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segunda-feira, 4 de abril de 2011

PARCIALIDADE E IMPARCIALIDADE DOUTRINÁRIAS DO NOVO TESTAMENTO

                Em que sentido se poderia falar sobre imparcialidade e parcialidade doutrinárias do Novo Testamento? A resposta a esta questão é relativamente complexa. Na verdade, há um sentido no qual o NT é doutrinariamente imparcial e outro em que ele é doutrinariamente parcial. Por parcialidade doutrinária entenda-se aqui um posicionamento que favorece a uma determinada ala de religiosos. Por imparcialidade doutrinária entenda-se uma neutralidade do texto em não compactuar necessariamente com qualquer que seja o grupo religioso-denominacional. Desta forma, a tese é: O Novo Testamento é imparcial doutrinariamente apenas da perspectiva histórico-cultural enquanto distante de seu sítio de origem. Isto significa que o NT ganha imparcialidade doutrinária à medida que se distancia do seu berço geográfico-histórico-literário. Ou seja, quanto mais o NT se aproxima de pessoas e de épocas que não se vinculam histórica e culturalmente à sua situação de origem, mais imparcial doutrinariamente ele pode ser interpretado. Não há grupo religioso do cristianismo que não adote a Bíblia como seu texto de autoridade absoluta, em especial o Novo Testamento. Todas as crenças expressas pelos textos neotestamentários são crenças dos cristãos em geral. Ou seja, a crença na imortalidade da alma, na ressurreição, no céu, no inferno, em galardão, em anjos, em demônios, etc., são crenças dos cristãos. No entanto, quando se trata de crenças outras como, por exemplo, a doutrina escatológica, o trinitarianismo, o unitarismo, a cristologia (em especial a doutrina sobre as duas naturezas de Jesus), a pneumatologia, e tantas outras doutrinas que são resultado de elaboração teológica posterior ao primeiro século, há divergência sobre todas entre os cristãos, embora os textos bíblicos sejam os mesmos para fundamentar todas estas crenças. Quanto às crenças doutrinárias expressamente abordadas pelo NT, os cristãos as aceitam por unanimidade. Ou seja, o texto bíblico (em especial o NT) não se posiciona, em hipótese qualquer, sobre crenças posteriores à sua elaboração. O que seria um anacronismo impossível de acontecer. Por isso é fato a sua imparcialidade doutrinária ante as crenças dos cristãos posteriores ao seu surgimento.
                Quanto à parcialidade doutrinária do Novo Testamento, só é possível tratar desse fato quando se pensa a partir do momento de sua escrita. Ora, dá-se que seus autores eram caracterizadamente de teologia farisaica. Os escritores foram discípulos de Jesus vindos do povo. E provado está por literatura farta que o povo dos dias de Jesus era abertamente favorável aos fariseus no quesito teologia, como também o próprio Messias[1]. De sorte que os escritores do NT receberam influência farisaica, expressa fartamente nas crenças dos discípulos, que eram também as crenças do próprio Jesus, judeu que ratificava as mesmas crenças dos fariseus sobre céu, inferno, vida após a morte, galardão, anjos, demônios, ressurreição, etc. Pode-se dizer isto de Jesus, mesmo sabendo-se que ele não escreveu coisa alguma sobre si e entendendo-se que a letra do NT veio dos seus discípulos. O autor mais ilustrado do NT, o apóstolo Paulo, alardeia sua teologia farisaica em vários momentos de sua existência[2]. Assim, pois, o NT não seria jamais ratificado pelos saduceus, ou essênios, pois que eram de doutrinas em muito divergentes dos fariseus. A implicação desse fato é que, se os discípulos de Jesus tivessem sido dos saduceus, o NT não teria crenças como as que se instalaram no texto bíblico que lemos; crenças que os fariseus ratificavam. Neste sentido, o NT é doutrinariamente parcial no seu momento de elaboração, não sendo hoje como no princípio, pois que não temos mais fariseus, saduceus ou essênios. De vez que os cristãos medievais e contemporâneos foram apresentados a um texto já estabelecido milenarmente, não há como vê-lo hoje como doutrinariamente viciado, parcial. Desse fato resulta o acreditar-se nas mesmas doutrinas que os fariseus acreditavam, absolutizando-as graças a um fundamentalismo teológico, cria famigerada de uma mentalidade sedenta de acorrentamento das massas em suas teias satânicas.
                Decorre do acima exposto a necessidade de uma melhor avaliação sobre as crenças adotadas pelo cristianismo, de vez que as crenças de ontem são tão suscetíveis de críticas quanto as crenças de hoje. Partindo-se do pressuposto de que nenhum texto do passado, ou do presente, é considerado sagrado por aquele que o escreve, mas, sim, por aqueles que lhe são posteriores, há de se admitir que a anuência a tal texto, passa por um critério de aceitação. E como todo critério, pois que humano, está sujeito às limitações e falhas do conhecimento. Nada mais justo, pois, do que cada cristão reavaliar as suas crenças, tanto as de elaboração recente, como também as já consideradas milenarmente estabelecidas.
Willians Moreira Damasceno

[1] Mat. 23: 2-3: "Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Observai, pois, e praticai tudo o que vos disserem; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não praticam" (João Ferreira de Almeida – Revista e corrigida – Sociedade Bíblica do Brasil). Filipenses 3:5: "Segundo a lei, fui fariseu". Atos 26:5: "Vivi, como fariseu, segundo o partido mais severo da nossa religião" (João Ferreira de Almeida – Revista e corrigida – Sociedade Bíblica do Brasil). Filipenses 3:5: "Segundo a lei, fui fariseu". Atos 26:5: "Vivi, como fariseu, segundo o partido mais severo da nossa religião".
[2] Atos 23:5-6: "E Paulo, sabendo que uma parte era de saduceus, e outra, de fariseus, clamou no conselho: Varões irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseu! No tocante à esperança e ressurreição dos mortos sou julgado!" (João Ferreira de Almeida – Revista e corrigida – Sociedade Bíblica do Brasil). Filipenses 3:5: "Segundo a lei, fui fariseu". Atos 26:5: "Vivi, como fariseu, segundo o partido mais severo da nossa religião".

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