Páginas

sábado, 10 de janeiro de 2009


A versão sartreana do existencialismo tem como postulado central a máxima: “a existência precede a essência” (SARTRE, 1987. Pág. 5). Esse existencialismo é uma versão daquele já antes elaborado por mestres como Kierkegaard, Heidegger e Jaspers. Segundo o próprio Sartre, o que há em comum entre estes e o seu é o postulado central. Tanto o existencialismo cristão quanto o existencialismo ateísta entendem que é necessário que a reflexão parta da subjetividade.
O destaque ateísta se apresenta na declaração de que “se Deus não existe, há ao menos um ser no qual a existência precede a essência”: o homem (SARTRE, 1987. Pág. 5). Isso significa que antes de uma definição de si mesmo, o homem precisa existir. Este pressuposto lança por terra a constatação de que existe uma natureza humana já pronta, universal, pela qual se possa, preconceituosamente, estabelecer o que é o homem. Antes, vale a analogia de que é caminhando que se constrói o caminho. Antes do homem que se constrói, só há o nada. Como diz Sartre, “o homem é tão somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer”. Ou seja, a definição, se é que pode haver, é sempre posterior ao existir. Essa compreensão é bem coerente com uma compreensão dialética. Significa dizer que a definição é sempre um processo inacabado; o que o homem é hoje, pode não o ser amanhã. A porta está sempre aberta para novas possibilidades.
Essa abordagem deixa bem clara a responsabilidade do homem sobre si mesmo. Desde que não existe um deus, o homem está só. Desde que não houve uma criação divina, o homem está só e se cria a todo instante. Nesta autocriação, o homem elabora também todo o seu código moral. Eis assim a plataforma de onde o homem é o único responsável por suas escolhas. Não há espaço para culpar a qualquer outro ser pelo que o homem se torna.
Neste ponto, entende-se que uma conceituação de subjetividade faz-se extremamente necessária. Sartre diz: “Assim, quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens” (SARTRE, 1987. Pág. 6). É nesta cláusula da responsabilidade “por todos os homens” que está o cerne da subjetividade existencialista de Sartre. Esta fala da “impossibilidade em que o homem se encontra de transpor os limites da subjetividade humana” (SARTRE, 1987. Pág. 6). Cada um de nós se escolhe, porém o mais importante é que, ao escolher-se, o indivíduo escolhe todos os homens. Toda escolha de se construir é uma escolha de construção da humanidade. Toda escolha de autoconstrução é sempre uma escolha moral, pois que se entranha a valoração do nosso ato construtivo de nós mesmos. Quando o indivíduo decide arrasta consigo toda a humanidade.
Sartre usa o termo angústia para descrever a consciência da própria liberdade. Ora, não temos um deus em quem confiar. Estamos livres e sozinhos. Não há que esperar uma justificativa para nossas ações ou para nos indicar o caminho certo. Nós mesmos somos os nossos próprios juizes. Não há moral absoluta que nos dê, por sua vez, certezas irrevogáveis. Em face disso, Sartre usa três palavras: “angústia, desamparo, desespero” (SARTRE, 1987. Pág. 7). O raciocínio sartreano parece processar-se semelhantemente ao raciocínio do imperativo categórico kantiano: um valor universal aplicado ao agir humano. Mas há uma distinção curiosa. Enquanto o imperativo categórico é um resultado da razão pura, sendo por sua vez um ideal a ser vivido pelo homem, o valor universal da angústia sartreana é patente quer o homem mascare ou não a sua existência. Sartre diz que o homem é “também um legislador que escolhe simultaneamente a si mesmo e a humanidade inteira, não consegue escapar ao sentimento de sua total e profunda responsabilidade. É fato que muitas pessoas não sentem ansiedade, porém nós estamos convictos de que essas pessoas mascaram a ansiedade perante si mesmas, evitam encará-la; certamente muitos pensam que, ao agir, estão apenas engajando a si próprios e, quando se lhes pergunta: mas se todos fizessem o mesmo?, eles encolhem os ombros e respondem: nem todos fazem o mesmo. Porém, na verdade, devemos sempre perguntar-nos: o que aconteceria se todo mundo fizesse como nós? E não podemos escapar a essa pergunta inquietante a não ser através de uma espécie de má fé. Aquele que mente e que se desculpa dizendo: nem todo mundo faz o mesmo, é alguém que não está em paz com sua consciência, pois o fato de mentir implica um valor universal atribuído à mentira. Mesmo quando ele se disfarça, a angústia aparece” (SARTRE, 1987. Pág. 7). Distingue-se assim que, enquanto o homem pode escapar do imperativo categórico, não o obedecendo, da responsabilidade por toda a humanidade ninguém escapa. Esta responsabilidade é irredutivelmente categórica e geradora de angústia. E é justamente essa angústia que leva o homem a engajamentos tais que ocasionam transformações na humanidade. Responsabilizar a hereditariedade, o meio-ambiente, ou outras quaisquer realidades para livrar o homem de sua angústia é pura perda de tempo. Para Sartre, não há fatores determinantes que nos isente de nossa responsabilidade ante nossas decisões e escolhas. Estamos condenados à liberdade.

BIBLIOGRAFIA
SARTRE, Jean Paul. O existencialismo humano. Tradução de Rita Correia Guedes – OS PENSADORES. 3ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

Um comentário:

Sandro Safadi disse...

Prezado Prof. Willians,
Gostei muito de sua curta e interessante análise, principalmente na distinção em relação à noção do Imperativo Categórico em Kant.

Tomo a liberdade de fazer-lhe uma pergunta.

Como o Senhor pensa que Sartre tratou o cotidiano em suas obras, em que medida o sujeito psicológico está presente? Acrescentando; na noção de consciência em Sartre caberia alguma aproximação com a noção de sujeito psicológico?

Obrigado,

Sandro Safadi