Do entendimento de todas as teologias podemos concluir que a questão hermenêutica é consideravelmente decisiva. Toda teologia possui em seus bastidores uma maneira peculiar de se compreender a realidade. Essa maneira, ao teólogo peculiar, condiciona a teologia.
A palavra hermenêutica é de origem grega, significando interpretação. Seu significado está vinculado ao deus Hermes, mensageiro dos deuses, intérprete das mensagens divinas. Na verdade, o termo aponta para a arte ou técnica de interpretar. Essa arte possui regras que guiam a interpretação dos textos.
Faz-se distinção entre hermenêutica e exegese. Hermenêutica é a teoria da interpretação e exegese atém-se à prática da interpretação. A exegese é a aplicação da hermenêutica no estudo do texto, buscando a compreensão do que o autor quis transmitir aos receptores da sua mensagem.
Segundo estudiosos do assunto, cinquenta anos antes de Nietzsche, o filósofo e teólogo protestante Friedrich Schleiermacher (1768-1834) iniciou uma reflexão sobre hermenêutica que o tornou conhecido como fundador da hermenêutica moderna.
Àquela época, não existia ainda algo como uma hermenêutica geral que fosse uma arte do compreender; existiam diversas hermenêuticas especiais. Schleiermacher fará a hermenêutica independer-se de suas especialidades, tornando-a a teoria geral do compreender. Segundo Gibelline[1], torna-se instrumento geral das ciências do espírito.
Schleiermacher descobriu que a Bíblia não possui tratados teológicos sistemáticos e, sim, é o produto de homens dando respostas a situações concretas. Daí a necessidade de se conhecer a vida do escritor e o que está por trás das suas palavras[2]. Sendo assim, é fácil entender que muito da atividade exegética (estudar o contexto cultural de um texto bíblico para podermos conhecer a sua mensagem para a época em que foi escrito) é, a princípio, uma atividade fundada na perspectiva de Schleiermacher.
Schleiermacher fez distinção entre interpretação gramatical e interpretação psicológica. A interpretação gramatical passa por uma atividade linguística-lexical; enquanto que a interpretação psicológica é a atividade de se procurar compreender a mente do autor expressa pelo texto escrito. A necessidade de uma análise filosófica das condições que tornam possível o entendimento do texto é fundamental no método de Schleiermacher. O caminho de elaboração do texto percorrido pelo Criador original é fruto da perspectiva e da vida pessoal do autor numa situação social que abrange a situação particular na qual o texto é criado.
Alguns críticos dizem que Schleiermacher foi influenciado pelo movimento romantista quando entende como possível um intérprete chegar a uma habilidade de recriar a mente do autor de um texto. Certamente isso é questionável.
Segundo o teólogo Bernard Ramm, citado no livro Teologia Contemporânea de Stanley Gundry, Friedrich Schleiermacher foi o pioneiro na reconstrução da teologia mediante o uso de uma base filosófica. Trabalhou este filósofo e teólogo fundado no idealismo alemão de Immanuel Kant (1724-1804), um dos fundadores teoréticos do liberalismo teológico.
Os estudos hermenêuticos têm passado por várias transformações desde Schleiermacher até os nossos dias. Principalmente para as mentes influenciadas pela pós-modernidade, a realidade hermenêutica está vinculada não somente àquelas considerações feitas por Schleiermacher, mas a uma série de outras considerações que abrem um leque de interpretação extremamente sugestivo.
O teólogo precisa, pois, ter uma noção adequada da realidade hermenêutica do seu trabalho para não se enredar em situações de desconforto exegético, precisando refazer todo o seu trabalho, muitas vezes sem necessidade de que isto aconteça.
Willians Moreira Damasceno
Um comentário:
Muito bom, obrigada! :)
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