Teologia como ciência
De um
ponto de vista prático, até que ponto é possível conceituar a Teologia como uma
ciência?
Se dependermos de uma verificação
dos postulados teológicos em laboratórios, não é possível (este é o ponto
culminante da ciência conceitualmente padronizada). No entanto, quanto aos
aspectos metodológicos, estatísticos, e de sistematização, a teologia anda em
paridade com a ciência, pois que procede igualmente quanto ao objeto apreendido
em seu estudo. Nestes aspectos também está no mesmo diapasão da filosofia.
Quanto à questão de verificabilidade,
concebe-se que os teólogos procedem a uma verificação dos seus postulados.
Enquadra-se nesse âmbito a verificação de aplicabilidade de suas conclusões à
situação humana à qual o estudo teológico é dirigido. Em teologia, como em
ciência, não se permite radicalização. Se no passado foi assim, hoje não mais se
permite absolutizações de conceitos que são passíveis de reexame.
Dizer que a teologia é um
conhecimento infalível é desviar-se do objetivo buscado pelos próprios
teólogos. Estes entendem que suas proposições podem ser revistas diariamente,
em face de novos raciocínios. Isto evidencia que a ciência teológica, como
qualquer ciência, é passível de erros. É precária a teologia que não aceita um
reexame dos seus postulados. É inadmissível considerar indiscutíveis as supostas
verdades teológicas. O próprio fato de haver várias e diversas teologias (como
há várias e diversas abordagens científicas de um mesmo fenômeno) implica na discutibilidade
da ciência teológica.
Quanto à exatidão, só é possível
ratificar a teologia quanto ao aspecto da razão e/ou da lógica (a
verificabilidade dos postulados teológicos não é possível em termos de ciência
tecnológica). Isto significa que toda e qualquer conclusão teológica dependerá
sempre e puramente dos ditames do raciocínio.
Assim, tanto características
científicas quanto filosóficas são aplicáveis à Teologia; nunca esquecendo que
a teologia possui características que só a ela são peculiares: quanto ao
aspecto valorativo (proposições a respeito do sagrado) e ao aspecto
supostamente inspiracional (lidar com a revelação sobrenatural).
Como diz David Clark, “Ciência
não é apenas uma coleção de fatos, mas a descoberta e a afirmação das leis que
a regem” (CLARK, 1988, pág. ___)¹. Sendo assim, a Teologia, como ciência, junta
e dispõe os supostos fatos teológicos, indicando a relação que há entre eles.
Por um prisma teológico, a
teologia estuda o que se pode conhecer do ser divino e tudo aquilo que se
relaciona ao mesmo. A teologia está, via de regra, relacionada à religião. No
dizer de Langston, “a teologia esta relacionada com a religião, assim como a
botânica com a vida das plantas” (Langston, 1991)². Assim pensa Langston, pois
crê que a religião é algo natural e instintivo ao homem. Para Langston seria
impossível haver teologia sem religião. Esta asseveração parece um tanto
presunçosa. Isto não seria o mesmo que dizer que a existência das drogas
requer, necessariamente, o viciado ou que o cientista precisa ser
necessariamente um toxicômano? Esta maneira de pensar parece refletir a crença
de que é impossível ser teólogo sem ter fé. O que é completamente questionável.
Que a botânica depende das plantas, não se discute. Um fato é o fenômeno; outro
fato é o estudo do mesmo. Aquele é necessário; este é contingente. A teologia
pode estar relacionada com a religião, mas a sua dependência está em relação
apenas ao metafísico, ao fenômeno estudado, no caso, uma divindade e suas
supostas manifestações. A existência de uma divindade não requer
necessariamente um venerador seu, nem um estudo a seu respeito. Quem estuda o
fenômeno divino pode até ser seu venerador, mas não necessariamente. E, como se
prescreve em ciência, um estudo devido de um fenômeno requer o máximo de
afastamento subjetivo do objeto estudado. Se não se consegue afastamento absoluto,
pelo menos o máximo possível.
Toda teologia é antropológica
Como extensão desta abordagem, pode-se dizer ainda que não há teologia que, em sua natureza, não seja puramente antropológica. Dizer “teologia teológica” é o cúmulo do absurdo. Quem faz teologia não é a divindade. Assim como quem faz a botânica não são as plantas. O religioso, via de regra, não questiona os dogmas de sua fé. O teólogo faz isto constantemente. Um problema no qual muitos incorrem é o de não transporem a linha entre religião e teologia. E isto compromete irracionalmente o labor teológico.
O Laboratório da teologia
Entendendo-se a teologia como ciência, onde
estaria o seu “laboratório”? Ora, as ciências fatuais têm os seus laboratórios
para praticarem a investigação científica. A investigação teológica tem o seu
“laboratório” na bibliografia, nos congressos teológicos e na relação interdisciplinar
com outras ciências humanas. Nesta empreitada, o teólogo é tão cientista quanto
qualquer outro pesquisador. A elaboração de documento acadêmico é
imprescindível. A discussão com objetivo de intercâmbio das idéias deve ter
obrigatoriedade. O encontro com o diverso requer-se improrrogável. Nesta
atmosfera, até que ponto seria viável esperar que o teólogo labore a sua tarefa
ao mesmo tempo em que ora (se for religioso)? Não seria o mesmo que exigir que
o farmacêutico seja também um toxicômano, embora, em certa dose, o estudo possa
admitir certo uso de droga em si mesmo, com consciência dos perigos envolvidos
na experiência. Até que ponto o teologar religiosamente não comprometeria as
conclusões teológicas? Não seria o mesmo que abraçar o assassino do próprio
filho. A teologia, como qualquer ciência, exige o máximo de desprendimento
emocional. É evidente que ao homem é impossível o isolar-se cabalmente do
objeto estudado. Mas a exigência do distanciamento não deve ser relaxada. Se o
teólogo não consegue ser filosófico em relação ao seu objeto de estudo, o
comprometimento com a unilateralidade estará patente. Eis um dos problemas de
alguns teólogos: religiogizar a teologia. É o caso de Libanio e Murad, quando
dizem que “teologia é diálogo entre o homem e Deus na comunidade eclesial” (Libanio
& Murad, 1996, pág. 71)³. O diálogo com a comunidade é imprescindível, mas
se não “sair” da comunidade, tenderá a dizer somente o que ela quer ouvir.
Portanto, como ciência, a Teologia é
uma disciplina antropológica que estuda a divindade e o sagrado, supostamente
revelados, na busca de direções para a existência humana, verificando e
reconhecendo suas limitações de raciocínio quanto ao alcance do possível conhecimento
exato sobre o sobrenatural ou metafísico.
Willians Moreira
Referência
Bibliográfica
1. CLARK,
David S. Compêndio de teologia
sistemática. 2ª ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1988.
2. LANGSTON, A. B. Esboço de Teologia Sistemática. 10ª ed., Rio de Janeiro: JUERP, 1991.
3. LIBANIO,
J. B. & MURAD, Afonso. Introdução à
teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
http://teo-filo-lit-wm.blogspot.com/2009/05/teologia-como-ciencia-de-um-ponto-de.html#links
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