Culto, segundo a Grande Enciclopédia Larousse Cultural, é a “homenagem, honra prestada a Deus”. Quem está afeito à religião, entende que culto acontece quando o homem coloca-se diante de sua divindade, para adorá-la e servi-la, não se tratando meramente de prestar honras, homenagens. O religioso entende que o seu objeto de culto merece ser o centro de suas atenções e a sua vida gira em torno do objeto cultuado. O religioso integrado não consegue tirar a sua atenção de divindade. Sua vida só tem sentido se assim for articulada. Cria-se uma dependência quase que praticamente absoluta.
Os humanos começaram a cultuar nas cavernas. Os testemunhos da arte pré-histórica, os objetos talhados em pedra e outros indícios indicam que nossos ancestrais já nutriam essa índole de se centralizarem em algo que considerassem superior a si mesmo. Toda esta disposição para o culto encontra-se na motivação para receber algo que compensasse a própria vida ou minimizasse as suas dificuldades enquanto neste mundo. Era assim e não é diferente no presente. Por mais que se sublime os desejos ou se suprima a consciência, encontra-se sempre no homem uma motivação para uma auto-realização ou auto-satisfação.
A imagem da divindade cultuada passa mesmo a idéia de que não gosta de estar no mesmo nível de outros objetos de culto. A Bíblia passa esta visão quando um profeta repassa a palavra divina: “A minha glória a outrem não darei” (Is. 42:8). O Novo Testamento reflete esta linha de exigência na Carta do apóstolo Tiago, Capítulo IV, versos 1 a 6: “O Espírito de Deus tem ciúmes”. A informação bíblica é que a divindade não aceita concorrência por parte de outros objetos de culto; como também dá a entender o texto que aqueles que assumem a direção da própria vida, à revelia da divindade adorada, deixam de ter “amizade” com Deus e são considerados soberbos. O indivíduo é obrigado a manter um relacionamento, por forças circunstanciais, mesmo que não esteja interessado.
Torna-se complicado entender que um deus (um ser perfeito) nutra sentimentos que expressem imaturidade. Se alguém não sabe aceitar que outros façam escolhas que refutem os seus desejos, então este está precisando de ajustes emocionais.
Será mesmo que o soberano criador do universo comporta em si tais desejos? Se o Criador faz exigências autoritárias às suas criaturas, surge a pergunta: Para que as criou com a capacidade de escolha? E se as criou com a capacidade de escolha, seria divino prendê-las a si, não deixando escapatória, a não ser a desgraça? Ora, se a alguém são lhe dadas apenas duas alternativas: ou ama a divindade ou sofre, qual alternativa, naturalmente, a pessoa sensata escolheria? No entanto, não seria uma escolha de amor; seria antes uma escolha que visaria livrar a própria pele do sofrimento; tirar vantagem na decisão. Mesmo assim, pode-se entender que a própria escolha de amor envolve prioritariamente a auto-realização - a realização do amante no objeto amado - (o que não deixa de ser uma escolha egoísta, voltada para si mesmo; uma busca de vantagem).
Uma divindade que deseja cercear as suas criaturas para que lhe devotem culto, não passaria de um ser neurótico em busca de saciar a fome dos seus orgulho e egoísmo. O narcisismo seria a tônica de sua personalidade.
Diante do exposto, cabem aqui alguns questionamentos: Será que Deus realmente quer ser considerado como um deus? A compreensão de divindade não estaria merecendo uma revisão? Será que a imagem de Deus, forjada pelo homem, não reflete antes uma projeção antropológica? Em outras palavras: Não será Deus mera projeção que o homem faz de si mesmo? Não estaria ocorrendo o fato de que tudo quanto este homem pensa, deseja, diz, faz ou deixa de fazer, generalizadamente é em função de si mesmo? Busca-se, “no final das contas”, o próprio bem-estar, o próprio proveito. O homem diz adorar a Deus, mas, na verdade, isto faz se for beneficiado. Mesmo que seja mártir, sofra ou perca algo, fá-lo pelo prazer interior de um ideal vivido. Deseja-se o céu! Por quê? Deseja-se Deus! Para quê? Que divindade que se preza se deixaria relacionar nestas condições? O homem busca ou não busca a sua própria realização interior e isto mesmo é o que projeta na sua divindade? Isto parece ser tão verdade que o homem projeta um Deus que também busca a Sua própria glória e a outrem não a dá (Is. 42:8). Dai a pergunta: O homem é a imagem de Deus ou Deus é a imagem do próprio homem?
Willians Moreira
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