Páginas

segunda-feira, 9 de maio de 2011

TEOLOGIA, EXEGESE E MÉTODOS


            Teólogos e exegetas em geral consideram que a teologia é uma ciência. Claro está que não é ciência no sentido das ciências naturais ou tecnológicas. Mas é ciência no sentido de ter um procedimento definido, sistemático, objetivo. Por isto, o procedimento da teologia é positivo; jamais intensiona normatizar coisa alguma. Teólogos e exegetas buscam antes a revelação que é, e não a que desejam que seja. Como bem coloca Erickson, “a teologia precisa comportar alguns dos critérios tradicionais do conhecimento científico” (ERICKSON, 1997. Pág. 18). São critérios como um objeto definido, um método, objetividade e coerência entre as proposições do objeto em questão que tornam a teologia uma ciência.

            Sendo ciência, pois, a teologia usa métodos para alcançar os seus resultados. Hodge diz que numerosos métodos têm sido aplicados à teologia e entende ele que os mesmos podem ser resumidos a três métodos: 1) Especulativo (dedutivo)[1]; 2) Místico[2]; e 3) Indutivo (HODGE, 2001. Pág. 03). Clark é do mesmo parecer que Hodge[3] quanto aos três métodos (CLARK, 1988. Pág. 19 – 21). Na verdade, existem métodos e todos são passíveis de aplicações, apesar de suas limitações na busca do conhecimento. Dizer que o método Indutivo é o “verdadeiro método da Teologia” é um juízo questionável, a não ser que esta assertiva refira-se a um uso comum do método indutivo por grande parte dos teólogos. Na contemporaneidade, como em outras épocas, outros métodos são usados pelos exegetas. São usados tantos quantos são necessários para objetivos diversos. Disso decorre que os métodos em si não são nem verdadeiros nem falsos; os mesmos são apenas instrumentos para se alcançar resultados diferentes à expensa do exegeta.

Com o método dedu­tivo (especulativo), uma teologia é levada a se conformar a princípios filosóficos ou teológicos previamente estabelecidos. Este método destina-se mesmo a demonstrar decorrências e a justificar pressupostos. Este método gera enunciados analíticos. Ou seja, a partir de “postulados e teoremas”[4] chega-se a uma conclusão particular (SALOMON, 2001. Pág. 157).  É o inverso do método indutivo (sintético).[5] Portanto, se uma teologia tem como princípio diretor o teísmo, ou o deísmo, ou o panteísmo, ou ainda o racionalismo, ou quaisquer outros ísmos, filosóficos ou teológicos, poderá fazer com que suas conclusões particulares conformem‑se a um daqueles ísmos ou visões de mundo. Como também pode acontecer de confissões doutrinárias condicionarem os resultados do trabalho exegético. Se um teólogo dá por verdadeiros os dogmas de uma determinada confissão, necessariamente o seu falar condicionará toda a sua interpretação àquela confissão.

Para Libanio, a teologia dedutiva é uma “teologia de cima” (katáa,basij – “a partir de cima”). Significa que é uma teologia que parte de um ponto de autoridade já estabelecido de antemão (um dogma, por exemplo). Na idade Média, o exemplo basilar é o de Tomaz de Aquino (1224-1274). O doutor aquinense diz:

 

Uma vez que bem é tudo o que é apetecível e uma vez que a cada natureza apetece seu ser e sua perfeição, cumpre dizer que o ser e a perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem.[6] Portanto, não pode acontecer que mal signifi­que algum ser, alguma forma ou natureza;[7] con­clui-se, pois, que significa apenas a ausência do bem (AQUINO, 1954. Pág. 48).

 

A forma do raciocínio tomista é silogística.[8] Tomás de Aquino parte de uma afirmação universal, um princípio filosófico previamente estabelecido: “o ser e a perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem” (premissa maior). Em seguida, Tomás de Aquino estabelece uma afirmação de natureza filosófica (menor). Nesse caso, Tomás de Aquino estabeleceu duas premissas menores: a) “bem é tudo o que é apetecível”; e b) “a cada natureza apetece seu ser e sua perfeição”, para concluir com “portanto, não pode acontecer que mal signifi­que algum ser, alguma forma ou natureza”. O que Tomás de Aquino queria com o argumento já estava estabelecido na premissa maior: a conclusão, “mal [...] significa apenas a ausência do bem”, é apenas decorrência. A finalidade não é provar o princípio universal, mas o que dele decorre (MOREIRA, 2006. Págs. 09 e 10).

            Libanio mostra pontos pertinentes a respeito deste método:

 

A estrutura fundamental dessa teologia (dedutiva) consiste em sistematizar, definir, expor e explicar as verdades reveladas. Para isso, parte dessas próprias verdades e busca relacioná-las entre si, dentro de uma visão de globalidade, por meio da “analogia fidei”, isto é, procurando ver como todas as verdades da fé se explicam e se relacionam mutuamente.

É dedutiva porque trabalha, de modo especial, com o silogismo. Parte de afirmações universais, dos princípios da fé (maior)[9], estabelece uma afirmação de natureza filosófica (menor) e conclui por dedução uma afirmação teológica. Por exemplo, Jesus é verdadeiro homem (maior: afirmação da fé de Calcedônia); ora, um verdadeiro homem tem uma liberdade e consciência humanas (menor: verdade filosófica), logo Jesus tem uma liberdade e consciência humanas. A finalidade não é provar o princípio da fé, mas o que dele decorre (LIBANIO, 1996. Pág. 101-102).


            A Teologia indutiva é dirigida por um procedimento que leva em consideração diretrizes científicas. Ou seja, não parte de assertiva já estabelecida, dogmática. O termo grego que a caracteriza é ana,basij (a partir de baixo), algo que vem da base e não de cima; em outras palavras, não é imposto. Sua reflexão surge de questionamentos oriundos da situação humana. Os dogmas dos concílios não têm a palavra final. São verificáveis tanto quanto qualquer outra afirmação humana. Para a teologia que usa o método de abordagem indutivista, os problemas surgem na vida, de baixo, e são apreendidos e compreendidos pela via da indução. Esta teologia vai da experiência à doutrina ou ao dogma (perspectiva existencialista).

 

[...] as perguntas que se fazem à fé nascem não da própria fé, não de um interesse em sistematizar e organizar as verdades de fé já aceitas (teologia dedutiva), mas da experiência (indutiva) (LIBANIO, 1996. Pág. 103-104).

 

            Libanio e Clark têm conceitos divergentes sobre a natureza do método indutivo aplicado à exegese teológica. Libanio é de orientação existencialista; Clark é de orientação ordinariamente metodológica. É bem provável que os exegetas de orientação apenas metodológica não comungarão com o procedimento existencialista para o método indutivo. Mas isto fica para outras instâncias de reflexão.


Willians Moreira Damasceno

 

Referências Bibliográficas

 

AQUINO, Tomás. Suma teológica. I Tomo. São Paulo: Faculdade de Filosofia “Sedes Sapientiae”, 1954. Ed. I. H. Marshall. Exeter: The Paternoster, 1979.

CLARK, David S. Compêndio de teologia sistemática. 2ª ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1988.

ERICKSON, Millard J. Introdução à teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997.

HODGE, Charles. Teologia sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001.

LIBANIO, J. B. & MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

MOREIRA, Willians. O problema do mal em Leibniz (Monografia apresentada ao curso de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Natal/RN. 2006.

SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 10ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.



[1] Explicação do autor deste trabalho.

[2] Dirigido exclusivamente pelas sensações (emoções).

[3] Para conhecimento de uma abordagem bem colocada sobre os três métodos, sugerimos a leitura de Hodge, na introdução de sua teologia Sistemática.

[4] Enunciados universais.

[5] Embora didaticamente se apresente os métodos de per si, “não há método dedutivo puro, nem indutivo puro, empregados na pesquisa científica: o dedutivo, usado para problemas ‘ideais’, é precedido do indutivo, pois todo objeto ideal representa a etapa final de um processo de abstração do concreto (particular) para o genérico ou universal; por sua vez, o emprego do método indutivo no contexto da descoberta se consuma com o uso do dedutivo, desde o momento em que o pesquisador passa a agir no contexto da justificação”. (SALOMON, 2001. Pág. 157).

[6] Esta é a premissa maior; é a base do raciocínio dedutivo. 

[7] Corolário das três premissas ou do argumento silogístico: decorrente do princípio filosófico previamente estabelecido – premissa maior.

[8] O silogismo é uma das modalidades do raciocínio dedutivo.

[9] Observe-se que no caso da citação feita da Suma Teológica o princípio maior é também uma verdade filosófica.

Nenhum comentário: