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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

TENSÃO ENTRE PODER E LIBERDADE EM HEGEL


A compreensão da tensão entre Poder e Liberdade em Hegel pode ser apreendida pela compreensão de sua dialética. A dialética hegeliana pode ser explicada como um processo ordenado em que uma tríade de conceitos ou fenômenos interagem, dando sempre origem a um novo processo triático. A primeira fase do processo é o momento da tese. Um conceito que entrará em tensão com um segundo conceito (antítese), surgindo desta tensão-interação a terceira fase, chamada síntese. Esta, por sua vez, ocasiona o início do novo processo triático.

Dito isto, pode-se pensar nos conceitos de liberdade e poder para Hegel. A liberdade hegeliana é a essência do Espírito. Em outras palavras, liberdade é o automovimentar-se do Espírito (DRAY, 1997, pág 98). A liberdade é a única verdade do espírito (HEGEL, 1995).

O desenvolvimento do Espírito em direção à consciência de si na história do mundo é o desenvolvimento para uma liberdade sempre mais pura. A história narra o progresso da liberdade. Um progresso que segue um movimento dialético, fundado na tensão ocasionada pela luta dos povos históricos. Essa luta dos povos históricos é responsável pelo desenvolvimento da liberdade do Espírito, consequentemente, também da liberdade dos indivíduos.

A liberdade como objetivo do Espírito, concretiza-se no Estado. O Estado é “o próprio núcleo da vida histórica” (texto 32). O Estado ou Cultura Nacional exerce suas leis como expressão da Razão Universal ou Vontade do Espírito. Ao indivíduo é facultado usufrui da liberdade na medida em que obedece ao Estado, que é o “lócus” da liberdade.

O Estado em Hegel é apresentado como uma realidade absoluta, “a mente absoluta e infalível que não reconhece regras abstratas de bem e de mal...”. Isso explica o seu poder sobre agentes individuais, tratando-os como mera relva a ser pisada, se necessário.
A liberdade que os indivíduos usufruem na obediência ao Estado é uma liberdade individual. Esta Liberdade não possui a mesma dimensão da liberdade do próprio Espírito. A liberdade deste é resultado da ação política dos povos históricos. Estes povos criam o Estado. Os cidadãos, em sua particularidade, não fazem o universal. Só o Estado possui a universalidade, a do Espírito. O Estado é a concretização do Espírito. Por ser esta concretização do Espírito, a liberdade passa a ser também a sua essência. É assim que o Estado pode praticar o seu auto-movimento e estabelecer sua leis, leis estas que estabelecerão a própria liberdade, por serem, elas mesmas, leis do Espírito. A não obediência à lei do Estado ocasiona uma tensão que pode desembocar na punição dos desobedientes, ou na busca de leis outras que apontem ou estabeleçam um outro paradigma de Estado que, por sua vez, expresse uma nova gradação da liberdade. Este desenvolvimento ou este alcance de nova gradação da liberdade é possibilitado por homens que são instrumentos do Espírito para esta tarefa. Os meios que possibilitam o desenvolvimento ou a produção da liberdade no mundo são as ações dos homens. Ações essas derivadas “de suas necessidades, de suas paixões, de seus interesses, de seu caráter e de seus talentos” (HEGEL, 1995). Aqueles que estão no poder valem-se de seu egoísmo para alcançarem os seus propósitos. Não têm consciência de que estão sendo dirigidos, de um modo ou de outro, pela Razão universal. Como diz Hegel,

[...] São dois momentos que intervêm em nosso objeto: o primeiro é a idéia, o segundo, as paixões humanas; um é a urdidura do tecido, o outro, a trama do grande tapete da história universal que se desenrola perante nós. O centro concreto de ambos é a liberdade moral no Estado (HEGEL, 2001, pág. 69).

Os chamados “homens históricos universais”, como instrumentos do Espírito, podem muito bem, erradicar a vida dos particulares. Na verdade, o universal resulta da destruição do particular (HEGEL, 2001, pág. 82). Hegel diz: “o particular geralmente é ínfimo perante o universal, os indivíduos são sacrificados e abandonados” (HEGEL, 2001, pág. 82).

Pode-se pensar, portanto, que a liberdade individual é relativa, limitada, contingente. Na verdade, liberdade absoluta é a do espírito que se automovimenta e usa de uma “astúcia” (astúcia da razão, como diz Hegel mesmo) para “deixar que as paixões atuem por si mesmas, manifestando-se na realidade, experimentando perdas e sofrendo danos, pois esse é o fenômeno no qual uma parte é nula e a outra afirmativa” (HEGEL, 2001, pág. 82).

Do acima exposto, divisa-se que o poder é sempre da alçada do Estado e de quem o dirige. O estabelecimento das leis pelo Estado aponta para a fonte do poder. O Espírito delega o poder ao Estado. Só legisla quem tem o poder.

Conclui-se que tanto o Espírito universal, como os indivíduos históricos vivem as tensões entre o poder e a liberdade. O Espírito vivencia a tensão quando, no exercer de seu poder, concretizado no Estado, toma consciência de si mesmo, no processo histórico. Os indivíduos históricos (tantos os universais como os particulares) também vivenciam a tensão entre o poder e a liberdade quando, no exercer de suas intenções, desejos e paixões, postam-se diante do Estado (ou força coletiva dominante) para alcançarem os seus objetivos. Os indivíduos históricos universais, como instrumentos da Razão universal, e os indivíduos históricos particulares como flores a serem pisadas pelo poder desses heróis, mensageiros do Espírito para o desenvolvimento da liberdade universal.

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