CONSIDERAÇÕES SOBRE A ALEGORIA DA CAVERNA[1]
A interpretação da alegoria da caverna passa, originalmente, por uma compreensão platônica do que seja dialética; dialética esta que não comporta a síntese entre opostos, mesmo que apresente um processo evolutivo para uma dimensão superior de conhecimento, na qual se encontra a verdade. No caso platônico, a verdade está no reino das idéias. O mundo da caverna é o mundo das aparências, do falso, portanto, oposto ao mundo da luz, o exterior da caverna. A dialética platônica é pois, uma dialética sem síntese. No Entanto, é possível interpretar-se a mesma alegoria pelo prisma hegeliano de dialética, uma dialética que comporta uma síntese. Por este prisma, a verdade não está num estágio superior, meramente contrário ao seu anterior. A verdade está na identidade dos opostos entre si; com uma conciliação entre os contrários. Mesmo que Hegel não utilize a tríade: “tese-antítese-síntese” quando trabalha o seu método especulativo-dialético, faz-se viável a terminologia “tese-antítese-síntese” para explicar o processo que acontece no “mito da caverna” de Platão, no qual as sombras representam a dimensão de finitude ou limitação da condição humana e a luz, o exterior da caverna, representa o infinito mundo da verdade, um mundo aberto, ilimitado. No interior da caverna, os homens fazem uma idéia da existência que se limita aos condicionamentos ocasionados por falta de liberdade ou em virtude das limitações de perspectivas. O que vêem e o que sentem, se é que conseguem, dirigem as suas conclusões finais. No entanto, sempre há quem queira mais e não se acomode. Parte deste a iniciativa de buscar o que pode ser entendido como a antítese, o não-ser do ser da caverna. A antítese se encontra fora da caverna. Enquanto existe sombra na caverna, fora existe luz. Aquele que sai da caverna pode provar de quais substâncias são as duas realidades. Marcante é entender que estas duas realidades se explicam uma pela outra. E só chega à síntese quem não absolutiza uma delas. É a capacidade de sintetizar que possibilita a volta daquele que um dia deixou a sombra do interior da caverna. O texto sugere a volta motivada pela compaixão. Compaixão esta que não é paternalista, antes é caracterizadamente pedagógica, já que permanecer nas sombras reflete um estado infantil de reflexão, mesmo que este estado tenha o que ensinar ao homem. Para aquele que volta, as sombras são uma realidade tanto quanto a luz. E só se compreende uma quando se conhece a outra. O ensino básico constitui-se no fato da periodicidade e dinamismo que tornam constantes em nós o estado de sombra e o estado de luz, finitude e infinitude, fechamento e abertura para o universal. Não há como ficar isentos de uma destas realidades. A experiência humana representada naquele que sai e volta é de maturidade, embora não de perfeição acabada.
Uma relação com esta alegoria pode ser encontrada nas expressões de movimentos ideológicos radicais. De passagem, podemos citar as atitudes, pensamentos e ações de grupos fanáticos que, intransigentemente, não aceitam e rechaçam manifestações contrárias às suas doutrinas. Partindo do pressuposto de que para toda tese há uma antítese, fica difícil para os que estão em cavernas doutrinárias relacionarem-se com os que buscam a síntese ou apresentem apenas a antítese.
De uma perspectiva mais focalizada em indivíduos, temos exemplos em Sócrates, Jesus, Freud, Nietzsche, Galileu, Espinoza, Giordano Bruno e outros, que se libertaram da caverna das tradições e encontraram outros parâmetros de verificação do conhecimento e da realidade.
O mundo é palco de ambos os momentos: sombra e luz. Cabe ao homem extrapolar esta dimensão dualista e avançar para uma compreensão global e sintética que lhe possibilite conviver com o pluralismo iluminado da verdade.
Willians Moreira
[1] BIBLIOGRAFIA: PLATÃO. A república. São Paulo: Martin Claret, 2000. 320 págs.
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