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sexta-feira, 17 de outubro de 2008

SOBRE A MOTIVAÇÃO PARA O QUE CREMOS[1]


Na base de qualquer crença há uma motivação psicossocial. Isto significa que o ser humano está completamente comprometido com a sua própria segurança no ambiente em que vive e na convivência com seus iguais. Até mesmo quando se sacrifica por alguém ou por algum ideal, o homem está, mesmo que inconscientemente, a sustentar as suas crenças como verdadeiras.

Aplicando o acima dito ao contexto religioso, crenças podem refletir inseguranças. Isto é um paradoxo porque aquilo em que se crê, pode servir de base para que se tenha segurança em algum aspecto da personalidade. Isso é curioso. E dizer que a contra-partida de uma crença é sempre o que a contradiz é pura tautologia. Porém, dizer que pelas crenças de alguém podemos conhecer as suas inseguranças, pode ser algo para se pensar. As crenças podem ser o espelho de nossos medos. Medos esses, muitas vezes bem guardados em nosso inconsciente.

O ser humano é egoísta. Inconscientemente ou não, ele rejeita uma determinada maneira de ver a realidade se a mesma não lhe traz vantagens para a existência. Às vezes, forçosamente, ele concorda com certos conceitos e abandona crenças, em face de que supostos fatos estão a ratificar àqueles. A crise acontece, mas pode ser superada; até que novos fatos mostrem um novo caminho. Portanto, é preciso evitar limitações ocasionadas por barreiras preconceituosas de quaisquer ordens que sejam.

Dessa forma, surgem perguntas.

Em que se fundamenta, portanto, a motivação para as crenças?

Por que a necessidade de se crer em algo de modo absoluto?

O homem é ensinado a depender de crenças que dêem suporte à sua existência?

Parece que a condição de imaturidade pode ser um dos fatores responsáveis por esta situação humana. O homem vive à cata de algo em que possa crer para que a sua vida tenha sentido. Seria um desespero viver sem algo em que colocar a sua confiança. Aliás, a busca de sentido, relativo ou absoluto, tem sido uma das aventuras humanas. Disso se aproveitam os pregadores e condutores da mídia. Consciente ou inconscientemente, estes profissionais utilizam-se de conhecimentos da psicologia humana para poderem conduzir os seus seguidores. Bem a propósito a letra: “Eh, ô, ô! Vida de gado! Povo marcado, esse! Povo feliz!”. Isso só pode ser uma ironia, pois que muitos aproveitam o terreno fértil da imaturidade popular e fazem pulular as suas pregações de promessas e confirmações de realidades que só servem para alimentar o desejo egótico-narcisista que direciona a mente das massas. Todas as possíveis realidades de riqueza, saúde, paraíso, céu, inferno, galardão, Deus, diabo, anjos, demônios, milagres, vida após a morte, o bem e o mal, e centenas de outras invencionices, são usadas para amenizar os conflitos e dores da humanidade. Tem-se esse caminho como mais fácil do que levar o homem ao caminho da maturidade, no qual enfrentará a realidade da vida como ela é, de modo consciente, sem ficar esperando a concretização de utopias veiculadas por promessas fundadas em especulações e ou desejos utópicos. Parece que o problema a se enfrentar é educacional. Existem muitos que são contrários a este caminho em virtude de um mito criado para sustentar a religião, o qual ensina que o homem só pode ser transformado por uma experiência mística com Deus. Será que este Deus não escolhe também o processo formativo educacional para direcionar os humanos? Por que não? Será que isto o tornaria impotente? Poder-se-ia fugir do fato de que toda a maneira de pensar e existir do ocidental é primariamente fruto da cultura grega? Até mesmo a forma como concebemos o próprio cristianismo é moldada também pela cultura helênica ou, quem sabe, por um outra forma de visão de mundo. E afirmar que a transformação só é possível por experiência religiosa, não seria também um fruto de uma educação? Disso os primeiros cristãos são testemunhas (basicamente os pais apostólicos – Séc. II – III). Se a educação não fosse prioritária, o próprio Jesus não teria escolhido um grupo de seguidores que estivesse a aprender consigo diariamente. O texto bíblico expressa o que ele disse: “Ide e ensinai a todas as nações” (Mateus 28:20). Pode-se até passar por uma experiência impactante (o que não é absoluto para todos), mas o conteúdo de uma crença, de uma fé, é mediado pelo ensino, pela educação. Até mesmo a própria experiência impactante, mesmo a mística, depende de toda uma experiência educacional passada pelo ser humano nela envolvido. As informações recebidas parecem condicionar a própria experiência religiosa.[2] As concepções de mundo, de vida familiar, os traumas vividos, vitórias e derrotas vividas, as próprias informações que veiculam a experiência e outras realidades nas quais o homem está envolvido condicionam-no para a absorção da experiência mística ou religiosa. Toda esta realidade prévia é educativa, quer seja direcionada conscientemente ou não. Às vezes, o processo da experiência pode levar anos; às vezes, pode ser algo repentino. Depende do caso. A síntese do exposto é que na base de toda experiência está um processo formativo-educacional. Não há como fugir desta realidade. Se há, precisa ser demonstrado.

O processo educacional envolve, claro, o indivíduo e a sociedade. É um processo de interrelação. Da mesma forma que o indivíduo, a sociedade também passa por experiências impactantes (místicas ou não).

Estas colocações apontam para o fato de que o homem leva consigo não somente o aspecto da individualidade, como também toda uma herança sócio-cultural dos seus circunstantes e dos seus ancestrais. De sorte que o que está acontecendo com a sociedade é também, em largo sentido, o que está acontecendo com o indivíduo. E a contra-partida também é verdadeira. Não somente o indivíduo precisa de mudança; a sociedade, por vezes, também necessita da mesma. Mudar é imprescindível. E as mudanças acontecem na medida em que todo um processo educativo se desenrola, tanto no indivíduo como também na coletividade. Seja por processo interno, socialização, ou por processo externo, sob força ou pressão social, o indivíduo é levado a experiências que refletem plausivelmente o fator educacional envolvido em suas transformações existenciais. Veja-se que é praticamente impossível um indivíduo, que nunca recebeu qualquer informação sobre o Buda, ter uma conversão ao budismo. Experienciamos apenas aquilo de que fomos informados de antemão.

Todo o exposto serve para ratificar a convicção de que as crenças (de quaisquer ordens) fazem parte do condicionamento educacional. E na base de toda crença, via de regra, está a auto-satisfação.

Desta forma e com esta consciência, as crenças podem ser revistas, reformuladas e até abandonadas, tendo-se o controle de não sermos dependentes das mesmas. Não há necessidade de se crer absolutamente em coisa alguma. Precisa-se (isso sim!) viver, existir. Isto significa cumprir o ciclo da natureza como a mesma prescreve. Jesus enxergou esta realidade, quando se referiu aos lírios do campo: “Olhai para os lírios do campo” (Mateus 6:28). A flora não precisa preocupar-se ou crer em coisa alguma. Isso é forçar o texto? Também os pássaros estão sobre o controle das supostas leis da natureza. Como disse Paulo: “porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (Atos 17:28). E Jesus disse que o Pai toma conta não só da fauna, como também da flora. A inclusão do Pai induz a uma crença. Mas é fato que a Natureza dispõe-se a provê as necessidades de si mesma (“Deus manda sol e para justos e injustos” – Mat. 5:45). Assim, o homem pode viver aberto a todas as novas perspectivas que possam surgir, sem jamais se apegar ferrenhamente a uma crença, como se dela dependesse absolutamente. O necessário para viver já está disposto em toda a contingência e abrangência do universo. Basta que a preguiça e a indisposição sejam abandonadas e o trabalho suprirá as necessidades.

Vale salientar que o mercado de crenças favorece aos pregadores que, consciente ou inconscientemente, pensam estar ajudando ao semelhante; e favorece muito mais aos exploradores da mente humana. Possivelmente há resultados benéficos em muitas crenças. Mas é preciso não absolutizar o que se recebe como certo no momento. É preciso estar aberto para questionamentos. Não há aqui proposta para mudança de motivação para a crença; advoga-se antes um desprendimento de uma compreensão infantil do que se pensa ser a única verdade. Já dizia o finado apóstolo Paulo: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino” (1 Coríntios 13:11).
[1] Nosso objetivo neste texto não é responder a todas as questões instigadas, mas antes despertar a necessidade de revermos nossas motivações para o que cremos.
[2] Que explicação seria mais plausível para que um budista tenha visões do Buda e não da Virgem Maria? E se esta aparecer em um sonho de um islamita, não será para lhe dar uma missão cristã. Caso aconteça, o tal religioso já recebeu previamente um condicionamento informativo-educacional sobre a Virgem.

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