revelação de Deus, tanto a partir da revelação natural, como a partir da revelação especial (Bíblia). As verdades da revelação que podem ser tidas como Princípios Arquitetônicos são: o amor de Deus, a sua misericórdia, a sua graça, a soberania divina, e outras verdades teológicas. Um teólogo poderá assumir a soberania de Deus como verdade fundamental do seu sistema teológico; outro poderá escolher o Cristo como lógos de Deus; outro escolherá a Igreja como seu Princípio Arquitetônico (princípio eclesiológico), etc. As possibilidades são praticamente infinitas, como infinitas são as verdades divinas. O Princípio Arquitetônico escolhido dirigirá conceitual e referencialmente a interpretação teológica, restringindo ou mesmo evitando uma visão por outro prisma; a não ser que o teólogo mude de princípio ou consiga conjugá-lo sinteticamente a outro princípio. Durante todo o processo teologal, o Princípio Arquitetônico, ou Perspectiva Teológica, mantém a mente do teólogo dirigida por uma consciência que reflete aquela verdade da revelação que mais lhe chama a atenção ou que mais lhe absorve o entendimento. Quer dizer que em toda reflexão teológica estarão sempre presentes as impressões de uma verdade bíblica que mais permeia e condiciona todo o teologar. Quando o teólogo aborda qualquer assunto da revelação, estará sempre a manifestar as diretrizes daquela verdade, daquele suposto mistério da revelação, que mais lhe domina a mente.

 

Princípio Hermenêutico

O Princípio Hermenêutico refere-se à Perspectiva Filosófica assumida pelo teólogo. Este é o princípio "ponte" entre o teólogo e os receptores de sua interpretação. É o terreno muitas vezes comum ao teólogo e ao receptor de sua interpretação. É o elemento cultural favorável ao diálogo teológico enquanto permite que a razão de ambos, teólogo e interlocutor, possa intercambiar-se nos assuntos da revelação.

Toda época é dominada por uma Perspectiva Filosófica comum aos seus contemporâneos. Mas não se deve esquecer que perspectivas filosóficas não comuns podem ser existenciadas à margem da perspectiva mais vigente. Um exemplo de perspectiva filosófica é o racionalismo de Descartes, vigente ainda na contemporaneidade. Daí muitos teólogos racionalistas ocuparem as fileiras do cristianismo no passado e em nossos dias. E isso acontece muitas vezes sem os próprios teólogos terem consciência da perspectiva filosófica dominante em seu trabalho. Em teólogos mais avisados existe uma consciência de sua situação filosófica. Até mesmo naqueles ditos fundamentalistas pode-se divisar a sua comunhão com uma perspectiva filosófica. O fato é que se torna praticamente impossível o teólogo esquivar-se dessa realidade metodológica.

Enquanto Princípio Hermenêutico, a Perspectiva filosófica remete-se ao elemento racional que dirigirá ou ditará o método a ser usado na reflexão teológica. Neste caso, a Perspectiva Filosófica apresenta o método que encaminha a Perspectiva Teológica ou Princípio Arquitetônico no teologar.

O Princípio Hermenêutico apresenta-se através de uma visão filosófica assumida pelo teólogo. Há várias opções de visão filosófica seguidas pelos teólogos; mesmo quando o teólogo não consegue criar uma visão filosófica própria. É impossível não haver escolha de um sistema filosófico como diretriz para o trabalho teológico. Mesmo que inconscientemente, o teólogo faz uma opção filosófica; e esta escolha não é absolutamente voluntária. A opção filosófica vai se apresentando na reflexão do teólogo à medida que este vai elaborando suas leituras, seus estudos. A partir de certo ponto da construção ou organização de um sistema teológico, torna-se nítida uma visão filosófica, cujo método de abordagem, indutivista, deducionista ou outro qualquer, caracterizar-se-á por traços de uma filosofia já existente ou de filosofia elaborada pelo próprio teólogo. Pode-se mesmo observar teólogo que se ajusta a uma visão filosófica já existente, mesmo que queira dela se esquivar. Paul Tillich opõe-se a Barth quanto à Perspectiva Filosófica, visto este rejeitar "a utilização da filosofia como princípio hermenêutico". No entanto, o mesmo Barth, em sua obra Die lehre vom Worte Gottes. Prolegomena zur christlicher Dogmatik , reconhece que Lutero e Calvino, dois adversários ferrenhos de qualquer emprego da filosofia na interpretação da Palavra de Deus, não puderam ler as Escrituras sem o auxílio dos óculos da filosofia. Ambos usaram óculos platônicos: com a única diferença de que os de Lutero eram neoplatônicos (Batista Mondin). Embora, estando Calvino na mesma linha de Agostinho, nada impede de vê-lo também como um possível neoplatônico.

Abordagens filosóficas assumidas por diversos teólogos: Hegelianismo, Platonismo, Aristotelismo, Kantismo, Existencialismo, Positivismo, Humanismo, Secularismo, Evolucionismo, Relativismo, Racionalismo, Ceticismo, Estoicismo, Epicurismo, etc.

A título de exemplo, se o Princípio Arquitetônico, ou teológico, escolhido for o amor divino, poderá haver escolha de um Princípio Hermenêutico que se adéque àquele. Talvez o Platonismo ou, quem sabe, o Existencialismo. Sendo o Kerigma, o Princípio Arquitetônico escolhido, poderá o Princípio Hermenêutico ser o Existencialismo Heideggeriano. É o caso de Rudolf Bultmann, dito literalmente pelo mesmo em seu Jesus Cristo e Mitologia.

No entanto, a ênfase de outrem poderá ser colocada no Princípio Hermenêutico, escolhendo-se um dos "ismos" apresentados ou outro qualquer. Um teólogo que escolhe como Princípio Hermenêutico o Relativismo poderá ter como Princípio Arquitetônico a transcendência divina e sua escapabilidade dos sistemas culturais humanos, podendo assim, interpretar a Bíblia com total liberdade de interpretação. Isto não significa necessariamente que o teólogo estará livre para fazer a Bíblia dizer o que ele quer que seja dito, mas antes que as Escrituras dizem aquilo que, pela pesquisa, o teólogo ficou convencido de que ela diz.

Vale observar que alguns teólogos são conduzidos preponderantemente pela perspectiva filosófica assumida por sua denominação religiosa, quer esta admita ou não o fato de sua opção filosófica.

O fato é que a compreensão que o teólogo tem da realidade, sua cosmovisão, sua perspectiva filosófica, dominará e até condicionará a interpretação teológica.

Permanece a impossibilidade de se escapar de ambos os princípios. Seja consciente ou inconscientemente, todos os teólogos encontram-se comprometidos com um Princípio Arquitetônico e com um Princípio Hermenêutico.

Willians Moreira

wmpresente@gmail.com