A PARTIR DE SUAS CONFISSÕES
1ª CONFISSÃO
Jeremias e seu desejo de
vingança
As confissões do profeta Jeremias
são encontradas nos capítulos 11: 18-23; 12: 1-6; 15: 10-21; 17: 12-18; 18: 18-23;
e 20: 7-18. Nestes textos há expressão considerável da subjetividade de Jeremias,
transmissora de um perfil psicológico capaz de desmontar um esteriótipo do
profeta, articulado por conta de uma tradição doutrinária, caracterizadamente
emocional e destituída de certo senso crítico. O esteriótipo aqui referido
reporta-se à imagem de um profeta modelo a ser seguido por qualquer um que
queira ser servo de Deus. No entanto, os textos bíblicos enfocados neste artigo
são atestados de uma imagem de Jeremias em muito destituída de atributos
recomendáveis a quem deseja uma existência psicologicamente equilibrada.
Por outro prisma, as confissões de
Jeremias apresentam um conteúdo teológico, ou seja, uma palavra que se pode
interpretar como divina. E neste ponto a tese é a de que Deus, independentemente
das mazelas existenciais do ser humano, pode usar a quem lhe interessar, para a
missão que bem lhe aprouver. Assim aconteceu a Jeremias, a despeito de sua
subjetividade marcada por muitas amarguras.
A atuação do Profeta Jeremias deu-se
por um período de 50 anos (627 a. C. a, provavelmente, 580 a. C). Este período
abrangeu os governos de Josias (629 – 609 a. C), Joaquim (609 – 598 a. C),
Sedecias (597 – 586 a. C.) e Godolias / ida de uma parte do povo para o exílio
(586 – 580 a . C). Portanto, quatro períodos.
Neste texto, estará em foco a existencialidade
do profeta. A revelação mediada pelo texto pode até ser comentada, mas será
enfocada prioritariamente a situação da subjetividade de Jeremias.
O objetivo
é mostrar que homens, mesmo aqueles considerados como de Deus, às vezes, enfrentam
desequilíbrio psicológico e, por conta disso, quedam-se a precisar de ajuda de
um profissional da saúde mental. Não se nega que muitos resistem à busca dessa
ajuda, mas esta necessidade, vez ou outra, bate-lhes à porta. Vale lembrar aqui
um pároco que, depois de passar por experiências que lhe revelaram suas marcas
emocionais a si mesmo desfavoráveis, disse: “Parece que eu tenho o dedo podre”.
Referia-se ao fato de que seus relacionamentos, se o entendi bem, sempre
entravam em colapso. O cúmulo da situação, após vários episódios de desenlaces
de relacionamentos, inclusive de entrave com a própria liderança de sua denominação,
foi querer abandonar a batina, com certa expressão de revolta. Como, pois,
negar que as relações sociais interferem nas relações profissionais e no
cumprimento da suposta missão dada por Deus? Esta é tese caduca, mas parece que
poucos estão atentos para isto.
Como aquele que intentou desertar de
sua missão, o profeta Jeremias expressou o mesmo desejo de desertar do seu
compromisso com Iavéh, mas não conseguiu realizar tal feito. O registro desse
momento está em seu livro no capítulo 20: 9, nas palavras: “Então, disse eu:
Não me lembrarei dele (Iavéh) e não falarei mais no seu nome; mais isso foi no
meu coração como fogo ardente, encerrado nos meus ossos; e estou fatigado de
sofrer e não posso”.
Percebe-se aqui a incapacidade de Jeremias de se afastar de sua missão.
Acrescente-se
ainda que a análise de cada confissão usará estratégia simples: Depois de breve
verificação dos aspectos culturais, Abordar-se-á o ponto principal aqui
proposto: a subjetividade de Jeremias. E ao final de cada análise, apresentar-se-á
a mensagem teológica veiculada pelo texto.
O
pressuposto de que todo
texto está circunstanciado por uma cultura é substrato na análise do texto; circunstanciado
em termos linguístico-gramaticais, em termos sociais, em termos históricos, e em
tantos outros aspectos mais que apresentem imagem cultural no texto.
De início,
será abordada a primeira confissão, encontrada no capítulo 11: 18-23. Uma
divisão deste texto é possível: a) Versos 18 – 19: Jeremias jurado de morte; b)
20 – 21: Desespero e desejo de vingança; e, c) 22 – 23: Iavéh anuncia desastre
sobre os anatotitas.
Qualquer análise
superficial desta primeira confissão percebe a imagem de um tribunal, no qual
há juiz, réu e promotores. Num tribunal apresentam-se esses constituintes, sem
olvidar um júri e advogados. Neste texto, no entanto, não há alguém que se
identifique com advogado, nem há um júri. Neste texto há juiz, promotores e
réu. O réu tenta ser seu próprio advogado. Jeremias diz: “A ti expus a minha
causa”. O texto hebraico traz:
“וַיהוָה צְבָאוֹת שֹׁפֵט צֶדֶק
בֹּחֵן כְּלָיוֹת וָלֵב אֶרְאֶה נִקְמָתְךָ מֵהֶם כִּי אֵלֶיךָ גִּלִּיתִי
אֶת-רִיבִי: ס” (Jer. 11: 20).
A
palavra hebraica aponta para o sentido de uma apresentação de requerimento (ybi(yrI),
ou um recurso apresentado na corte, face a acusação contra o réu, Jeremias. Os
promotores não estão presentes. Mas são lembradas as suas palavras e ações.
O texto
hebraico da primeira confissão inicia (Jer. 11: 18), dizendo:
“וַיהוָה הוֹדִיעַנִי וָאֵדָעָה
אָז הִרְאִיתַנִי מַעַלְלֵיה”.
Para a tradução, considere-se: 1) o verbo Yada’, conhecer, saber, no hiphil perfeito, 3ª pessoa do singular, com sufixo da 1ª
pessoa comum singular (הוֹדִיעַנִי
– hôdi‘ani). Gramaticamente, entende-se que o hiphil
tem o sentido de voz ativa causativa. Ou seja, o sujeito causa algo. No caso do
verso 18 do cap. 11, a ação de conhecer ou saber é causada. Tendo-se aqui o
sufixo pronominal da 1ª pessoa, singular, referindo-se a Jeremias, Iavéh fez
Jeremias tomar conhecimento de algo. Em seguida, tem-se וָאֵדָעָה)
(Va’êda‘ah): Tem-se a conjunção (w) “vav” mais o
verbo no QAL
imperfeito, 1ª pessoa comum, singular, e no final tem-se um (h)
Hê coortativo.
Neste caso, Jeremias não meramente soube, mas quis mesmo saber o que Iavéh lhe
deu a conhecer. Portanto, nesta primeira instância, pode-se traduzir: “E Iavéh
me fez saber, e eu o quis saber...” (11: 18). O verso completo: “E Iavéh me fez
saber, e eu o quis saber. Então tu me fizeste perceber as suas ações”.
Parafraseando: “Iavéh me fez tomar conhecimento das ações dos meus parentes
contra mim, e eu quis mesmo ficar a par de tudo”.
Um primeiro ponto a enfocar
questiona sobre o como do conhecimento
das ações dos seus parentes chegarem
ao profeta. Essa questão instaura curiosidade: Jeremias ouviu uma voz externa (supostamente de Iavéh) que
lhe revelou o que ele soube ou ele ouviu uma
“voz” interna? Ou seja, Iavéh o fez saber de forma objetiva ou a
subjetividade do profeta entrou em cena para intuir o tal conhecimento? Pode-se
ainda pensar se a comunicação foi através da consciência do profeta. No caso de
uma “voz interna” pode ser pensada uma intuição. Quem sabe um processo
psicológico em que um “insight”
aflora do subconsciente para o consciente. Ou quem sabe um processo de
raciocínio mesmo, pelo qual seria também natural chegar ao conhecimento que
chegou. Há de se levar em consideração que os processos mentais pelos quais
percebemos uma suposta realidade não são nem de longe devidamente conhecidos
pelos humanos. Portanto, daqui a garantir qual destas possibilidades ou outra
qualquer foi a acontecida, leva-se tempo incomensurável; o que impossibilita o
alcance desta informação de forma absoluta. Em outras palavras, qualquer
apologia não passa de mera especulação. Pode-se pensar, por outro lado, que
Deus deu conhecimento ao profeta através de alguém que o abordou contando-lhe a
trama dos seus inimigos. Isso é comum acontecer com muitos, quando algo de que se
necessita saber; e a surpresa é tão grande quando se toma ciência que se exclama:
“Deus me fez saber”. No entanto, sabe-se que os meios foram naturais: Alguém
nos disse; ou ouvimos por algum meio de comunicação; ou ouvimos uma conversa
que não se dirigia a nós diretamente, ou raciocinamos e concluímos algo, etc.,
e dizemos que o Senhor nos fez saber. O problema de se esperar que a vontade de
Deus (na Bíblia) se manifeste sobrenaturalmente é tão grande que o homem se esquece
de que Deus pode manifestar-se por meios naturais.
O fato é
que o profeta teve conhecimento de um complô armado contra ele.
Em face de
não ter tido antes conhecimento do que Iavéh deu-lhe a conhecer, o profeta se
sente como um animal indefeso, sem saber para onde estava sendo conduzido; ou
sem saber que estava a ser dirigido para a morte. A sensação é de que o profeta
pratica autocomiseração: sente-se um coitadinho.
A figura de um cordeiro, indefeso, vem de kéves, que significa um animalzinho pronto para ser
sacrificado, e não meramente ser morto em um matadouro; um animalzinho que,
junto com outros, será imolado em sacrifício no templo. É curiosa a figura escolhida,
pois que lembra também um animal inocente, tomado para ser morto pelos pecados
de alguém. A figura argumenta a favor de Jeremias, apresentando-o como indefeso
e inocente. O argumento do profeta, diante de Iavéh, é: “eu sou inocente e
indefeso. Meus acusadores são maus”. É uma figura forte e triste usada pelo
profeta para se defender e, ao mesmo tempo, denunciar seus algozes. Ele parece mesmo
apelar para o fator emocional. Na verdade, nada impede de se pensar que ele
estava a querer conscientizar-se do que ele queria que fosse verdade sobre si
próprio. Esse fenômeno é comum entre pessoas que se sentem culpadas e tentam de
todos os modos possíveis desvencilharem-se de suas culpas.
Parafraseando a primeira parte do
verso: “Eu me via como um cordeiro, inocente e indefeso, dirigido ao templo
para ser sacrificado”. Esta paráfrase parte do pressuposto de que Jeremias usa
a figura ovina para argumentar a seu favor, diante de Iavéh, ou mesmo para se
eximir de sua consciência de culpa. Mas qual seria a culpa do profeta?
A
continuação do verso 19 diz que Jeremias, antes de Iavéh o avisar, não sabia
que seus inimigos queriam matá-lo. As palavras hebraicas hashvu mahashavoth significam
intentar, pensar planos contra
Jeremias. A Septuaginta usa palavras sugestivas para expressar a ideia do texto
hebraico: “enlogisanto logismos”. O verbo está no aoristo indicativo médio, 3ª pessoa
plural de logizomai, que implica num pensamento, numa atividade de raciocínio.
O termo traz em si a ideia de ação racional. Em outras palavras, Jeremias quis
dizer que seus opositores eram calculistas nos planos para matá-lo. A tradução-paráfrase
continua:
Iavéh me fez tomar conhecimento das ações dos meus
parentes contra mim, e eu quis mesmo ficar a par de tudo. Eu me via como um cordeiro, inocente
e indefeso, levado ao local de seu sacrifício. E eu não sabia que planejavam friamente
contra mim.
Vê-se claramente que o profeta procura reverter o quadro
contra os seus opositores. É como se Jeremias dissesse: “Meus opositores são
frios, calculistas, e se aproveitam de minha condição para me prejudicar diante
de ti, Iavéh”. Em seguida, o profeta coloca palavras nos lábios dos seus
perseguidores. Aquelas palavras podem ter sido proferidas pelos seus
acusadores, mas até que ponto elas não refletem o estado emocional alterado do
profeta?
Segundo Jeremias,
dizem os seus acusadores: “ht'y“xiv.n:”. Aqui se encontra o verbo tx;v' (shahath =
tornar-se corrupto) no Hiphil Imperfeito, 1ª pessoa comum, plural coortativo.
Como já foi dito, o Hiphil tem sentido de voz ativa
causativa. Assim, a ação do verbo neste contexto é de causar o tornar-se
corrupto. Como há também o detalhe do coortativo, há a implicação de uma ação
deliberada. Os opositores estão resolutos em querer prejudicar o profeta. “Querem” mesmo vê-lo prejudicado. A
tradução mais comum para este verbo, nesta passagem, tem sido: “destruamos”.
Pode-se dizer que no verso há a implicação de um processo: Primeiro, corrupção
e depois o corte (‘WN“t,r>k.nIw>).
Aqui se apresenta o verbo “tr;k'” (cortar) no Qal
imperfeito, 1ª pessoa comum plural com sufixo da 3ª pessoa masculino singular,
com “nun” coortativo em sentido, mais uma forma do coortativo. A tradução: “Corrompemos
a árvore... e logo, logo, e o destruiremos”. O verso, pois, pode ser completado
como segue:
Iavéh me fez tomar conhecimento das ações dos meus
parentes contra mim, e eu quis mesmo ficar a par de tudo. Eu me vi como um cordeiro, inocente
e indefeso, levado ao local de seu sacrifício. E eu não sabia que planejavam
friamente contra mim. Dizem eles: nós já corrompemos a árvore com o seu fruto.
Logo, logo, nós o cortaremos da terra dos viventes, e não haverá mais memória
do seu nome.
Na
última instância do verso, Jeremias apresenta seus algozes com o desejo de
homicídio contra o profeta.
Diante de tal situação, o profeta
encontra-se desequilibrado em suas emoções. E nesta situação o seu temperamento
colérico apresenta-se vingativo. O seu rancor vem juntar-se a traços que pintam
uma personalidade enferma e depressiva, como ficará mais e mais patente à
medida que as confissões forem analisadas.
Cá está o texto (Jer. 11: 20):
וַיהוָה צְבָאוֹת שֹׁפֵט צֶדֶק
בֹּחֵן כְּלָיוֹת וָלֵב אֶרְאֶה נִקְמָתְךָ מֵהֶם כִּי אֵלֶיךָ גִּלִּיתִי
אֶת-רִיבִי: ס
O ponto culminante para o nosso objetivo neste verso está
nas palavras: “אֶרְאֶה נִקְמָתְךָ" (’er’eh nikmathka). Primeiro, o verbo ra’ah (ver) no Qal imperfeito, 1ª pessoa comum, singular,
tendo o significado de “vejo” ou “veja eu” (como trazem algumas traduções.
Parece melhor, por conta da presença do “h”
(He) coortativo, traduzir o verbo por “quero ver”, indicando assim, o desejo
decisivo do profeta de que uma vingança caísse sobre os seus opositores. É aqui
que se instaura uma problemática superlativamente séria. Qual o motivo da vingança
sobre os habitantes de Anatote? O motivo era a satisfação do desejo de Jeremias
ou o motivo era unicamente divino e o profeta apenas manifesta-se satisfeito
por conta de que Iavéh o fará? O texto é de Jeremias. E isto labora contra o próprio
profeta, pois que ele poderia escrever algo como se fosse a divindade a dizer o
que ele diz. Assim, Jeremias, na verdade, é vingativo e faz Iavéh compactuar
com o seu desejo de forma sutil. No texto, o profeta se refere a “נִקְמָתְךָ" (nikmathka), tua vingança, e aqui, vingança de Iavéh. E o
profeta livra-se da imagem de vingativo. Mas é alguém que quer ver a vingança.
Seja como for, o profeta introduz, neste ponto, uma questão torturante para
muitas mentes: A divindade é vingativa? Qualquer pessoa que conheça a história
de Israel e saiba que houve realmente um massacre em Anatote, concluirá que foi
mesmo uma vingança. Mas a pergunta não cala: Iavéh satisfez o desejo do profeta
ou a vingança era apenas da divindade? Essa imagem de Iavéh era uma imagem
curtida por muitas gerações anteriores a Jeremias e, na verdade, era uma imagem
que os povos antigos atribuíam aos seus deuses. Israel não ficou fora daquela
tradição. Então Iavéh prometeu a vingança ou o profeta colocou palavras nos
lábios da divindade? Eis o problema? Deus se vinga, manda matar homens pela mão
de outros homens? A divindade apresentada por Jesus atenderia a um pedido de
vingança, quando o próprio Jesus disse: “Se te baterem numa face, dá-lhe também
a outra”? Se for dito que o motivo da vingança era apenas divino, então como
explicar o texto como resposta à oração do profeta? Exegeticamente tem-se um
problema: O texto é apenas uma confissão de Jeremias, que coloca palavras na
boca de Iavéh, e isto seria apenas um momento poético-literário, ou o texto é
palavra de Deus? Se Jeremias é, tipologicamente, alguém que aponta para o
Cristo, em que sentido o desejo de vingança seria compatível com o Cristo? Mas será dito, entretanto,
que a interpretação tipológica não deve ser levada absolutamente às ultimas
consequências. Vê-se nisso tudo que fazer exegese não é uma tarefa simples.
Fazer perguntas ao texto em função daquilo que o mesmo possibilita não é algo
tão fácil de ser enfrentado. O que é dito pelo texto apresenta possibilidade de
reflexão que precisa ser resolvida. Na verdade, aqui se tem um texto no qual
está um homem avariado existencialmente e que, em função disso, toma o seu
desejo e o atribui à sua divindade.
O texto em
sua tradução apresenta-se:
E Iavéh me fez saber, e eu o quis saber. Então tu me
fizeste perceber as suas ações. Eu me via como um cordeiro, inocente e indefeso, levado ao
local de seu sacrifício. E eu não sabia que planejavam friamente contra mim.
Dizem eles: nós já corrompemos a árvore com o seu fruto. Logo, logo, nós o cortaremos
da terra dos viventes, e não haverá mais memória do seu nome.
Iavéh dos Exércitos, justo Juiz, que
provas os rins e o coração, veja eu a tua vingança sobre eles; pois a ti
descobri a minha causa.
A Septuaginta, no lugar de “וַיהוָה צְבָאוֹת” (Iavéh Tseva’oth), “Iavéh dos exércitos”, ou
mesmo “Iavéh da guerra”, ou ainda “Iavéh do poderes”, apresenta apenas “ku,rie” (kírie), o vocativo de “ku,rioj”
(senhor). Há a omissão da tradução de Tseva’oth.
O que não deixa de ser curioso. O verso seguinte (11: 21) traz:
לָכֵן כֹּה-אָמַר יְהוָה
עַל-אַנְשֵׁי עֲנָתוֹת הַמְבַקְשִׁים אֶת-נַפְשְׁךָ לֵאמֹר לֹא תִנָּבֵא בְּשֵׁם
יְהוָה וְלֹא תָמוּת בְּיָדֵנוּ: ס
A
referência aos homens de Anatote (אַנְשֵׁי עֲנָתוֹת) é uma referência aos parentes do profeta. É uma referência
aparentemente absoluta. Todos os homens daquela cidade seriam incorridos na punição
de Iavéh, segundo o profeta.
Neste ponto (Jer. 11: 22), Iavéh apresenta a sua promessa de punição.
לָכֵן כֹּה אָמַר יְהוָה
צְבָאוֹת הִנְנִי פֹקֵד עֲלֵיהֶם הַבַּחוּרִים יָמֻתוּ בַחֶרֶב בְּנֵיהֶם
וּבְנוֹתֵיהֶם יָמֻתוּ בָּרָעָב
A ideia em poked (פֹקֵד) é a de visitar a alguém não para,
necessariamente, congratular-se. E neste caso, a ideia de castigo ou vingança
que algumas traduções atribuem a este verbo, neste ponto, deve-se ao restante
do verso que fala da morte dos jovens pela espada e pela fome. A tradução de
uma palavra pode dar-se, assim, pelo seu contexto mais do que pelo seu sentido
lexical.
O
último verso (Jer. 11: 23),
וּשְׁאֵרִית לֹא תִהְיֶה לָהֶם
כִּי-אָבִיא רָעָה אֶל-אַנְשֵׁי עֲנָתוֹת שְׁנַת פְּקֻדָּתָם: ס
enfatiza mais ainda a punição, o castigo.
Algumas traduções trazem o substantivo visitação e outras trazem punição ou
vingança para traduzir pekudatham
(פְּקֻדָּתָם). Substrato
deste substantivo é o verbo pakad ,
já referido no verso anterior como Qal particípio masculino singular com o
sentido de visitação. A Septuaginta neste passo traduz pekudatham (פְּקֻדָּתָם) por episképseos, que se
traduz por visitação. Assim, a tradução desta palavra por punição ou castigo
trata-se de adaptação do sentido do contexto a pekudatham. Literalmente a palavra não quer dizer
punição, castigo ou vingança. Pode-se traduzir o verso como segue:
E não haverá deles resto nenhum, porque
farei vir o mal sobre os homens de Anatote, no ano da sua visitação.
Apesar da subjetividade de Jeremias extremamente
estampada no texto, há uma mensagem que se entende teológica. Deus está acima
das condições e limitações humanas a tal ponto de usar um homem como Jeremias,
avariado, com limitações emocionais consideráveis, para atender a seu propósito.
Deus não procura homem perfeito para servi-lo, mas usa mesmo um que tem debilidades,
como Jeremias ou semelhante.
Willians Moreira Damasceno
BHS [or WTT] - Biblia Hebraica Stuttgartensia (Hebrew Bible, Masoretic
Text or Hebrew Old Testament), edited by K. Elliger and W. Rudolph of the
Deutsche Bibelgesellschaft, Stuttgart, Fourth Corrected Edition. Copyright ©
1966, 1977, 1983, 1990 by the Deutsche Bibelgesellschaft (German Bible
Society), Stuttgart. Used by permission.
Verbo dq;P' no Qal particípio masculino
singular absoluto. A tradução pode ser: “Diz Yavéh dos
Exércitos: Eis que eu os visitarei...”