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sexta-feira, 9 de março de 2012

O PROBLEMA DO MAL EM LEIBNIZ

O PROBLEMA DO MAL EM LEIBNIZ[1]
Gottfried Wilhelm Leibniz – (1646- 1716) 01 de julho, na cidade alemã de Leipzig. Leu os autores antigos e escolásticos. Tomou contato com Platão e Aristóteles. Com quinze anos começou a ler os filósofos modernos. Bacon, Descartes, Hobbes e Galileu. Leibniz foi de um espírito universal, muito inteligente. Cursou filosofia na cidade natal, matemática em Jena, com vinte anos. Cursou também jurisprudência em Altdorf. Os últimos anos da vida de Leibniz foram tristes e solitários.

            Leibniz foi um homem afeito às questões científicas, políticas, religiosas e filosóficas de sua época. Por conta destas, ele enfrentou problemas que foram objeto de sua reflexão filosófica. Segundo Murray, o problema do mal preocupou Leibniz mais do que qualquer outro problema filosófico. Mesmo escrevendo sobre tantos outros temas, o problema do mal aparece na juventude e antes de sua morte. Tanto "Confissão do Filósofo" (1672) como "Ensaios de Teodicéia" (1709/10) foram obras dedicadas ao problema do mal (MURRAY, 2005. Pág. 01).
            A filosofia de Leibniz será pensada nestas linhas de modo a buscar suas respostas para o problema do mal. Isto não significa que se chegará a um resultado em que o tema será esgotado, mas que se terá uma noção do pensamento de Leibniz sobre ao problema do mal.
            O objetivo é mostrar que a abordagem de Leibniz sobre o problema do mal não alcançou resposta satisfatória, embora tenha feito algumas contribuições importantes para a reflexão. Para isto, serão abordados tópicos sobre a relação entre a "harmonia preestabelecida" e o mal; sobre a "harmonia preestabelecida" e o livre-arbítrio humano; sobre o livre-arbítrio divino; sobre a onipotência divina e os "futuros contingentes".
            Ficará provado que a filosofia de Leibniz reproduziu em muito a abordagem dos seus antecessores quanto ao assunto problematizado.

O contexto histórico do problema do mal conhecido por Leibniz
O fato de que texto e contexto constituem uma estrutura, na verdade uma unidade hermenêutica, obriga o pesquisador a uma contextualização histórica do assunto por ele pesquisado. Com isto, ratifica-se o fato de que a historicidade do contexto e sua integração com o texto não se contradizem, porém se requerem necessariamente.
A partir deste pressuposto, buscar uma simples, porém significativa reconstrução do contexto histórico do problema do mal anterior a Leibniz, e mesmo na modernidade, é imprescindível para a compreensão da resposta leibniziana a tal problema. Entende-se assim que uma hermenêutica significativa carece da visão histórica. Na verdade, exigem-se uma à outra e se completam.

O Problema do Mal antes de Leibniz
            O problema do mal já havia sido abordado por outros filósofos da antiguidade e do medievo. As soluções apresentadas para a questão não foram de todo convincentes. Na antiguidade, de um modo geral, os estóicos entenderam o mal como necessário à ordem e à economia do universo. O bem estóico é aquilo de que advém alguma utilidade, e com maior propriedade pode-se dizer que "é idêntico ao útil ou não se distingue dele"[2] (LAÉRCIO, 1977. Pág. 203). O mal, mesmo sendo a contrapartida do bem, ou o inútil, ainda assim é necessário ao universo.
            Um parecer neoplatônico sobre o problema do mal é dado por Plotino (205-270) em Eneadas: "Se tais são os entes e se tal é o que está além dos entes [isto é, Deus], então o mal não existe nem naqueles nem neste, já que tanto um quanto o outro são bem. Conclui-se, portanto, que, se existir, existe no que não é, e que é uma espécie de não-ser, encontrando-se, pois, nas coisas mescladas de não-ser ou partícipes do não-ser" (Enn., I, 8, 3)[3] (PLOTINO, 2000). Neste ponto: "o mal existe no que não é, e que é uma espécie de não-ser", está a ontologia do mal, ou mesmo a sua desontologização, a qual é seguida por Santo Agostinho (354-430), neoplatônico, em seu livro sobre o Livro-Arbítrio. Santo Agostinho reflete sobre a liberdade humana e a origem do mal moral, problema que pensa resolver com a tese de que o pecado está no mau uso da liberdade. Por outras palavras, o mal moral procede do livre-arbítrio (AGOSTINHO, 1995. Págs. 30-35, 147-151). Esta postura agostiniana de desontologização do mal cria, por sua vez, uma antropologização do mesmo, responsabilizando o homem pela prática do mal (ESTRADA, 2004. Pág. 35). Para Ricoeur, a resposta de Agostinho nega substancialidade ao mal, reputando-o como procedente da finitude da criatura. Esta deficiência instala-se face à "distância ôntica entre o criador e a criatura" (RicoeUr, 1988, pág. 32) e delimita o mal como um problema apenas moral. "Criaturas dotadas de livre escolha possam 'declinar-se' longe de Deus e 'inclinar-se' em direção ao que tem menos ser, em direção ao nada" (RicoeUr, 1988, pág. 32). Desse modo, apresenta-se um mal-nada [4] que tem sua origem na má vontade. O bispo de Hipona constrói uma resposta que se vincula muito bem ao mal praticado por decisão voluntária. Visto que o problema do sofrimento injusto não se resolve tão facilmente pelo fato de que o mesmo, em muitos casos, deve-se ao mau uso do livre-arbítrio por parte do sofredor ou de outro agente. Agostinho deixa em aberto a questão deste tipo de sofrimento, para que os pósteros tenham a oportunidade de resolver o problema.
            Fato é que na antiguidade cristãos e pagãos neoplatônicos aderiram à tese do mal como não-ser.
            A reflexão da Idade Média sobre o problema do mal não seria mudada. Escolásticos aristotélicos, platônicos e neoplatônicos, trilharam o mesmo caminho da reflexão antiga. A teologia natural resolvera o problema da existência divina, apresentando-se o problema do mal apenas quando filósofos e teólogos refletiam sobre a bondade e a santidade de Deus (MURRAY, 2005. Pág. 02). É neste caminho de pensar Deus e o mal que a abordagem refletia a mesma luz do período anterior. Tomás de Aquino (1224-1274) diz: "Uma vez que bem é tudo o que é apetecível e uma vez que a cada natureza apetece seu ser e sua perfeição, cumpre dizer que o ser e a perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem.[5] Portanto, não pode acontecer que mal signifi­que algum ser, alguma forma ou natureza;[6] con­clui-se, pois, que significa apenas a ausência do bem" (AQUINO, 1954. Pág. 48). Esta ausência de ser, implica justamente um mal-nada. Percebe-se aqui uma correspondência entre Tomás e Plotino.[7] A forma do raciocínio tomista é silogística. Tomás de Aquino parte de uma afirmação universal, um princípio filosófico previamente estabelecido: "o ser e a perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem" (premissa maior). Em seguida, Tomás de Aquino estabelece uma afirmação de natureza filosófica (menor). Nesse caso, Tomás de Aquino estabeleceu duas premissas menores: a) "bem é tudo o que é apetecível"; e b) "a cada natureza apetece seu ser e sua perfeição", para concluir com "portanto, não pode acontecer que mal signifi­que algum ser, alguma forma ou natureza". O que Tomás de Aquino queria com o argumento já estava estabelecido na premissa maior: a conclusão, "mal [...] significa apenas a ausência do bem", é apenas decorrência. A finalidade não é provar o princípio universal, mas o que dele decorre. Assim procedeu Tomás de Aquino, usualmente, em toda a sua Suma Teológica. Muito engenhoso para fundamentar a não substancialidade do mal.
            Em linhas gerais, essa parece ser uma concepção do mal com a qual Leibniz comunga em sua carreira filosófica. Russel, comentando sobre a Ética de Leibniz, diz:

A doutrina dos juízos analíticos deve ter contribuído para a concepção de que o mal é uma simples negação. Pois é óbvio que bom e mau são predicados incompatíveis, e se ambos são positivos, teremos um juízo sintético. Donde o mal é considerado como mera negação do bem... (RUSSEL, 1968. Pág. 198).[8]

Rutherford diz que a resposta de Leibniz ao problema do mal segue mesmo a resposta agostiniana de que o mal é falta ou privação do ser (RUTHERFORD, 1998. Pág. 07). Este mesmo autor falando sobre a Teodicéia, diz que Leibniz revela um endividamento ao platonismo (RUTHERFORD, 1998. Pág. 08).
            A concepção que considera o Mal como um conflito interno do ser, como uma batalha entre dois princípios antagônicos,[9] não parece transitar na reflexão leibniziana. Talvez, Leibniz, em sua filosofia, esteja também direcionando uma resposta a Spinoza[10], uma vez que este admitia, com Hobbes e Locke, a teoria subjetivista do mal como objeto negativo do desejo. Mas não parece que uma consideração sobre isto receba atenção de Leibniz em sua filosofia (ABBAGNANO, 2000. Pág. 640).

Esta abordagem continua com "O problema do mal na época de Leibniz".
Natal/RN, 09-03-2012
Willians Moreira Damasceno




[1] Esta abordagem terá continuidade em outras postagens.
[2] Art. 94 do Livro VII.
[3] "Eiv dh. tau/ta evsti. ta. o;nta kai. to. evpe,keina tw/n o;ntwn( ouvk avn evn toi/j ou=si to. kako.n evnei,h( ouvd' evn tw|/ evpe,keina tw/n o;ntwn\ avgaqa. ga.r tau.ta) Lei,petai toi,nun( ei;per e;stin( evn toi/j mh. ou=sin ei=nai oi-on ei=doj ti tou/ mh. o;ntoj o'n kai. peri. ti tw/n memigme,nwn tw|/ mh. o;nti h'"' o`pwsou/n koinwnou,ntwn tw|/ mh. o;nti"[3] (PLOTINO, 2000).
[4] Um mal sem substância. Posição neoplatônica.
[5] Esta é a premissa maior; é a base do raciocínio dedutivo.  
[6] Corolário das três premissas ou do argumento silogístico: decorrente do princípio filosófico previamente estabelecido – premissa maior.
[7] Citação das Enéadas feita anteriormente.
[8] Destaque nosso.
[9] A religião persa do profeta Zarathrustra; concepção também da seita dos maniqueus, contra os quais Agostinho combate filosófica e teologicamente.
[10] Russel diz que a ética para a qual Leibniz tendia era muito semelhante à de Spinoza (RUSSEL, 1968. Pág. 199).

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá, sou estudante de filosofia, gostaria de saber se você poderia me sugerir obras de Leibniz sobre esse tema do mal. Qualquer coisa entre me contato pelo e-mail semwill@hotmail.com