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quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A ÉTICA DO ESTOICISMO

O universo é um todo animado, vivo e racional. Nenhum resquício de irracionalidade afeta a natureza. A razão divina, Zeus, rege o mundo e tudo o que nele se encontra. Há uma ordem necessária e perfeita atuando sobre todo o universo. A natureza não tem emoções e por isso não sofre ante o que o homem entende como sendo mal e bem, pois que mal e bem são inexistentes para a razão universal. A partir desta compreensão da natureza, o estoicismo elabora toda uma compreensão de realidade que determina a sua relação com a própria natureza e com o próprio homem. Assim, são constituídas várias noções que formam o conteúdo da filosofia estóica. Uma noção de Lei Natural; um ideal cosmopolita do mundo; uma visão fatalista da vida e uma prática da ataraxia, ou seja, uma apatia em relação às afecções da existência. Essas noções, in passant, procurar-se-á abordar neste texto.

A NOÇÃO DE LEI NATURAL
Lei natural é todo o direcionamento que a razão universal estabelece na condução da natureza. Lei esta que afeta todos os seres humanos e demais fenômenos do universo. Todos os seres são guiados infalivelmente pela razão universal e esta fornece normas infalíveis de ação que constituem o direito natural. Assim sendo, há uma lei na essência da natureza, que afeta todos os seres. O ser humano, como parte deste universo vivo e racional, tem condição de viver de acordo com esta lei natural. Esta lei natural é acessível ao homem (acessível porque lhe é inerente) pela razão que nele habita. O conhecimento da física esclarece que tudo acontece segundo a razão universal, a vontade de Deus e o destino. Essa Lei colocou no homem e nos demais seres a lei de autopreservação. E neste sentido, todo o ser obedece necessariamente ao destino. Aonde o ignorante vai pela força, o homem sábio, estóico, vai voluntariamente. Diante desta consciência, o estóico não deve ser visto como um inconseqüente que, resignado, “deixa estar para ver como é que fica”. Na verdade, esta disposição estóica é um direcionamento para a ação. A Natureza age; Zeus é atuante. Logo, o homem, porque também natureza, também é agente; agente segundo as leis que a razão universal lhe colocou na alma.

O IDEAL COSMOPOLITA DO MUNDO
O mundo estóico é um universo de corpos. Todas as causas que incidem neste universo são corpóreas. Não há causa que não tenha um efeito e ambos são corpóreos. Há uma interação mútua entre todas as coisas. Na verdade, o universo é uno e contínuo. Toda a natureza é uma continuidade. Há uma simpatia do universo consigo mesmo. Seres e coisas são simpáticos entre si. Desta perspectiva de uma simpatia física no universo, alcança-se uma simpatia no plano metafísico e ético. Em virtude disso, o sábio não se proclamará apenas cidadão de uma mera cidade, mas se conceberá como cidadão do mundo. Restringir-se a uma cidadania limitada pela polis é não atender ao ideal da natureza.
“Zenão – disse Plutarco [61] – escreveu uma República muita admirada, cujo princípio é: que os homens não devem separar-se em cidades e povos que tenham leis particulares, porque os homens são concidadãos, já que há para eles um só caminho, uma só ordem das coisas (cosmos), como para um rebanho unido sob a regra de uma lei comum. O que Zenão escreveu como se tivesse sonhando, Alexandre realizou; ... Reunindo como em uma cratera todos os povos do mundo inteiro; ... e ordenou que todos considerassem a Terra como sua pátria, a seu exército como a acrópole de todos, as pessoas de bem como parentes e as de mal como estrangeiros”.[1] O cosmopolitismo traduz assim, no plano moral e social, a simpatia universal.

A VISÃO FATALISTA DA VIDA E A PRÁTICA DA ATARAXIA
Para o estoicismo, Destino é lógos, e este é nómos. Este destino, este lógos, este nómos, é Zeus; é a própria ordem em sua ordem de causas e efeitos. O universo como um ser vivo submetido a Zeus, ao Destino, possui uma teleologia em função da razão divina que o dirige. Em função desta, todo o destino está traçado. Toda ação humana está assim submetida à fatalidade das leis universais que levam o universo para o seu alvo. A liberdade humana é pura utopia. Desde que tudo está dirigido, determinado por causa e efeitos oriundos do todo, o homem, como mera particularidade, está submetido ao destino, do qual não pode se esquivar. Assim, a excelência estóica desenvolve-se numa busca de renúncia a todos os bens do mundo, cujo curso é fatalmente determinado. Na verdade, a atitude estóica labora na compreensão de que não se pode fazer coisa alguma contrária ao que está determinado pela natureza. É fatal o acontecimento do que está determinado pela natureza. Não há porque o homem se esgueirar numa contraposição ao que é fato consumado como fenômeno natural. Resta então se entregar à indiferença quanto a tudo, salvo o pensamento, a sabedoria e a virtude: os únicos bens verdadeiros. A prática da ataraxia constitui-se numa indiferença às afecções. A indiferença é o caminho para a imperturbabilidade ante a fatalidade do destino. A apatia, a serenidade, é desenvolvida numa luta dura e interminável até o momento da morte.
A felicidade estóica é alcançada por uma atitude ante a existência. A compreensão de homem é bem aristotélica: homem feliz é aquele com capacidade de enfrentar situações adversas com autodomínio. O homem estóico é dono de si (evgkrathj). O ideal mesmo do estóico é dominar-se a si mesmo ante o determinismo universal. Tudo o que vier a lhe acontecer não estará fora de sua vontade. Parece, no entanto, uma virtude sempre negativa. Afinal, trata-se de renunciar a praticamente todas as possibilidades de emoção, negativa ou positiva, quando, na verdade, a emoção não está fora da natureza e, por isto, é também natural. Seria aceitável um domínio racional da paixão, mas, tratando-se de um autodomínio para a destruição da mesma, vê-se a impossibilidade de uma felicidade estóica. Um homem sem paixão, como um deus entre os homens, é mesmo impraticável. Um homem sem paixão não é Homem.
O que seria, pois, viver segundo a Natureza, ou de acordo com nossa própria natureza? Na Natureza não haveria espaço para o sofrer às afecções com atitude não estóica? Chorar, inquietar-se, seria antinatural? Ora, se está no homem o potencial de inquietação, seria este contrário à natureza? Não é a inquietação, ante momentos adversos, que leva o homem a tomar atitudes criativas, muitas vezes? Pelo pensamento estóico “quando todas as ações praticadas promovem a harmonia entre o espírito existente em cada um de nós e a vontade do ordenador do universo”, nisto consiste a excelência do homem feliz.[2] O friso cai sobre a busca de harmonia entre a nossa natureza e a natureza de Zeus. Parece que se entende que uma e outra são de mesma essência. Mas o prisma de orientação parte de fora para dentro do homem, ou seja, de Zeus para o homem. Com outras palavras, se Zeus é indiferente às afecções, para o estóico, o homem deve sê-lo também. Por qual argumento se chega a esta conclusão? Somos então compelidos a dizer que a natureza, constituindo o ser vivo, fê-lo caro a si mesmo, pois assim ele repele tudo que lhe é prejudicial e acolhe tudo que lhe é útil e afim”. [3]
A felicidade estóica estaria em o homem tornar-se apático como a Natureza; como Zeus; com a Razão universal. E isto com qual fim? Com o fim de conservação da vida, bem este supremo, colocado no homem pela Natureza, por Zeus.
Willians Moreira
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LAÊRTIOS, Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Brasília. Editora UnB, 1977, 2ª edição. Págs. 374.
http://consciencia.org/antiga/estoicismobrehier.shtml
BRUN, Jean. O estoicismo. São Paulo. Edições 70, 1959. 101 págs.
[1] http://consciencia.org/antiga/estoicismobrehier.shtml
[2] LAÊRTIOS, Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Brasília. Editora UnB, 1977, 2ª edição. Pág. 202.
[3] Ibid. Pág. 201.

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