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terça-feira, 29 de setembro de 2009

BILLY GRAHAM NO VEL' D'HIV

Esse texto de Roland Barthes apresenta uma análise deveras contundente de um episódio caracterizadamente protestante, mas com seu paralelo em outras plagas religiosas. Vale a pena ler a crítica. Seria bom ler comentário sobre o este texto.
Willians Moreira
 
 

Tantos missionários nos contaram lá os costumes religiosos dos "Primitivos", que é pena que um feiticeiro papua não estivesse no Vel'd'Hiv' para nos contar, por sua vez, a cerimônia presidida pelo Dr. Graham sob o nome da campanha de evangelização. Temos aqui, no entanto, um belo material antropológico, que parece, aliás, ter sido herdado dos cultos "selvagens", visto que nele reencontramos nitidamente as três grandes fases de todo o ato religioso: a Espera, a Sugestão, e a Iniciação.

Billy Grafam demora: cânticos, invocações, mil pequenos discursos inúteis confiados a comparsas pastores ou a empresários americanos (apresentação do grupo: o pianista Smith, de Toronto, o solista Beverly, de Chicago em Ilinois, "artista da rádio americana que canta maravilhosamente o Evangelho"); toda uma encenação de charlatães precede o Dr. Graham que é mil vezes anunciado e não aparece nunca. Ei-lo finalmente, mas é só para transferir melhor a curiosidade, pois o seu primeiro discurso não é verdadeiro: prepara apenas a chegada da Mensagem. E outros intermédios prolongam ainda a espera, aquecem a sala, fixam antecipadamente a importância profética da Mensagem, que, segundo as melhores tradições do espetáculo, começa por tornar-se desejada para, em seguida, existir mais facilmente.

Pode reconhecer-se nesta primeira fase da cerimônia o grande poder sociológico da Espera, que Mauss estudou, e de que já tivemos em Paris um exemplo bem moderno nas sessões de hipnotismo do Grand Robert. Aí, também, se atrasava o mais possível a aparição do Mago, e criava-se no público, através de repetidas simulações, uma curiosidade perturbada, sempre disposta a ver realmente o que lhe fora prometido. Aqui, desde o primeiro minuto, Billy Graham é-nos apresentado como um verdadeiro profeta: suplica-se o Espírito de Deus que se digne baixar a ele, nessa noite em particular: é um Inspirado que vai falar, o público é convidado a assistir ao espetáculo de uma possessão: pede-se-lhe previamente que aceite como palavras divinas as palavras de Billy Graham.

Se Deus fala realmente pela boca do Dr. Graham, temos de reconhecer que Deus é surpreendentemente tolo: a Mensagem espanta pela sua chateza, pelo seu infantilismo. Em todo o caso, certamente, Deus abandonou o tomismo, e demonstra nítida aversão pela lógica: a Mensagem é constituída por uma infinidade de afirmações descontínuas lançadas ininterruptamente, sem nenhuma espécie de relação entre elas, e cujo conteúdo é apenas tautológico (Deus é Deus). O mais insignificante irmão marista, o pastor mais acadêmico, fazem figura de intelectuais decadentes perto do Dr. Graham. Alguns jornalistas, enganados pelo cenário huguenote da cerimônia (cânticos, reza, sermão, bênção) anestesiados pela compunção lenificante característica do culto protestante, louvaram o Dr. Graham e a sua equipe pela sua moderação: esperava-se um americanismo exacerbado, "girls", jazz, metáforas joviais e modernistas (mesmo assim, sempre houve, duas ou três). Sem dúvida Billy Graham depurou a sessão de todo e qualquer pitoresco, e os protestantes franceses puderam recuperá-lo. Apesar de tudo, o "gênero" Billy Graham rompe com toda uma tradição do sermão, católico ou protestante, herdada da cultura antiga, que só funciona em termos de persuasão. O Cristianismo ocidental sempre se submeteu, em seu método expositivo, ao quadro geral do pensamento aristotélico, sempre aceitou colaborar com a razão, mesmo quando se tratava de inspirar confiança no irracional da fé. Rompendo com séculos de humanismo (mesmo apesar de suas formas terem sido ocas e rígidas, a preocupação de um outrem subjetivo raramente esteve ausente do didatismo cristão), o Dr. Graham apresenta-nos um método de transformação mágica: substitui a persuasão pela sugestão: a violência e intensidade da declamação, o expulsar sistemático de todo o conteúdo racional da proposição, a ruptura incessante dos encadeamentos lógicos, as repetições verbais, a designação grandiloquente da Bíblia erguida na ponta dos dedos como o abre-latas universal de um "camelot" e sobretudo a ausência de calor humano, o desprezo manifesto pelo outro, todas estas operações fazem parte do material clássico da hipnose de music-ball: repito, não existe nenhuma diferença entre Billy Graham e o Grand Robert.

E da mesma forma que o Grand Robert terminava o "tratamento" do seu público por uma seleção particular, distinguindo e chamando ao palco os eleitos da hipnose, confiando a alguns privilegiados o encargo de manifestar um adormecimento espetacular, assim Billy Graham coroa a sua Mensagem por uma segregação material dos "Chamados": os neófitos que essa noite no Vel'd'Hiv', entre os anúncios publicitários da Super-Dissolução e do Cognac Polignac, "receberam Cristo" sob a ação da Mensagem mágica, são conduzidos a uma sala à parte, e mesmo a uma cripta ainda mais secreta, se forem de língua inglesa: pouco importa o que lá se passa, inscrição nas listas de conversão, novos sermões, entrevistas espirituais com os "conselheiros", ou peditórios: este novo episódio é o ersatz formal da Iniciação.

Tudo isto nos diz respeito muito diretamente: para começar, o "sucesso" de Billy Graham manifesta a fragilidade mental da pequena burguesia francesa, classe onde se recrutou, ao que parece, a maioria do público dessas sessões: a plasticidade de adaptação deste público a formas de pensamento alegóricas e hipnóticas sugere que existe neste grupo social aquilo a que se poderia chamar uma situação de aventura: uma parte da pequena burguesia francesa já nem é protegida pelo seu famoso "bom-senso", que é a forma agressiva da sua consciência de classe. Mas não é tudo: Billy Graham e a sua equipe insistiram fortemente, e por diversas vezes, no objetivo desta campanha: "desperta" a França ("Vimos Deus fazer grandes coisas na América; um despertar de Paris teria uma influência imensa sobre o mundo inteiro" – "Nosso desejo é que alguma coisa aconteça em Paris, que tenha repercussões sobre o mundo inteiro"). Obviamente tal óptica é idêntica à de Eisenhower nas suas declarações sobre o ateísmo dos franceses. A França existe para o mundo pelo seu racionalismo, sua indiferença à fé, pela irreligião dos seus intelectuais (tema comum à América e ao Vaticano; tema, aliás, já muito batido): é deste pesadelo que se torna necessário arrancá-la. A "conversão" de Paris teria evidentemente o valor de um exemplo mundial: o Ateísmo abatido pela Religião no seu próprio covil.

De fato, sabemos que se trata de um tema político: o ateísmo da França só interessa a América porque, para ela, ele constitui a primeira etapa para o Comunismo. "Despertar" a França do ateísmo é despertá-la do fascínio comunista. A campanha de Billy Graham foi apenas um episódio maccarthista.

 

BARTHES, Roland. Mitologias. 10 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. 192p.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

IMPOSSIBILIDADES VERSUS LIBERDADE

Se a todos fosse dada a oportunidade de voltar no tempo, com a possibilidade de interferir no seu próprio destino, provavelmente a maioria aceitaria a oportunidade. Quantos, se voltassem ao passado para retomarem a caminhada, não mais casariam com a mesma pessoa, não morariam em certos lugares que moraram, não mais escolheriam a mesma profissão, não mais iriam a certos lugares que foram, não tomariam certas decisões que até hoje refletem seus resultados indesejáveis? É verdade que algumas realidades podem ser revertidas, mas e o tempo que se perdeu? Esse é irrecuperável.

Em alguns mais, em outros menos, o fato é que nos machucam profundamente algumas reminiscências quando não as podemos depurar.

Todos nós temos algo que gostaríamos que fosse mudado em nossa vida; disso nós não podemos escapar.

Acontece um transtorno em nossas emoções quando deixamos que frustrações se acumulem em nossas lembranças. Remoer, murmurar sobre alguma coisa é como uma coceira... quanto mais se coça mais se deseja coçar! E quando menos esperamos, a ferida está feita!

A vida não é como certos jogos que podemos sempre reiniciar. Para muitos, a vida é como um jogo de uma única partida. Perdeu; perdeu. Ganhou; ganhou. Na verdade, nós nos condicionamos ou fomos condicionados a nos vermos assim: como perdedores ou ganhadores. Talvez isso explique porque há tanta competição entre os humanos. Isso é determinado pela cultura ou é resultado da própria natureza? O fato é que algumas jogadas, neste jogo de uma única partida, até que podem ser revistas e refeitas; no entanto, a partida é uma só; com vitória ou derrota; uma ou outra, quem identifica o nosso caso? Pensando, porém, pelo prisma de que algumas jogadas podem ser revistas e refeitas, acredito ser possível que novas medidas sejam tomadas; medidas essas que, sem dúvida, mudarão o rumo do jogo.

É preciso muita vontade e coragem para que revisões e mudanças sejam realizadas. Há humanos que se lançam nestas investidas de mudanças. Há aqueles que desfazem casamentos e aventuram-se novamente. Há aqueles que mudam de profissão. Há aqueles que mudam de fé. Há os que mudam de emprego. Há sempre alguém disposto a fazer algo por si quando descobre um sentido mais amplo do que seja liberdade.

Parece que muito do que somos se processa no âmbito da consciência do que seja liberdade. Pode ser uma questão de conceito. Alguns se sentem livres para começar tudo de novo, mesmo que para isto tenham que arcar com consequências às vezes cruéis. Outros não são tão corajosos. Muitos, em virtude de certa consciência ética, conformam-se em suportar amarguras, visando não prejudicar a outros. Permanecem como escravos de circunstâncias extremamente doentias, conseguindo, sabe-se lá como, adquirir certa tolerância a uma má fortuna.

No entanto, como todo conceito é passível de revisão, desenvolvimento ou abandono, e levando-se em consideração que a vida nos prega peças que podem mudar-nos da noite para o dia, é possível que encontremos quem aja do modo como nunca esperaríamos.

O enfoque está na nossa compreensão do que seja liberdade e também no nível de liberdade que nos permitimos.

Entra aqui uma reflexão superlativamente revolucionária: Qual a compreensão que temos do que seja liberdade e qual é o nível de nossa liberdade em face desta compreensão?

Desde que nascemos, são-nos impostos limites com os quais haveremos de conviver por muito tempo, se não por toda a nossa vida. A família, a escola, a igreja, o Estado, os amigos, etc., transmitem-nos parâmetros que incorporamos em nossa visão de mundo e de relacionamento. Generalizadamente, passamos pela vida presos a toda uma herança cultural que nos condiciona a certas ações e reações. Fugindo da generalização, há muitos que conseguem reavaliar essa herança cultural, construindo novos rumos para a sua vida. Aqui se encontra a diferença entre muitos: os que aprendem a viver por si e os que não conseguem libertar-se de certas amarras culturais.

A luta começa quando nos defrontamos com situações em que surge a necessidade de refletirmos a diferença. Uns conseguem superar-se; outros continuam acomodados ou aprisionados.

Uma contingência humana que interfere poderosamente em nossas decisões é o medo. O medo tolhe, no mais das vezes, a busca da liberdade, levando-nos a ter medo do que os outros irão pensar, do que nossas ações poderão causar aos outros, principalmente aos que amamos. Temos medo de perder algo ou alguém que julgamos extremamente significante. Temos, às vezes, medo de um futuro incerto. Justificamos as nossas recalcitrações citando o ditado: "Mas vale um pássaro na mão do que dois voando". E, por isso, muitos continuam a sua vidinha sôfrega e aprisionada, suportando amarguras.

Há, sem dúvida, realidades às quais não podemos aplicar mudanças. No entanto, no mais das vezes, podemos recomeçar, apesar do tempo perdido. A questão é: assumimos ou não a liberdade de recomeçar?

Impossibilidades podem ser apenas uma questão de visão. O nível da consciência que temos de nossa liberdade poderá fazer a diferença consideravelmente.

Willians Moreira

A REALIDADE DO CASAMENTO


Observação: Escrevi este texto em 2001, 25 de junho, às 14:00 horas. Encontrei em um DVD que estava guardado faz muito tempo. Relendo-o, observei que não alteraria coisa alguma no mesmo e resolvi colocá-lo neste Blog. Depois dos depoimentos, vem então o meu comentário. Aguardo seu comentário também. Boa leitura!


 

                Passando uma vista nos textos que recebo via Internet e outros que por lá encontro, há um que faz uma descrição bem caótica da relação afetiva entre os sexos e que representa, sem dúvida nenhuma, a visão de muita gente.

 

Leia abaixo o que o texto diz:

CASAMENTO

 

Cuidado para não cair nessa!!!

 

FLERTE

 

Quando ela é toda sorriso, você cheio de nove-horas e gentilezas, fica naquela conversa mole por mais de 10 minutos, ri de qualquer merda que ela fala, e quando ela anda, você crava os olhos naquele belo traseiro, imaginando... Isto é um flerte. Este relacionamento só tem vantagens. Você a chama para sair, é super-legal, a noite toda é só risadas e bons momentos. Depois do primeiro amasso, isto vira um...

 

CASO

 

Grande estágio! Começa a rolar um sexozinho, mas nada muito adiantado, no máximo um sexo oral, afinal "Eu não sou qualquer uma". Daí já pinta aquele negócio de ligar um pro outro a cada quinze minutos, sair mais constantemente, rola um "Temos um relacionamento...". Ainda é bom, mas já começa a haver uma cobrança. Afinal, "Eu não sou como as outras garotas que você já teve". Se durar mais de um mês, já é um ...

 

NAMORO

 

O que significa um NAMORO? Você acaba de assinar um contrato de exclusividade. Isto significa que você não pode mais comer ninguém além dela, nem mesmo dar uns beijinhos. Você tem que ligar TODO dia para ela, senão... Sair sábado com os amigos? Esqueça! "Ah, você quer ir para a PUTARIA com aqueles seus amigos galinhas? Você pensa que eu sou idiota? "Tem que ir ao aniversário daquele panaca do primo dela, não pode mais ter amigas: "Aquela galinha tá dando em cima de você, pensa que eu não vejo?", "Onde você foi ontem, que chegou tarde? Liguei para a sua casa e você não estava!". Nesta fase você já está apaixonado pra caralho e aceita tudo que ela fala e ainda acha certo! Você começa a viver em função dela. Só faz o que quer se ela tiver outra coisa para fazer. Aí aquela deusa maravilhosa, mulher da sua vida, linda e desejada, a mais perfeita descrição de um ser humano, tira da bolsa um cabresto, põe em você, pega o chicote, coloca as esporas e monta. Daí você está ferrado. Se deixar na primeira vez, arrebentou-se! Nunca mais consegue voltar ao que era antes. Vai se sentir mal, desanimado, triste, mas vai continuar porque você gosta dela. É só uma questão de tempo e começam os papos "Quando nós vamos comprar as alianças?" Vocês vão sair para ver móveis, assim como quem não quer nada... E já é um ...

 

NOIVADO

 

Só falta oficializar, já dançou. Se comprometeu com Deus e o mundo, se não casar, fica com fama de hipócrita, sem-vergonha, só queria se aproveitar da coitadinha. Você é um babaca. Devia ter parado lá em cima, enquanto estava comendo sem problemas. Se você chegou até aqui e nunca achou nada de errado...

 

CASAMENTO

 

E aconteceu. Muito bom, vida a dois, estável, só se preocupando em ganhar dinheiro para dar uma boa vida para ela e as crianças. Muito bem, mas e quanto ao SEXO???... É, o sexo cai barbaramente. Aquele tal negocio de "Hoje não amor, estou com dor de cabeça". Nem parece aquela tarada com quem você namorava, lembra? Transavam no carro, na casa dos pais dela, no cinema, praia, de pé, em qualquer lugar. Era tesão que não acabava mais. Qual foi a última vez em que vocês foram a um Motel? Nem lembra, né ? Pois é, devia ter parado antes! Agora dançou. O negócio é ir levando ..."

 

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Qual a sua impressão depois desta leitura?

Agora leia os dois depoimentos que selecionei sobre casamento e continue a sua reflexão.

COMO FAZER UM CASAMENTO FELIZ?

O ator Tony Ramos e o apresentador Eliakim Araújo contam suas experiências com casamentos bem-sucedidos:

Tony Ramos é casado com Lidiane Barbosa há 27 anos. Atualmente, protagoniza a peça "Cenas de um Casamento", em cartaz até dezembro na Sala São Luiz, em São Paulo (Na época em que recolhi estes textos).

Tony Ramos: "Muitos chamam o casamento de instituição. Eu prefiro chamar de amor que pinta espontaneamente. Há casamentos que dão certo e outros que não dão. Para mim o casamento não foi instituído e, sim, aconteceu para que eu o vivenciasse. Vale a pena."

Eliakim Araújo, marido de Leila Cordeiro, com quem divide a apresentação do Jornal do SBT (Na época...):

"Costumo dizer que não há nenhuma fórmula mágica para se manter um casamento duradouro e feliz. Acima de tudo, é preciso encontrar sua alma gêmea, aquela pessoa que lhe complete e se torne sua cúmplice para o resto da vida. Se você encontra a pessoa certa, tudo fica mais fácil. No nosso caso, fizemos uma opção madura. Deixamos para trás casamentos esvaziados, para assumir uma nova postura de vida.

Se pudéssemos resumir em três palavras, um casamento para dar certo tem de se basear na amizade, lealdade e respeito.

O "ficar junto" num casamento feliz tem de ser natural. Nada de cobranças ou impedimentos. A paixão precisa estar sempre presente e fazer dos dois eternos namorados, sentindo as emoções de cada momento como se fossem as primeiras".

 

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Muito bem! O que você pensa disso tudo?

 

O escritor Irvin D. Yalom, psicoterapeuta e professor de psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, no seu livro-romance: QUANDO NIETZSCHE CHOROU, logo no primeiro capítulo, finalzinho, põe nos lábios da personagem Lou Salomé as seguintes palavras: "... para mim a palavra "dever" é pesada e opressiva. Reduzi meus deveres a apenas um: perpetuar minha liberdade. O casamento e seu séquito de possessão e ciúme escravizam o espírito. Eles jamais me dominarão."

O historiador Will Durant, no seu livro: A HISTÓRIA DA FILOSOFIA, quando se refere ao casamento de um dos discípulos de Platão (Cap. I, último §), textualmente ele diz: "Um de seus discípulos, enfrentando esse grande abismo chamado casamento, convidou o Mestre para a festa de suas bodas."

O escritor Cecil Osborne, no seu livro: A ARTE DE COMPREENDER O SEU CÔNJUGE, cita uma máxima sugestiva para o momento: "Casamento é como uma fortaleza sitiada: os que estão fora querem entrar; os que estão dentro querem sair".

No mundo atual, como em outras épocas de mudanças consideráveis para a humanidade, temos visto que esta instituição humana tem passado por um revés considerável em relação ao ideal prescrito e ratificado pela religião. A instituição do casamento tem passado por uma crise que, segundo estatísticas e pareceres dos gamólogos, vai redundar numa transformação fenomenal. Os casais que são considerados exemplos do padrão de casamento bem sucedido são exemplares em extinção. Um novo padrão de casamento está sendo formado e, com mais alguns decênios, teremos novas feições deste tipo de relação humana. Aquela conversa de "casamento fracassado" vai ficar apenas na história. O que vai existir, se já não é compreensão de muitos, é o entendimento de que o relacionamento chamado casamento, para muitos pura legalização do ato sexual, é uma realidade puramente sociocultural, sem relação com dimensões místico-religiosas e que pode ser desfeita tão comumente quanto qualquer outro relacionamento humano. O fato é que numa sociedade em processo acelerado de secularização, o casamento está, cada vez mais, libertando-se do controle religioso. Controle este que impõe uma marca psicológica de profunda dor emocional sobre aqueles que entendem e reconhecem a necessidade da separação conjugal. Com as transformações pelas quais o mundo tem passado, os esquemas fixos e precisos que regulavam o casamento perderam a sua rigidez. A criação de um novo direito familiar, o movimento feminista, a ascensão da mulher a postos antes ocupados somente pelo homem e outros fatores externos ao casamento contribuíram para uma nova disposição, de certo modo, arredia quanto à visão ortodoxa de sociedade conjugal. Além desta realidade externa, existem fatores desagregantes internos do casal (a perda de intensidade e calor emotivos, a insatisfação sexual, o esmorecimento do prazer de estar juntos, a perda da capacidade de comunicação, etc) que, vinculados aos estímulos externos, motivam a disposição para o "se não der certo, acaba...".

O que fazer diante de tão verossímil realidade?

Acredito que, a princípio, faz-se necessário um estudo mais profundo sobre as medidas a serem tomadas. Isso assim, em virtude de que não é salutar querer a todo custo salvar um modelo de ação humano se este não é mais eficaz para a condição atual da humanidade. Até porque as forças que movem o Homem não advêm do casamento em si, mas este é também resultado das mudanças mundanas mais abrangentes e ingerentes em instituições condicionadas como é o caso do casamento.

Se você que está lendo estas linhas há muito está casado, viva! Se já não mais está, a vida continua... E continua com novas perspectivas que antes não lhe eram acessíveis. Só não vale nutrir em si uma disposição pessimista como se as possibilidades de se alcançar realização a dois se reduzissem a uma única experiência, supostamente "fracassada" na compreensão retrograda e pueril de alguns seguimentos da sociedade, condicionados que estão por uma visão medievalesca e burguesa do casamento.

Seja bem feliz, a despeito de qualquer que seja a sua condição face ao casamento.

Willians Moreira

terça-feira, 15 de setembro de 2009

THOMAS KUHN E A ATIVIDADE CIENTÍFICA

 

A visão Kuhneana revolucionou o debate filosófico quanto à compreensão do trabalho científico. A fama trouxe também a crítica. Kuhn veio a ser criticado por profissionais de outras áreas da ciência, em virtude de sua exclusão das ciências humanas do campo científico.

Um aspecto curioso na abordagem kuhneana é que toda a sua exposição da atividade científica faz lembrar os procedimentos de instituições religiosas.

Após descrever, resumidamente, a compreensão de Thomas Kuhn sobre a ciência, em função da leitura dos capítulos I, II, e III do livro "A Estrutura das Revoluções Científicas", esta abordagem deter-se-á numa discussão sobre as questões do "paradigma" e da "ciência normal" na compreensão de Kuhn, refletindo sobre o aspecto subjetivo que envolve a aceitação de um modelo científico por parte do cientista.

 

Kuhn e a ciência

A abordagem kuhneana está em contraste com outras teorias da ciência. Na verdade é uma crítica a abordagens como o Indutivismo, como método tradicional mais conhecido, e o Falsificacionismo, abordagem metológica desenvolvida por Karl Popper.

A visão de que a ciência não se desenvolve por via acumulativa e continuamente, antes cresce descontinuamente, por "saltos" qualitativos, mediante revoluções, apresenta-se em toda a abordagem do texto "A Estrutura das Revoluções Científicas". Para Kuhn, o que acontece na ciência são mudanças de paradigma. A compreensão de paradigma em Kuhn está associada ao "salto" qualitativo. Estes "saltos" acontecem naqueles períodos em que os princípios já estabelecidos são questionados e confrontados com novas possibilidades de compreensão dos fenômenos da natureza.

Nos primeiros estágios de qualquer ciência há divergências entre as interpretações científicas, mas essas divergências desaparecem em grau considerável. O desaparecimento das divergências deve-se ao triunfo de uma das escolas pré-paradigmáticas, a qual, devido a suas crenças e preconceitos característicos, enfatizava apenas alguma parte especial do conjunto de informações demasiado numeroso e incoativo (KUHN, 1978, Pág. 37).

            A visão kuhneana da ciência é cíclica (pré-ciência – ciência normal – crise-revolução – nova ciência normal – nova crise). O ciclo envolve o surgimento do paradigma, seu estabelecimento, sua crise e seu deslocamento de vigência.

O trabalho do cientista está vinculado a modelos que o condicionam a resultados, de certo modo, esperados. O conhecimento destes modelos não exige um conhecimento formal do paradigma que está por trás do mesmo. Segundo Kuhn, as características "que proporcionaram o status de paradigma comunitário a esses modelos" (KUHN, 1978, pág. 70), não precisam ser conhecidas pelo cientista.

            Um aspecto instigante da abordagem kuhneana é o que permite uma relação entre a subjetividade do cientista e a subjetividade do religioso. Da mesma forma que o cientista compromete-se com um corpo de crença, o qual é seguido em toda a sua prática, o procedimento religioso, semelhantemente, compromete-se com um corpo teológico-doutrinário ao qual o religioso converteu-se e com o qual está comprometido. Assim, desde que o cientista está comprometido com um corpo de crenças (à semelhança do religioso), pode-se questionar sobre até que ponto a razão é fator principal na empreitada científica.

A observação acima é importante comentar, pois que, ao comparar a "conversão científica" com a "conversão religiosa", Kuhn fá-lo de modo abrangente. Objetivamente, Kuhn ao pensar em "conversão científica", parece entender que o "carro chefe" do processo é a discussão racional. Na "conversão religiosa" o "carro chefe" do processo nem sempre é uma controvérsia teórico-racional. Muitos outros fatores entram em jogo. Na mudança de paradigma científico fica estampado o aspecto racional, mesmo que Kuhn assevere que muitos motivos estejam em campo (KUHN, 1978, pág. 158).

Como não poderia deixar de acontecer, o envolvimento com um modelo de interpretação da realidade limita a capacidade de percepção por parte do cientista. O treinamento recebido condiciona a visão do paradigma, em alguns casos não deixando espaço para o aspecto crítico. Isso pode explicar o surgimento da crise em função do aparecimento de outra teoria aspirante a ser paradigma. Segundo Chalmers, "o cientista não estará cônscio da natureza precisa do paradigma em que trabalha e não será capaz de articulá-la". (CHALMERS, 2001, pág. 128).

A visão kuhneana aplica-se bem às ciências naturais, mas não às ciências humanas. Se uma ciência não se adapta à teoria kuhneana não é ciência. Questiona-se: por que dar hegemonia a uma teoria em detrimento de uma prática? Tal exaltação da teoria é sinônima de atitude absolutista ante àquelas ciências que não se enquadram no padrão kuhneano. Essa limitação de visão de Thomas Kuhn compromete a sua teoria, pois que visa a colocar em "leito de procusto" um fenômeno complexo, que é o fazer científico. Tanto assim que outros teóricos não concordam com Kuhn, pois que limitar a ciência apenas ao campo da natureza, renegando as ciências humanas, é presunção estúpida e reducionista, que revela, por sua vez, querendo ou não, a pretensão kuhneana de que sua compreensão seja absoluta.

 

O paradigma Kuhneano

O termo paradigma "sugere exemplos aceitos na prática científica real que proporcionam modelos dos quais brotam as tradições coerentes e específicas da pesquisa científica" (KUHN, 1978, pág. 30). Paradigma é um modelo ou padrão aceito.

Para Kuhn, o paradigma constitui-se de princípios, teorias, conceitos básicos e metodologias que passam a orientar toda a investigação e prática científica.

Segundo Thomas Kuhn, o historiador descreve tradições científicas "com rubricas como: "Astronomias Ptolomaica" (ou "Copernicana"), "Dinâmica Aristotélica" (ou "Newtoniana"), "Óptica Corpuscular" (ou "Óptica Ondulatória"), e assim por diante" (KUHN, 1978, pág. 30). Como no campo científico, o fenômeno religioso também passa por rubricações. São as tantas denominações dos ramos do cristianismo, por exemplo: "Catolicismo Romano", "Protestantismo", "Anglicanismo", "Luteranismo", etc. esses ramos do cristianismo têm seus paradigmas teológicos com os quais estão comprometidos e em face dos quais atuam e dirigem sua compreensão da realidade humana. Esses paradigmas teológicos são usados para darem respostas aos problemas da humanidade, o que é também tarefa da ciência, enquanto orientada por seus paradigmas.

Para Kuhn, "o estudo dos paradigmas [...] prepara basicamente o estudante para ser membro da comunidade científica" (KUHN, 1978, pág. 30). Como acontece com toda e qualquer preparação, o condicionamento é inevitável.

Dá-se o mesmo com os aspirantes à atividade teológica em compromisso com uma denominação religiosa. Para se tornar líder religioso em um ramo do cristianismo faz-se necessário aderir a um paradigma de crenças que pode muito bem ser comparado com o paradigma de Kuhn.

Segundo Kuhn, "a aquisição de um paradigma [...] é um sinal de maturidade no desenvolvimento de qualquer campo científico que se queira considerar" (KUHN, 1978, Pág. 31). Pode-se dizer, no entanto, que também não deixa de ser um fator de limitação de perspectivas. Um paradigma aponta sempre para direções que o seu concorrente não apontará. E como garantir que o paradigma concorrente não levaria a progressos outros se devidamente explorado?

Pode um paradigma ter tanto governo sobre a comunidade científica quanto Kuhn o deseja? Ora, vários grupos de cientistas podem fazer usos diferentes de um paradigma em função de interpretações as mais diversas do próprio paradigma vigente. Como também grupos diferentes de cientistas podem seguir paradigmas diversos. Isto é importante frisar. Uma vez que a comparação com a "conversão religiosa" foi feita, sabe-se que uma religião pode possuir um paradigma doutrinário, mas as interpretações e práticas vinculadas ao mesmo paradigma teológico podem variar de maneira inusitada. Essa variação, e mesmo mudança, leva a uma evolução e até mesmo a uma transformação do suposto paradigma, não se percebendo crise alguma nesse transcorrer dos fatos. Crises acontecem, como também outras formas de crescimento, tanto na ciência como na religião, não se justificando assim uma única compreensão de como a ciência se desenvolve. Portanto, não há um império absoluto de um único paradigma. Talvez no passado isso fosse mesmo possível. Mas hoje, com o pluralismo de abordagens científicas se desenvolvendo, fica improvável que um único paradigma consiga ser reinante de modo absoluto.

O termo "conversão", apresentado por Kuhn para nomear o fenômeno que acontece quando um cientista muda de paradigma, sugere mesmo uma atitude religiosa. Kuhn diz textualmente:

 

Quando pela primeira vez no desenvolvimento de uma ciência da natureza, um indivíduo ou grupo produz uma síntese capaz de atrair a maioria dos praticantes de ciência da geração seguinte, as escolas mais antigas começam a desaparecer gradualmente. Seu desaparecimento é em parte causado pela conversão de seus adeptos ao novo paradigma. Mas sempre existem alguns que se aferram a uma ou outra das concepções mais antigas; são simplesmente excluídos da profissão e seus trabalhos são ignorados. O novo paradigma implica uma definição nova e mais rígida do campo de estudos. Aqueles que não desejam ou não são capazes de acomodar seu trabalho a ele têm que proceder isoladamente ou unir-se a algum grupo (KUHN, 1978, pág. 39).

 

Podem ser vistos aqui dogmatismo e segregacionismo, comuns em instituições religiosas, impregnados no fazer científico.

Os conceitos de "Paradigma" e "Ciência Normal" são conceitos fundamentais na teoria kuhneana. No livro "A Estrutura das Revoluções Científicas", paradigma é um termo "estreitamente relacionado" com "ciência normal". "Ciência normal, atividade na qual a maioria dos cientistas emprega inevitavelmente quase todo seu tempo, é baseada no pressuposto de que a comunidade científica sabe como é o mundo" (KUHN, 1978, pág. 24). Com esta compreensão, Kuhn entende que o paradigma estará sempre controlando, dirigindo a "ciência normal". O paradigma estabelece modelos de práticas que suscitarão tradições de pesquisa científica. "A pesquisa científica normal está dirigida para a articulação daqueles fenômenos e teorias já fornecidos pelo paradigma" (KUHN, 1978, pág. 45).

Só a existência de um paradigma determina o que é e o que não é ciência. Sem paradigma não há ciência (KUHN, 1978, pág. 32)

Há uma competição entre o paradigma vigente e paradigmas outros que vão aparecendo. Aquele que se impõe, passa a ser seguido pela comunidade científica.

O empreendimento da ciência normal "parece ser uma tentativa de forçar a natureza a encaixar-se dentro dos limites preestabelecidos e relativamente inflexíveis fornecidos pelo paradigma" (KUHN, 1978, pág. 45). Kuhn faz lembrar a ação de denominações religiosas, que, geralmente, não aceitam mudanças em sua teologia já previamente estabelecida. Na verdade, qualquer teólogo que sair dos limites preestabelecidos pelo dogma, corre o perigo de ser marginalizado pelos colegas. Os cientistas tendem a ser dogmáticos quanto a sustentarem o paradigma por eles aceito. "[...] aqueles que não se ajustam aos limites do paradigma freqüentemente nem são vistos" (KUHN, 1978, pág. 45).

Da mesma forma que "abandonar o paradigma é deixar de praticar a ciência que este define" (KUHN, 1978, pág. 55), abandonar uma crença paradigmática de uma determinada religião é sujeitar-se a ser visto como apóstata.

A compreensão de Kuhn prescreve que quando um cientista não consegue resolver um problema científico, o fracasso é do cientista e não do paradigma. Tal postulação é questionável pois que paradigma é esse que não é passível de erro? Isso é pura absolutização do paradigma. Ora, se há anomalias num paradigma, como Kuhn assim o reconhece, então ele pode estar errado. Por qual prisma um paradigma pode ser considerado absoluto? Parece que será sempre do prisma do pesquisador que o aceita. Que pesquisador não é passível de contradições? Kuhn resolve esta questão fazendo uma analogia com o trabalho do carpinteiro. Caso o cientista culpe o paradigma por qualquer fracasso em resolver um problema, estará aberto às mesmas acusações que um carpinteiro que culpa suas ferramentas. O paradigma é apenas um instrumento de trabalho. Mas parece ter um poder quase que absoluto. E se essa analogia for levada mais adiante, pode-se dizer que ferramentas são passíveis de limitações à medida que novas demandas de ação funcional são exigidas em determinada tarefa. As ferramentas do homem das cavernas são obsoletas para o homo sapiens.

Quando a crise ataca um paradigma, significa que o mesmo não está suportando os fracassos aos quais está sendo submetido. Uma vez que um paradigma tenha sido enfraquecido e solapado a tal ponto que seus proponentes percam a confiança nele, chaga o tempo de revolução.

            É nesse tempo de crise que a possibilidade de mudança se estampa. Nessa crise o argumento lógico não é páreo para tantos e tantos motivos que forçam o cientista a uma mudança. Alegar a superioridade de um paradigma concorrente em função de uma análise lógico-racional é mera ilusão. Na verdade, há fatores de ordem social e política que forçam a "conversão", e esses fatores são mesmo bem mais incisivos do que o aspecto racional. Segundo Chalmers, "o fato de estar envolvida uma variedade de fatores no julgamento que um cientista faz dos méritos de uma teoria científica", a sua decisão estará subjugada à prioridade que o mesmo dá aos tais fatores (CHALMERS, 2001, pág. 132).

Com essa abordagem não se quer dizer que uma "conversão" é meramente algo destituído do racional. Evidente que em muitos casos o aspecto racional não é levado em consideração. No entanto, as nuances teórico-doutrinárias são levadas em consideração em muitos casos e o aspecto racional pode ser consideravelmente determinante. Parece que exigir que uma mudança de paradigma na ciência seja puramente racional é algo ilusório, pois sabemos que em toda e qualquer decisão ou mudança humana estão envolvidos fatores de ordem as mais diversas.

Por fim, pode ser dito que todo o pensamento de Kuhn é trabalhado com suporte de reflexão sociológica. A comunidade científica está em primeiro plano nas considerações sobre um paradigma. Um paradigma se impõe mediante uma convenção da comunidade científica. Transparece em Kuhn uma pretensão de que sua teoria seja absoluta a ponto de que ciências não naturais estejam fora do escopo do verdadeiramente científico. O "paradigma" não é absoluto na direção da ciência. O fazer científico é um fazer humano tão comprometido com fatores outros que não somente o racional quanto qualquer outro fazer humano. Por mais que se exija uma racionalidade do cientista, este não se livrará de uma subjetividade caracteristicamente religiosa em relação ao paradigma por ele assumido. Esse fato pode revelar o caráter totêmico da ciência, buscando-se nela uma salvação de problemas humanos.

 Willians Moreira

Referências bibliográficas

CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal?. São Paulo. Editora Brasiliense, 2001. 223 Págs.

KUHN, Thomas S., A estrutura das evoluções científicas. São Paulo. Editora Perspectiva, 1978. 261 págs.