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quinta-feira, 28 de julho de 2011

DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO


Então chegaram ao pé dele os fariseus, tentando-o, e dizendo-lhe: É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo?
Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele que os fez no princípio, macho e fêmea os fez? E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.
Disseram-lhe eles: Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la?
Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim. Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de fornicação[1], e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério (Mateus 19: 3-9).

A pergunta crucial fomentada pela epígrafe é: Este texto estabelece que homem e mulher fiquem sem casar novamente pelo resto da vida, caso venham a se divorciar?
Há observações que podem dar um direcionamento diversificado à interpretação do mesmo; questões como: O que sugere a pergunta dos fariseus pelo fato de, aparentemente, referir-se apenas ao homem quanto a dar carta de divórcio? Por acaso não seria lícito à mulher repudiar também o seu marido? O texto parece sugerir que às mulheres não lhes era permitido tomar a iniciativa do divórcio? A resposta de Jesus apontaria para a possibilidade de que Deus pode não unir duas pessoas? E se Deus quiser desunir ou concordar com isso, seria por qual causa? Não se deve deixar de observar que essas questões apontadas são decorrentes das entrelinhas do texto. O texto parece estar no contexto de uma reprimenda a indivíduos que não reconheciam devidamente o lugar da mulher na relação conjugal. Tratavam-na com descaso, divorciando-se por motivos banais. Não há indícios de ser uma palavra contra quem tem meramente problemas de convivência na relação conjugal. Mas digamos que este aspecto estivesse incluído.
A pergunta feita pelos fariseus envolve Moisés na questão. Ou seja, Jesus teria que considerar uma ortodoxia antes de responder. A retórica dos fariseus é surpreendente: intimidar a Jesus com a lembrança de quem deu a lei. A resposta de Jesus é bem revelativa da intenção dos fariseus. Referir-se à "dureza do coração", no contexto imediato, pode expressar que Jesus conhecia a intenção malfazeja dos fariseus. Jesus "salvou" Moisés e ainda atingiu a consciência dos seus inquiridores. Percebe-se assim que a questão do divórcio está bem situada em um momento de tentativa de encurralamento argumentativo e doutrinário. Ou seja, o fato de a questão não estar em um contexto de decisão jurídica, que requereria uma situação de reflexão filosófica universal quanto à existência humana no que concerne à convivência conjugal, restringe a palavra de Jesus a um fato isolado, que se refere exclusivamente à dureza do coração humano e, naquele momento, uma resposta bem direta aos fariseus. Na verdade, os casamentos tanto acontecem por diversos motivos, como também se desfazem por motivos os mais diversos, e apenas a imoralidade sexual não seria suficiente para esgotar a causa do divórcio, havendo sem dúvida outras situações em que a problemática da relação humana poderia abrir a porta para considerações tais sobre o casamento, levando o homem a entender que Deus não é um fundamentalista retrógado, capaz de aprisionar pessoas a uma relação que qualquer mente madura entenderia como destituída de propósito. Afinal, nem sempre é a dureza de coração que pede o divórcio.
Mateus 19: 3-19 diz que, se houver divórcio e novo casamento, acontece adultério. Se você entender que não há outra explicação para este texto senão aquela que o interpreta isoladamente ou, se levar em consideração o contexto, o texto mesmo não iria além de uma situação imediatamente vincula ao contexto puramente literário, supondo que este seria suficiente para explicar a situação, então você não deverá, se divorciado, casar com alguém divorciado, como também não se dará em casamento a alguém, pois que o faria cometer adultério, se isto, claro, for pecado para você.
Nesta mesma esteira parece estar o texto de Paulo aos Coríntios, no qual diz: "Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se separe do marido, porém se vier a separar-se, que não se case ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não se aparte de sua mulher" (I Cor. 7: 10-11). E qualquer pessoa só poderá casar novamente se o cônjuge vier a falecer (I Cor. 7:39). Observe-se aqui que à mulher já lhe é dada possibilidade de iniciativa para o divórcio.
            Considere-se primeiro que princípio estaria envolvido numa palavra tão taxativa como esta? Estaria aqui implicado o divórcio sem motivo e o divórcio com motivo? Ou seja: não haveria absolutamente situação alguma que justificasse o divórcio, salvo o adultério? Seria uma mulher, casada com um homem que se revelou maníaco logo após o matrimônio ou tempos depois do mesmo, obrigada a viver com aquele homem pelo resto da vida, se o tal não viesse a falecer? E se a mesma fosse casada com alguém que a espancasse, não seria isso tal e qual o adultério, uma forma de trair a mulher? O princípio básico subjacente ao adultério parece ser aquele que rechaça a traição. Isto posto, qualquer outro ato de traição contra o cônjuge, não seria motivo para o divórcio? Raciocine-se assim pressupondo-se que o problema colocado concretamente pelo texto é o caso de adultério. Mas é sempre bom lembrar que um princípio sempre existe e é este que precisa ser levado em consideração na interpretação. Um princípio é o pressuposto que pode ter aplicação universal; nunca um mero exemplo situacional ou isolado. Portanto, se for o texto pensado pelo princípio de traição, parece que o mero fato do adultério é apenas um exemplo de traição que desencadearia o divórcio. Outros tantos exemplos possíveis existem que, uma vez acontecidos, seriam motivos para a petição do divórcio por ambas as partes.
            Outro princípio subjacente a tudo quanto Jesus ensinou é a sua palavra quanto ao sábado, em Marcos 2:27: "O sábado foi criado por causa do homem e não o homem por causa do sábado". O homem não só não foi feito por causa do sábado; mas não foi feito também por causa de qualquer realidade que exista após a sua criação. Pode-se asseverar que o homem foi criado por causa de Deus. Está escrito que Deus criou o homem para o louvor da sua glória, segundo a carta aos Efésios, capítulo primeiro. Portanto, uma paráfrase possível do texto de Marcos 2:27 é: "O homem não foi criado por causa do casamento, mas o casamento foi criado por causa do homem". Está literal em Gênesis 2:18: "O Senhor Deus disse ainda: 'Não é bom que o homem fique sozinho. Vou-lhe arranjar uma companhia apropriada para ele'". Depois de dar nomes aos animais do jardim, a divindade viu que o homem continuava só. Em seguida deu-lhe a mulher para lhe ser auxiliadora. Isto é o que reza o livro de Gênesis (mesmo percebendo-se o tom machista do texto, pode-se argumentar no sentido acima).
            Em Mateus 12: 7, que é o mesmo contexto da palavra sobre o sábado, Jesus diz: "Se percebessem o que significa na Escritura: prefiro misericórdia e não sacrifícios, não teriam condenado inocentes". Ora, se não é bom que o homem esteja sozinho, por que condená-lo à solidão em face de um casamento que não deu certo? O princípio da misericórdia parece falar mais alto neste caso, como prerrogativa divina. Verdade é que a dureza do coração humano é responsável por muitos percalços de sua vida, mas casos e casos existem nos quais não só a dureza de coração, mas fatores outros são extremamente agravantes e motivadores do divórcio. Fatores como imaturidade, ingenuidade, ignorância, circunstâncias que extrapolam a própria condição pessoal de decisão, e tantas outras considerações possíveis podem justificar a cisão de um casamento. Casos em que seria irracional pensar que a divindade não abonaria o divórcio. Casos em que a opressão de um dos cônjuges ou de ambos está devidamente caracterizada não receberiam a rejeição do divórcio de uma mente madura que viesse a analisar o caso; por que, pois, a divindade seria contrária a um divórcio em condições tais que não meramente atingido pelo adultério? Não é possível justificar que Jesus teria falado à revelia de um contexto, de forma universal, sem levar em consideração as condições que envolvem cada relação humana, principalmente uma relação tão complexa quanto a do casamento? Assim é possível argumentar, desde que se aceite que o texto do evangelho é também reflexo de um momento do escritor e não necessariamente extração imediata de um acontecimento na vida de Jesus, visto o evangelho ter sido escrito anos após a sua glorificação. É incongruente ler o texto dos evangelhos com a mesma perspectiva de quem lê um jornal do dia. Nestes casos, já existe uma carga elevada de pressupostos teórico-doutrinários por parte do jornalista que escreve; agora imagine o texto dos evangelhos, escrito anos depois de Jesus. Muita carga doutrinária estava envolvida, sem falar na aversão que os discípulos nutriam contra os chefes religiosos de Israel.
            Vale questionar se Deus colocaria os humanos debaixo de um jugo tão opressor como o de viver com alguém com quem não é mais possível a convivência. Deus obrigaria uma pessoa que foi deixada por alguém ou que se divorciou, por conta de uma necessidade verdadeira, a viver só, pelo resto de sua vida? Mesmo que se questione o que vem a ser uma necessidade verdadeira, mesmo assim a questão pertine.
            Certo que existem questionamentos outros sobre este assunto, mas, por hora, esses são suficientes para um ensaio de reflexão sobre divórcio e novo casamento.
            Cabem aqui as retrucações. Que venham para melhor compreensão do assunto.
Willians Moreira Damasceno



[1] Porne,ia – imoralidade sexual.

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