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sábado, 23 de maio de 2009

Eu não queria dizer, mas vou dizer[1]

 

 

Existem muitas práticas nossas que servem de material para exortações fundamentalistas, para não dizer retrógradas. Todos se lembram de que as Testemunhas de Jeová batem na tecla do dia 25 de dezembro, condenando a prática cristã de comemorar naquele dia o nascimento de Jesus. Não são esquecidas as festas juninas. Sempre aparecem aqueles que dizem: "isso e aquilo e mais aqueloutro são práticas do mundo e reverenciam a Satanás". Bom, acredito que será difícil livrar-se destas condenações ortodoxo-fundamentalistas, executadas por tantos que se enquadrariam perfeitamente nas fileiras da hiprocrisia.

            Mas vamos à diante!

            Existem algumas curiosidades que vou revelar para aqueles que ainda não têm conhecimento das mesmas.

            Entre nós, é comum as noivas vestirem-se de branco e colocarem coroa de flores quando vão se casar. Também os médicos, quando o paciente se encontra em estado de saúde extremamente precário, dizem que o mesmo entrou em "coma". Ora, essas práticas são remanescentes de certos costumes e mitos dos gregos da Antiguidade.

            Os gregos acreditavam que o céu era um deus. Davam-lhe o nome de Uranos. Esse deus uniu-se com Gaia (ou Geia = a terra). Desta união, foram gerados vários filhos. Mas Uranos não permitia que os mesmos nascessem. Eram retidos no seio da Terra. No entanto, Crono, libertou-se e resolveu dar um jeito no seu pai, a pedido de sua mãe. Uranos foi castrado por Crono, que atirou o pênis de seu pai ao mar. O pênis ejaculou pela última vez, fecundando as ondas, de onde nasceu a deusa Vênus (Afrodite), deusa do amor.

            Crono libertou ainda os seus irmãos e se uniu com Réia (talvez Geia, sua mãe). Com ela, teve muitos filhos e filhas. Mas Crono tinha medo de que acontecesse com ele o que aconteceu com seu pai e, por isso, devorava todos os seus filhos assim que nasciam. Certo dia, nasceu um filho que agradou bastante a sua mãe. Esta resolveu escondê-lo para que não tivesse o destino dos outros. Assim enganou o marido. Quando Crono reclamou o recém-nascido, Réia lhe deu uma pedra embrulhada em cueiros (Será que o verbo rear, sinônimo de prejudicar, vem do nome dessa deusa? Esqueça! É só especulação. Mas vem bem a calhar, não?).

            Zeus (ou Júpiter) cresceu e destronou o pai. Mas Zeus não deixou de fazer Crono vomitar todos os filhos, já crescidinhos e bem vestidos. Zeus uniu-se então à sua irmã, Hera (ou Juno), iniciando um novo reinado.

            Zeus passou a considerar Hera como ultrapassada e se tornou um deus volúvel e desejoso de aventuras amorosas. Ou seja, caiu na gandaia mesmo. Uma hora, disfarça-se de touro; outra, de cisne; outra, de chuva de ouro; tudo isso para conquistar deusas e mulheres que lhe agradassem. Nessa "brincadeira", conquistou uma humana, linda e jovem sacerdotisa chamada Semele. Hera, ciumenta, andava procurando surpreender Zeus em suas artimanhas, quando descobriu o romance com a mortal. Hera disfarçou-se também de mortal, como o marido, e procurou Semele. Encontrando-a, disse-lhe que ela estava transando com um deus. E aconselhou-a para que no ato sexual, na "hora agá", pedisse para ele se transformar no deus e veria como era muito melhor.

            Semele, ingenuamente, caiu na armadilha. Na hora do orgasmo, pediu para Zeus se transformar em si mesmo. Pronto! Foi a desgraça dela. Zeus era o deus do raio e acabou incendiando o templo e matando a jovem. Semele morreu grávida. Zeus retirou a criança (operação cesariana, muito antes de César), mas como o filho ainda estava no sexto mês de gestação e ainda não havia a proveta, incubou-o em sua coxa, onde seu filho permaneceu até o nascimento, proeza esta só realizada pelo cavalo-marinho.

            Dessa trama nasceu o deus Baco (Dioniso – o nascido duas vezes; sem contar que foi também um deus feito na coxa.

            Bom! Hera andava louca de raiva. E Zeus, procurando salvar o filho da esposa irada e vingativa, transformou-o em cabrito. Entregou o cabritinho para as Ninfas de Nisa dele cuidarem. Daí que Dioniso é adorado sob a forma de um bode. Acrescento: e muitos cristãos, sem saberem do mito, identificam-no com Satanás. Pura ignorância.

            Dioniso descobre a uva e fabrica o vinho. Sendo então o deus das festas regadas a vinho. Olha a ceia aí: não deixa de ser uma festa na qual cristãos bebem vinho. Claro que é sabido o significado dado por Jesus de Nazaré ao vinho.

            Agora vem o melhor da história!

            Um dos rituais de comemoração ao deus do vinho chamava-se "coma", que em grego se chama xingamento. Os participantes, em dois grupos, iam numa procissão, cantando versos e marcando o ritmo com ramos de tirso. As mênades ou bacantes (adoradoras de Baco - Dioniso) vestiam-se com uma túnica branca e todos eram obrigados a cingir a fronte com uma coroa de flores. Quando os dois grupos se encontravam, xingavam-se muito (xingamento ritualístico apenas). Depois se abraçavam e dançavam, transavam e bebiam, até perder os sentidos. Por isso, provavelmente, o médico, metaforicamente, diz que o paciente entrou em estado de "coma" (ficou fora dos seus sentidos).

            Quando o cristianismo chegou aos gregos, recebeu um impacto grande por causa da visão hedonista (prazerosa) do paganismo, visto aquele ter uma visão ascética (penitência e sofrimento) da religião. Visão esta que norteou a religiosidade medieval. Claro que viram pecado no culto a Baco. A própria representação do diabo é estereotipada a partir de Baco: pés de bode, chifres e rabo.

            É de se imaginar a primeira pagã convertida com o casamento marcado. Deve ter consultado os superiores quanto a vestir-se de branco e a colocar uma coroa de flores (ela costumava fazer isso antes de ir para a bacanal). Como sabia que, após o matrimônio, iria fazer sexo com o marido, não viu nada de mal em se vestir como quando ia fazer sexo no ritual do antigo deus. Leve-se em consideração que a prática do vestido branco e da coroa de flores não seria ultrajante aos bons costumes. Logo, a prática deve ter sido mantida, chegando até nós. Claro, a justificativa que nos passaram é de que o branco representa a pureza ou a virgindade da noiva. Hoje pode até ser. Mas no passado... Santa ingenuidade.

            Bom! Considerando que a prática está mais para o gesto pagão de que a noiva, ao sair do altar, vai mesmo para uma bacanal particular, mantenhamos o costume do vestido branco, do véu e da coroa (se os quiserem usar).

            Um bom casamento para todas.

Willians Moreira



[1] Adaptado de anônimo; revisado, alterado e ampliado.

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