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sábado, 28 de maio de 2011

AO DESPERTAR

 
Na penumbra do quarto pela manhã,
Silhuetas fazem meus olhos delirar;
Linhas onduladas deliciam meus olhos;
A cor canela faz meu coração acelerar.
 
Uma linha acentuada anuncia o amanhã;
Um vai e vem contínuo prediz o vazio do quarto;
A respiração se acalma;
O coração desatina;
O desejo fenece no abrir das cortinas;
A luz ordena: Levanta, vai trabalhar!
27/05/2011
Willians Moreira Damasceno

terça-feira, 10 de maio de 2011

REFLEXÃO

 
"Um pagão apresentou-se a Shamai e lhe disse: Converter-me-ei ao judaísmo se me puderes ensinar toda a Torá, a Lei inteira, enquanto possa me sustentar sobre um só pé. Shamai o expulsou com a vara que tinha na mão. Quando se apresentou a Hilel com a mesma pretensão, Hilel o converteu, respondendo ao seu pedido da seguinte maneira: O que não queres que te faça a ti, não faças a teu próximo. Eis toda a Lei; todo o resto - é mero comentário. Vai e estuda."
Talmud, Shabat, 31a

segunda-feira, 9 de maio de 2011

TEOLOGIA LIBERAL


           A interpretação racionalista do Novo Testamento foi chamada de Teologia liberal. Esse tipo de interpretação trabalhava com um método de investigação histórico-crítico das fontes bíblicas e da teologia. Este método reflete, sem dúvida, a mente Iluminista. Essa interpretação surge do diálogo do liberalismo com a reflexão protestante, como também estava sob a influência de correntes filosóficas específicas, como o kantismo e o hegelianismo, sem esquece da influência dos filósofos deístas[1].
            Desde o início do século XIX, já encontramos Baur, Strass Bauer, que usam deste método racionalista na análise bíblica. Estudiosos como Albrecht Ritschl, Herrmann, Wellhausen, Harnack e Troeltsch foram expoentes deste tipo de interpretação.
            As características básicas da Teologia Liberal[2] podem ser apresentadas como: a) Uso do método histórico-crítico; b) relativização da tradição dogmática da Igreja; e c) ênfase numa compreensão ética do cristianismo.
            Pode-se encontrar um otimismo na Teologia Liberal na perspectiva de conciliar a religião com a cultura. Dois estudiosos, Harnack com "A essência do cristianismo" e Troeltsch com "A absolutidade do cristianismo" são expressões deste otimismo.
            Teólogos como Barth e Bultmann foram alunos de Harnack, sendo por algum tempo teólogos liberais.
Adolf Harnack (1851-1930) foi um dos expoentes da interpretação teológica do século XIX que adentrou o século XX. Era um historiador da Igreja. No seu trabalho, "A essência do cristianismo", ele ensina: "O evangelho, como Jesus o praticou, não anuncia o Filho, mas somente o Pai."[3] Segundo o teólogo Rosino Gibellini[4], "Harnack excluía toda e qualquer cristologia eclesiástica como fruto da contaminação do pensamento grego." Harnack chega mesmo a dizer que "toda a construção da cristologia eclesiástica passa longe da personalidade concreta de Jesus Cristo"[5].

          Para Troeltsch, teólogo e filósofo, o cristianismo é um fenômeno histórico, jamais devendo ser visto como a realização absoluta, incondicionada e imutável do conceito universal de religião.

          A Teologia Liberal foi um estímulo para que outras reflexões surgissem, inclusive por parte de ex-liberais.

          Hoje, se a estampa da Teologia Liberal não aparece abertamente, muitos são os teólogos que entendem ter sentido o método histórico-crítico de interpretação da Bíblia.

          Generalizamente falando, o Princípio Hermenêutico adotado pelos teólogos liberais é o princípio do racionalismo temperado com relativismo, hegelianismo e kantismo. Prova suficiente de que não há teologia sem filosofia.

Willians Moreira Damasceno
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[1] HÄGGLUND, Bengt. História da teologia. Porto Alegre: Concórdia Editora LTDA, 1986. Pág 324.

[2] GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. São Paulo: Edições Loyola, 1998. Pág. 19.

[3] Idem, pág. 14.

[4] Idem.

[5] Idem, pág. 14.

TEOLOGIA, EXEGESE E MÉTODOS


            Teólogos e exegetas em geral consideram que a teologia é uma ciência. Claro está que não é ciência no sentido das ciências naturais ou tecnológicas. Mas é ciência no sentido de ter um procedimento definido, sistemático, objetivo. Por isto, o procedimento da teologia é positivo; jamais intensiona normatizar coisa alguma. Teólogos e exegetas buscam antes a revelação que é, e não a que desejam que seja. Como bem coloca Erickson, “a teologia precisa comportar alguns dos critérios tradicionais do conhecimento científico” (ERICKSON, 1997. Pág. 18). São critérios como um objeto definido, um método, objetividade e coerência entre as proposições do objeto em questão que tornam a teologia uma ciência.

            Sendo ciência, pois, a teologia usa métodos para alcançar os seus resultados. Hodge diz que numerosos métodos têm sido aplicados à teologia e entende ele que os mesmos podem ser resumidos a três métodos: 1) Especulativo (dedutivo)[1]; 2) Místico[2]; e 3) Indutivo (HODGE, 2001. Pág. 03). Clark é do mesmo parecer que Hodge[3] quanto aos três métodos (CLARK, 1988. Pág. 19 – 21). Na verdade, existem métodos e todos são passíveis de aplicações, apesar de suas limitações na busca do conhecimento. Dizer que o método Indutivo é o “verdadeiro método da Teologia” é um juízo questionável, a não ser que esta assertiva refira-se a um uso comum do método indutivo por grande parte dos teólogos. Na contemporaneidade, como em outras épocas, outros métodos são usados pelos exegetas. São usados tantos quantos são necessários para objetivos diversos. Disso decorre que os métodos em si não são nem verdadeiros nem falsos; os mesmos são apenas instrumentos para se alcançar resultados diferentes à expensa do exegeta.

Com o método dedu­tivo (especulativo), uma teologia é levada a se conformar a princípios filosóficos ou teológicos previamente estabelecidos. Este método destina-se mesmo a demonstrar decorrências e a justificar pressupostos. Este método gera enunciados analíticos. Ou seja, a partir de “postulados e teoremas”[4] chega-se a uma conclusão particular (SALOMON, 2001. Pág. 157).  É o inverso do método indutivo (sintético).[5] Portanto, se uma teologia tem como princípio diretor o teísmo, ou o deísmo, ou o panteísmo, ou ainda o racionalismo, ou quaisquer outros ísmos, filosóficos ou teológicos, poderá fazer com que suas conclusões particulares conformem‑se a um daqueles ísmos ou visões de mundo. Como também pode acontecer de confissões doutrinárias condicionarem os resultados do trabalho exegético. Se um teólogo dá por verdadeiros os dogmas de uma determinada confissão, necessariamente o seu falar condicionará toda a sua interpretação àquela confissão.

Para Libanio, a teologia dedutiva é uma “teologia de cima” (katáa,basij – “a partir de cima”). Significa que é uma teologia que parte de um ponto de autoridade já estabelecido de antemão (um dogma, por exemplo). Na idade Média, o exemplo basilar é o de Tomaz de Aquino (1224-1274). O doutor aquinense diz:

 

Uma vez que bem é tudo o que é apetecível e uma vez que a cada natureza apetece seu ser e sua perfeição, cumpre dizer que o ser e a perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem.[6] Portanto, não pode acontecer que mal signifi­que algum ser, alguma forma ou natureza;[7] con­clui-se, pois, que significa apenas a ausência do bem (AQUINO, 1954. Pág. 48).

 

A forma do raciocínio tomista é silogística.[8] Tomás de Aquino parte de uma afirmação universal, um princípio filosófico previamente estabelecido: “o ser e a perfeição de qualquer natureza são essencialmente bem” (premissa maior). Em seguida, Tomás de Aquino estabelece uma afirmação de natureza filosófica (menor). Nesse caso, Tomás de Aquino estabeleceu duas premissas menores: a) “bem é tudo o que é apetecível”; e b) “a cada natureza apetece seu ser e sua perfeição”, para concluir com “portanto, não pode acontecer que mal signifi­que algum ser, alguma forma ou natureza”. O que Tomás de Aquino queria com o argumento já estava estabelecido na premissa maior: a conclusão, “mal [...] significa apenas a ausência do bem”, é apenas decorrência. A finalidade não é provar o princípio universal, mas o que dele decorre (MOREIRA, 2006. Págs. 09 e 10).

            Libanio mostra pontos pertinentes a respeito deste método:

 

A estrutura fundamental dessa teologia (dedutiva) consiste em sistematizar, definir, expor e explicar as verdades reveladas. Para isso, parte dessas próprias verdades e busca relacioná-las entre si, dentro de uma visão de globalidade, por meio da “analogia fidei”, isto é, procurando ver como todas as verdades da fé se explicam e se relacionam mutuamente.

É dedutiva porque trabalha, de modo especial, com o silogismo. Parte de afirmações universais, dos princípios da fé (maior)[9], estabelece uma afirmação de natureza filosófica (menor) e conclui por dedução uma afirmação teológica. Por exemplo, Jesus é verdadeiro homem (maior: afirmação da fé de Calcedônia); ora, um verdadeiro homem tem uma liberdade e consciência humanas (menor: verdade filosófica), logo Jesus tem uma liberdade e consciência humanas. A finalidade não é provar o princípio da fé, mas o que dele decorre (LIBANIO, 1996. Pág. 101-102).


            A Teologia indutiva é dirigida por um procedimento que leva em consideração diretrizes científicas. Ou seja, não parte de assertiva já estabelecida, dogmática. O termo grego que a caracteriza é ana,basij (a partir de baixo), algo que vem da base e não de cima; em outras palavras, não é imposto. Sua reflexão surge de questionamentos oriundos da situação humana. Os dogmas dos concílios não têm a palavra final. São verificáveis tanto quanto qualquer outra afirmação humana. Para a teologia que usa o método de abordagem indutivista, os problemas surgem na vida, de baixo, e são apreendidos e compreendidos pela via da indução. Esta teologia vai da experiência à doutrina ou ao dogma (perspectiva existencialista).

 

[...] as perguntas que se fazem à fé nascem não da própria fé, não de um interesse em sistematizar e organizar as verdades de fé já aceitas (teologia dedutiva), mas da experiência (indutiva) (LIBANIO, 1996. Pág. 103-104).

 

            Libanio e Clark têm conceitos divergentes sobre a natureza do método indutivo aplicado à exegese teológica. Libanio é de orientação existencialista; Clark é de orientação ordinariamente metodológica. É bem provável que os exegetas de orientação apenas metodológica não comungarão com o procedimento existencialista para o método indutivo. Mas isto fica para outras instâncias de reflexão.


Willians Moreira Damasceno

 

Referências Bibliográficas

 

AQUINO, Tomás. Suma teológica. I Tomo. São Paulo: Faculdade de Filosofia “Sedes Sapientiae”, 1954. Ed. I. H. Marshall. Exeter: The Paternoster, 1979.

CLARK, David S. Compêndio de teologia sistemática. 2ª ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1988.

ERICKSON, Millard J. Introdução à teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997.

HODGE, Charles. Teologia sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001.

LIBANIO, J. B. & MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

MOREIRA, Willians. O problema do mal em Leibniz (Monografia apresentada ao curso de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Natal/RN. 2006.

SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 10ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.



[1] Explicação do autor deste trabalho.

[2] Dirigido exclusivamente pelas sensações (emoções).

[3] Para conhecimento de uma abordagem bem colocada sobre os três métodos, sugerimos a leitura de Hodge, na introdução de sua teologia Sistemática.

[4] Enunciados universais.

[5] Embora didaticamente se apresente os métodos de per si, “não há método dedutivo puro, nem indutivo puro, empregados na pesquisa científica: o dedutivo, usado para problemas ‘ideais’, é precedido do indutivo, pois todo objeto ideal representa a etapa final de um processo de abstração do concreto (particular) para o genérico ou universal; por sua vez, o emprego do método indutivo no contexto da descoberta se consuma com o uso do dedutivo, desde o momento em que o pesquisador passa a agir no contexto da justificação”. (SALOMON, 2001. Pág. 157).

[6] Esta é a premissa maior; é a base do raciocínio dedutivo. 

[7] Corolário das três premissas ou do argumento silogístico: decorrente do princípio filosófico previamente estabelecido – premissa maior.

[8] O silogismo é uma das modalidades do raciocínio dedutivo.

[9] Observe-se que no caso da citação feita da Suma Teológica o princípio maior é também uma verdade filosófica.

“HERMENÊUTICA, EXEGESE E HOMILÉTICA”


"Hermenêutica, exegese e homilética 'andam' juntas", disse Gilton Morais[1] em uma de suas palestras em promoção dos seus livros, aqui em Natal/RN. O dito me fez lembrar o que, pessoalmente, aprendi quando fui aluno do professor de homilética, hoje já aposentado da cátedra, Paulo Wailer, também professor de Gilton. Naquele momento, confabulei com meus botões sobre a situação de uma grande maioria de cidadãos do púlpito que esqueceu ou nunca aprendeu tal lição. Doem-me as têmporas, geralmente aos domingos, quando vou a templos da cidade do Natal e escuto banalizações da ciência da pregação, justamente pelo fato da desassociação operada pelos supostos mensageiros de Deus entre as três práticas teológicas acima citadas. De mensageiros de Deus questiono se alguma coisa eles têm, pois que me parecem mais mercadores medíocres e preguiçosos quanto ao estudo preparatório da sua descaracterizada homilia. São discursos, se assim podem nomeados, destituídos de título, ideia central, propósito, organização, argumentação inteligente, conteúdos exegético e hermenêutico devidos. Se o Criador tem mesmo algum interesse em que esses açougueiros do púlpito sejam seus recadistas, alguma coisa está errada; e não creio que seja o Criador. Onde estão os pregadores de homilias textuais, expositivas ou mesmo temáticas que se prestem a elogios fundados nos critérios da homilética? E isso sem falar nos descasos cometidos contra as artes da retórica e da oratória. Hoje, e mesmo ontem, qualquer um que se ache "bom de conversa", ou assim seja considerado, já lhe concedem o púlpito. E o que vemos então? Vemos uma hecatombe de transtornos homiléticos, exegéticos e hermenêuticos. Há uma confiança tão descabida de que o Espírito Santo dá a mensagem, que mais causa asco espiritual em quem ouve o resultado da preguiça de pregadores ditos mensageiros de Deus. Fico a me perguntar de onde vem essa prática que desmerece os verdadeiros ensinos da homilética. Será que esse caos homilético não é estimulado pelos próprios ouvintes que por sua vez são tão destituídos de exigências criteriosas aos seus pregadores, na verdade contentando-se aqueles facilmente com uma garapa emocional? Cabe aos cursos dos Seminários uma investida criteriosa na educação homilética. Quem sabe assim, tenhamos mais alegria em ouvir o que dizem os nossos púlpitos e assim possamos interpretar que a divindade, de alguma forma, falou-nos.

Willians Moreira Damasceno


[1]Escritor batista, conhecido conhecedor de homilética, por muitos anos pastor e agora já aposentado, trabalhando com a editora Vida Nova.