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domingo, 17 de outubro de 2010

POR UMA QUALIDADE E EXCELENCIA GRAMATICAL EM NOSSOS PÚLPITOS

    
Como o espaço deste Blog se presta também a puplicação de amigos interessados nos assuntos aqui privilegiados, temos a alegria de publicar o texto que segue, da autoria do Pr. Eliabe, pastor da 1ª Igreja Batista no Bairro de Santarém - Natal/RN.


POR UMA QUALIDADE E EXCELENCIA GRAMATICAL EM NOSSOS PÚLPITOS

A palavra é o instrumento de trabalho do pregador. Seja na expressão oral ou escrita. Uma das coisas que logo atraem ou repelem os ouvintes é a capacidade do orador de escolher corretamente as palavras e utilizá-las com precisão. Há pouco tempo deparei-me com este conceito de Evanildo Bechara: “o falante culto é... aquele que dispõe da consciência da prática da variedade da linguagem e de sua adequação às diversas situações de interação... deve ser um poliglota da própria língua... deve ser capaz de escolher a língua funcional adequada a cada momento de criação”¹.
Esta afirmação é extremamente apropriada quando pensamos que temos a responsabilidade de transmitir a melhor mensagem que a humanidade pode receber. Mas, infelizmente, percebe-se que muitos pregadores e professores, pessoas que lidam com a palavra em nossas igrejas, entregam um valioso presente embrulhado num papel qualquer. Temos algo maravilhoso a dizer, mas não nos preocupamos com o veículo de expressão: nosso idioma.
Ao intitular este artigo com a expressão: “por uma excelência”, não me refiro aqui ao pedantismo, o “falar difícil” só para impressionar. Particularmente, acredito que existem problemas de exagero e de ausência de intelectualismo em nossos púlpitos. É conhecida a narrativa atribuída a Rui Barbosa. Um ladrão foi surpreendido pelas palavras do jurista ao tentar roubar galinhas em seu quintal:
— Não o interpelo pelos bicos de bípedes palmípedes, nem pelo valor intrínseco dos retro citados galináceos, mas por ousares transpor os umbrais de minha residência. Se foi por mera ignorância, perdôo-te, mas se foi para abusar da minha alma prosopopéia, juro pelos tacões metabólicos dos meus calçados que dar-te-ei tamanha bordoada no alto da tua sinagoga que transformarei sua massa encefálica em cinzas cadavéricas.
O ladrão, todo sem graça, perguntou:
— Mas como é, seu Rui, eu posso levar o frango ou não??
Brincadeiras à parte, muitas vezes, ouvintes de determinados pregadores ficam com a expressão do ladrão da narrativa: não compreendem a linguagem do pregador. “No original grego”, “... no hebraico”, “a concretude da ideologia massificante atual”, “... o pluralismo exacerbado da dimensão eclesiológica protuberante em nossa dimensão contemporânea!” (esta última nem eu entendi). Ouvi certa vez de um pregador que orientava seus ouvintes a trazerem para a igreja, além da Bíblia e do Cantor Cristão, um dicionário da Língua Portuguesa.
Cabem aqui também as palavras do poeta Thiago de Mello: “Falar difícil é fácil. O difícil é falar fácil”. Talvez o que falte em tais pregadores seja a percepção do público alvo. Do nível cultural e da capacidade de compreensão dos ouvintes. Evidencia-se também uma dificuldade comunicativa de falar de coisas profundas em linguagem simples. Gosto de imaginar que o Senhor Jesus poderia ter formulado expressões e frases complexas utilizando termos e conceitos da filosofia e da retórica clássica, mas raramente o fez.
No outro extremo da corda está o problema da precariedade gramatical. São expressões como: “a gente vamos”, “a gente façamos”, além dos famigerados e viciantes gerundismos: “nos próximos dias nós estaremos realizando, enquanto os irmãos estarão  participando, e os visitantes estarão assistindo e também estarão ouvindo enquanto eu estarei pregando...”  E ainda tem o problema do né. Né?
Um problema de difícil solução é a limitação linguística. A ausência de criatividade na utilização de termos e palavras novas. Há pouco tempo, uma pesquisa revelou que o brasileiro utiliza pouquíssimas palavras no seu dia a dia. Tenho um minidicionário Houaiss com mais de 30.000 palavras e locuções da nossa língua. É triste verificar a pouca preocupação da maioria dos pregadores em se apropriar de tal riqueza de termos e expressões. Como não admirar os bons exemplos da utilização da língua portuguesa como o faz Antonio Vieira, Isaltino Coelho, Fausto Aguiar, Rubem Alves, e outros!
Pensar uma excelência gramatical pode significar sair do pedestal sem cair no banal. Ter uma oratória coerente, variada, precisa e que realmente dignifique a mensagem que transmite. Algumas estratégias podem ser adotadas: Em primeiro lugar, ler. Ler não apenas a Bíblia, livros teológicos ou a revista da EBD. Ler literatura, ler poesia; Machado de Assis, Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, Carlos Drummont. Aprender com os mestres do idioma. Com as novas tecnologias disponíveis. Outro recurso seria gravar suas próprias mensagens e depois avaliar sua compreensibilidade, dicção e qualidade de conteúdo. Muitos pregadores talvez se surpreendam negativamente ao se ouvirem e terão mais compaixão de seus ouvintes. Outra coisa que ajuda é um bom crítico. Um professor de português ou apenas algum irmão da igreja que atue como conselheiro nesta área também pode ajudar. No que se refere à escrita, nunca devemos olvidar do princípio básico: ler o que produziu e pedir para outra pessoa também ler, antes de enviar. Uma técnica que normalmente utilizo, para sair da monotonia de usar sempre as mesmas palavras com os meus ouvintes é enunciar uma expressão pouco conhecida e imediatamente associar um sinônimo mais conhecido, dessa forma eles rapidamente entendem o que digo com aquela palavra nova. A última orientação vem do ditado popular: “costume de casa...”; ou seja, falar correto mesmo em situações informais.
A palavra “excelente” vem do latim excellere e é formada pelo sufixo “ex” que, entre outras coisas, significa destacar-se, fugir do convencional. Aquele que consegue realizar um trabalho excelente logo se destaca e obtêm melhor reconhecimento e sucesso.
Para encerrar, um poema de Carlos Drummont:
A Palavra Mágica

Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.
  
¹ BECHARA, Evanildo (1985). Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? São Paulo: Ática IN. PRETI, Dino. Estudos da Língua Ora e Escrita. Rio de Janeiro: Lucena, 2004, p.16.

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