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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

LINGUÍSTICA PARA A REFLEXÃO TEOLÓGICA

 

Os teólogos, em sua grande maioria, estão conscientes de que o seu discurso recebe contribuições de vários ramos do conhecimento. No entanto, lamentável é existirem teólogos que não entendam assim. Alguns teólogos advogam que o simples conhecimento teológico é suficiente para cumprimento do seu ofício. Contando ainda que nem mesmo das reflexões teológicas mais recentes tomam conhecimento. Talvez porquê as mesmas dialogam com outras vertentes de conhecimento.

            Uma ciência que contribui consideravelmente para o bom desempenho do discurso teológico é a Linguística. Dito isto, valem algumas considerações sobre a contribuição que esta ciência opera no exercício daquela.

            De imediato urge que se apresente o conceito de Linguística, como também que se delineie, mesmo que laconicamente, sua esfera de ação. Este proceder apontará compreensões de como a teologia poderá ser beneficiada pela linguística.

 

            Semiótica ou Semiologia é a ciência que "estuda os sistemas de signos, quaisquer que eles sejam e quaisquer que sejam as suas esferas de utilização". Este é o conceito de Semiótica apresentado pelo professor Edward Lopes, professor da USP.[1] A Linguística por sua vez faz parte da Semiótica, atendo-se especificamente à modalidade das línguas naturais.

            O prof. Edward Lopes refere-se à linguística de uma maneira que ratifica a necessidade de conhecimento desta ciência por parte do teólogo. Textualmente ele nos diz: "A Linguística assumiu, nestes últimos anos, o papel de ciência-piloto, fornecendo subsídios para uma imensa quantidade de outras disciplinas. "Imensa quantidade de outras disciplinas" envolve a teologia, pois que é uma ciência que depende decisivamente do discurso falado e escrito".

No século XIX, o termo linguística foi usado para distinguir o novo caminho no estudo da linguagem em contraposição ao enfoque tradicional da Filologia. Enquanto a Filologia está voltada para a evolução histórica das línguas, a Linguística preocupa-se com a língua falada e a sua manifestação em determinada época. Como ciência propriamente, a Linguística surgiu no começo do século XX com o suíço Ferdinand de Saussure, fundador do Estruturalismo linguístico na Europa.

            Eni Pulcinelli Orlandi, no seu livrinho: O que é linguística?[2], responde à pergunta dizendo que é o "estudo científico que visa descrever ou explicar a linguagem verbal humana".

            Ora, o teólogo é, necessariamente, alguém que pretende transmitir um conhecimento. Para isto, ele precisa comunicar-se com seu interlocutor. Neste processo há uma seleção de elementos linguísticos, combinados entre si nos momentos da reflexão e da transmissão do refletido. Como se evidencia esta realidade? Ora, o teólogo interpreta um texto sagrado. Na dimensão lexical, este texto está vinculado a toda uma realidade cultural de linguagem de uma época "de acordo com o sistema sintático da língua que utiliza". Por ser um texto sagrado, possui uma linguagem que não é comum a outras esferas da linguagem humana. Já se percebe aqui a contribuição para a teologia por ser a Linguística uma ciência que estuda o tipo de linguagem utilizada em cada ramo do conhecimento humano. Esta mesma Linguística possibilita ao teólogo subsídios para que descubra os "mecanismos linguísticos" de como transmitir eficazmente o seu conhecimento, não somente aos que conhecem a sua linguagem, como também aos que não estão afeitos ao seu campo de conhecimento. No dia-a-dia, isto está patente. Para alguém entender o discurso advocatício é necessário absorver alguns conhecimentos de como a linguagem do Direito funciona. Nesta empreitada é impossível não passar pela estrada da Linguística. Todos os signos e seus significados que compõem o discurso jurídico deverão ser estudados para que a comunicação entre os interessados seja não só eficiente, mas também eficaz. Tentar alguém conversar com um advogado sem estar informado de como funciona a linguagem do Direito sentir-se-á um perfeito idiota. Assim acontece no âmbito teológico. Isto explica, em muitos casos, porque alguns teólogos são considerados hereges. Muito da incompreensão está no âmbito da linguagem. Muitos que mantêm contato com a linguagem teológica não estão habilitados para compreendê-la. Como também acontece o inverso: teólogos, desavisados e desinformados quanto às questões linguísticas, comunicam ineficazmente os seus conhecimentos causando confusão na mente dos seus circunstantes. Disso parte a necessidade de se questionar se o fato de um discurso ser considerado herético deve-se a problemas de comunicação ou a problemas estritamente teológicos. Por estas simples colocações, já podemos entender que o teólogo necessita da Linguística.

            Tratando-se especificamente do conhecimento dos textos originais da Bíblia ou de qualquer outro texto sagrado escrito em outra língua, de vez que uma teologia devidamente articulada implica no conhecimento das línguas originais, há uma necessidade premente de que o teólogo angarie, no mínimo, noções básicas da ciência linguística. Partindo-se da compreensão de que a tarefa básica do teólogo é uma tarefa eminentemente hermenêutica, visto interpretar a revelação contida nos textos sagrados, e que toda tarefa hermenêutica é uma tarefa também linguística, não há como o teólogo se desvencilhar da necessidade deste conhecimento. Desta conclusão, entende-se que os centros de preparação de teólogos têm falhado por não possuírem em seus programas de ensino a ciência da linguagem. Ficam tais teólogos à mercê de si mesmos quanto à busca de conhecimentos linguísticos.

            A linguística na sua evolução como ciência, incluiu nos seus estudos a análise do discurso. A proposta básica é considerar a relação da linguagem com a exterioridade, entendendo-se linguagem como uma pluralidade de signos convencionais com uma significação comum a um grupo de organismos, produzidos pelos usuários; e entendendo-se exterioridade como condições de produção do discurso. Essas condições são: o falante, o ouvinte, o contexto da comunicação e o contexto histórico-social (ideológico). Essas condições vêm, muitas vezes, "camufladas" por formações imaginárias: a imagem que o falante tem de si, a que tem do seu ouvinte e tantas outras imagens. Nesta esteira de compreensão, como um agente de discurso, o teólogo precisa, mais do que se imagina, conhecer a Linguística para que ele mesmo não seja presa fácil de uma lógica sofismática e comprometedora do discurso teológico, principalmente se não compreende os "mecanismos" da exterioridade.

            Desse pouco falar, é impossível não se conceber a necessidade de que o teólogo pense não somente a sua linguagem, como também a linguagem do seu interlocutor. Para isto, por que não procurar orientações linguísticas fundamentadas? Por que achar que somente o curso de teologia é suficiente para responder aos questionamentos da revelação?

Willians Moreira



[1] Fundamentos da Linguística Moderna - Cultrix, 1977.

[2] Editora Brasiliense.

2 comentários:

Anônimo disse...

Pra mim já seria de bom tamanho se tivéssemos um pouco mais de intimidade com a língua portuguesa. Temos visto muitas versões surgindo como solução para os que não sabem ler pelas normas da língua culta. Nada contra elas, digo as versões, porque podem servir para mostrar pontos interessantes, entretanto fazer delas uma muleta para escapar da dita "leitura pesada" acho que é ruim. A abolição da norma culta nos entrega a uma babel linguística onde a intenção comunicativa fica sempre ao critério do "o que eu quiz dizer". Linguística é importantíssimo, mas como a estudarmos sem intimidade com o básico da língua portuguesa?

Felipe Praxedes

Pr. Ronaldo Batista Pereira disse...

Parabenizo o autor pelo artigo que exprime uma preocupação legítima, visto que a linguística trabalha com a análise do discurso. Ela utiliza-se sobretudo a gramática descritiva pelo fato da língua ser viva e dinâmica, sem contudo, abrir mão da gramática prescritiva, também chamada de norma culta.
Pastores e teólogos trabalham de fato com a interpretação de textos sacros, para em seguida comunicá-los aos outros e é aí que ele deve se fazer entender. Pois será a comunicação clara, iluminada, transparente e fervorosa que possibilitará a inserção de multidões à fé cristã, como tem acontecido em todos os séculos. Cabe lembrar que a fé é uma resposta ao discurso claro, bem elaborado e ungido. Note que Paulo disse isso em Rm 10.12-15,17.
Ao autor do artigo parabéns.

Pr. Ronaldo B. Pereira (Professor de Teologia e aluno de Letras na UFRJ).