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segunda-feira, 4 de abril de 2011

DIFERENÇA ENTRE SABER E SENTIR

Entre os filósofos, um dos campos de ampla discussão é a epistemologia. Neste campo, a discussão aborda assuntos relativos ao conhecimento humano. As questões apontadas são as mais diversas, desde o que, o como, o porquê, e outras tantas questões sobre o conhecimento. Uma questão complexa, pois não se conseguiu ainda chegar a uma conclusão com a qual a maioria se considere satisfeita e convencida, tem relação com os fenômenos do saber e do sentir.
Para se conseguir algum êxito sobre uma discussão, necessita-se de conceituações sobre os objetos da discussão. De forma que saber e sentir merecem atenção, pois se torna praticamente impossível discutir sobre esse assunto, sem antes especificar o que se entende por estes fenômenos. Sendo assim, de modo básico, pode-se conceituar o saber de duas formas. Primeira, como conhecimento em geral, qualquer técnica com a organização de seus resultados[1]. É o caso do pedreiro que sabe como construir uma casa. Segunda, "como ciência, ou seja, como conhecimento cuja verdade é de certo modo garantida"[2], como é o caso das ciências. Em ambos os casos há um atestar da consciência de que algo acontece, mas que não interfere necessariamente nas emoções da mesma forma e intensidade que estas são afetadas quando o movimento da sensação acontece. Filosoficamente, é questionável falar de uma sensação de saber, pois que sensação parece envolver movimento, ao passo que o saber parece apresentar-se frio, calculista, estático: sabe-se e pronto! A sensação parece mexer com o corpo e, por isso, pode-se associá-la ao sentir, pois que este envolve movimento das emoções e, portanto, uma sensação. Mas o que vem a ser sensação? A sensação parece estar associada ao sentir e não ao saber como consciência de algo. Mas ainda assim não se pode dizer que há uma satisfação sobre o conceituar sensação como medida ou parâmetro da diferença entre saber e sentir, mesmo que sensação, em filosofia, associe-se ao conhecimento sensível[3], e, por isso, ao corpo. Pode-se pensar sensação como vinculada à percepção do real, como, por exemplo, uma sensação gustativa, idêntica ao gosto de um alimento. Embora a sinonímia entre sensação e percepção seja também questionável devido à sensação ser pensada também como vinculada à subjetividade e percepção ao dado exterior.
Neste ponto, surge uma questão: ora, se há a sensação de sentir, a sensação de se emocionar, que fenômeno estaria associado ao saber? Parece viável pensar aqui no fenômeno da Razão. Poder-se-ia falar em razão de saber, enquanto se fala em sensação de sentir. O saber vincula-se assim ao intelecto e o sentir às emoções. Essa diferenciação leva-nos a pensar numa consciência de algo. E neste caso, a consciência de saber leva-nos a pensar na consciência de sentir.
Mas o que é consciência? Usamos esse termo como estado de ciência dos próprios processos psíquicos, tanto em relação à razão, quanto em relação às sensações. Percebe-se assim que o assunto não é tão simples. Talvez possa ser dito que na consciência de sentir envolve-se a sensação, um fenômeno em virtude do qual o corpo torna-se testemunha de tal; enquanto na consciência de saber envolve-se a razão, com a qual estão relacionados os aspectos da subjetividade, no que tange ao intelecto, não às emoções, necessariamente. Mas se pensamos que a consciência de saber também pode levar a sensações, pode-se dizer também que a sensação está ligada a certa consciência de saber. Haveria assim, dois tipos de consciência de saber: uma que promove sensação e outra que não. Mas ao se pensar na consciência que um estudante pode ter de saber a tabela periódica dos elementos químicos, pode-se também raciocinar que enquanto não há um teste sobre o assunto, a consciência de saber não traria sensação, como traria se estivesse prestes a passar por teste sobre o assunto, e por conta de saber do assunto, já pensaria na aprovação. Mas o que acarretaria essa sensação? A consciência de saber ou a suposição de que poderá ser aprovado? Ou ambos os casos? No momento, tenho a consciência de saber que se eu teclar no meu notebook obterei o registro de minhas idéias e raciocínios. Mas a consciência de que escrevo algo que poderá levar alguém a refletir filosoficamente sobre o meu assunto, já me dá a sensação de certa satisfação. Distingue-se assim uma consciência da outra. No entanto, se conceituamos a consciência como "estado de ciência", surge a premência de se pensar num saber que se eleva acima tanto do sentir algo, como também do saber algo.
De passagem, com superficialidade, fica a diferença básica entre saber e sentir: a razão está para o saber, assim como a emoção está para o sentir; embora se saiba que saber algo pode trazer emoção.
Nesse passo, instala-se a sensação de prazer por finalizar este arremedo de ensaio, acompanhada de uma reflexão, mesmo que rudimentar, abrindo a porta para novas possibilidades de novos pensares sobre epistemologia.
Willians Moreira Damasceno


[1] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Pág. 865.
[2] Idem.
[3] Idem.


PARCIALIDADE E IMPARCIALIDADE DOUTRINÁRIAS DO NOVO TESTAMENTO

                Em que sentido se poderia falar sobre imparcialidade e parcialidade doutrinárias do Novo Testamento? A resposta a esta questão é relativamente complexa. Na verdade, há um sentido no qual o NT é doutrinariamente imparcial e outro em que ele é doutrinariamente parcial. Por parcialidade doutrinária entenda-se aqui um posicionamento que favorece a uma determinada ala de religiosos. Por imparcialidade doutrinária entenda-se uma neutralidade do texto em não compactuar necessariamente com qualquer que seja o grupo religioso-denominacional. Desta forma, a tese é: O Novo Testamento é imparcial doutrinariamente apenas da perspectiva histórico-cultural enquanto distante de seu sítio de origem. Isto significa que o NT ganha imparcialidade doutrinária à medida que se distancia do seu berço geográfico-histórico-literário. Ou seja, quanto mais o NT se aproxima de pessoas e de épocas que não se vinculam histórica e culturalmente à sua situação de origem, mais imparcial doutrinariamente ele pode ser interpretado. Não há grupo religioso do cristianismo que não adote a Bíblia como seu texto de autoridade absoluta, em especial o Novo Testamento. Todas as crenças expressas pelos textos neotestamentários são crenças dos cristãos em geral. Ou seja, a crença na imortalidade da alma, na ressurreição, no céu, no inferno, em galardão, em anjos, em demônios, etc., são crenças dos cristãos. No entanto, quando se trata de crenças outras como, por exemplo, a doutrina escatológica, o trinitarianismo, o unitarismo, a cristologia (em especial a doutrina sobre as duas naturezas de Jesus), a pneumatologia, e tantas outras doutrinas que são resultado de elaboração teológica posterior ao primeiro século, há divergência sobre todas entre os cristãos, embora os textos bíblicos sejam os mesmos para fundamentar todas estas crenças. Quanto às crenças doutrinárias expressamente abordadas pelo NT, os cristãos as aceitam por unanimidade. Ou seja, o texto bíblico (em especial o NT) não se posiciona, em hipótese qualquer, sobre crenças posteriores à sua elaboração. O que seria um anacronismo impossível de acontecer. Por isso é fato a sua imparcialidade doutrinária ante as crenças dos cristãos posteriores ao seu surgimento.
                Quanto à parcialidade doutrinária do Novo Testamento, só é possível tratar desse fato quando se pensa a partir do momento de sua escrita. Ora, dá-se que seus autores eram caracterizadamente de teologia farisaica. Os escritores foram discípulos de Jesus vindos do povo. E provado está por literatura farta que o povo dos dias de Jesus era abertamente favorável aos fariseus no quesito teologia, como também o próprio Messias[1]. De sorte que os escritores do NT receberam influência farisaica, expressa fartamente nas crenças dos discípulos, que eram também as crenças do próprio Jesus, judeu que ratificava as mesmas crenças dos fariseus sobre céu, inferno, vida após a morte, galardão, anjos, demônios, ressurreição, etc. Pode-se dizer isto de Jesus, mesmo sabendo-se que ele não escreveu coisa alguma sobre si e entendendo-se que a letra do NT veio dos seus discípulos. O autor mais ilustrado do NT, o apóstolo Paulo, alardeia sua teologia farisaica em vários momentos de sua existência[2]. Assim, pois, o NT não seria jamais ratificado pelos saduceus, ou essênios, pois que eram de doutrinas em muito divergentes dos fariseus. A implicação desse fato é que, se os discípulos de Jesus tivessem sido dos saduceus, o NT não teria crenças como as que se instalaram no texto bíblico que lemos; crenças que os fariseus ratificavam. Neste sentido, o NT é doutrinariamente parcial no seu momento de elaboração, não sendo hoje como no princípio, pois que não temos mais fariseus, saduceus ou essênios. De vez que os cristãos medievais e contemporâneos foram apresentados a um texto já estabelecido milenarmente, não há como vê-lo hoje como doutrinariamente viciado, parcial. Desse fato resulta o acreditar-se nas mesmas doutrinas que os fariseus acreditavam, absolutizando-as graças a um fundamentalismo teológico, cria famigerada de uma mentalidade sedenta de acorrentamento das massas em suas teias satânicas.
                Decorre do acima exposto a necessidade de uma melhor avaliação sobre as crenças adotadas pelo cristianismo, de vez que as crenças de ontem são tão suscetíveis de críticas quanto as crenças de hoje. Partindo-se do pressuposto de que nenhum texto do passado, ou do presente, é considerado sagrado por aquele que o escreve, mas, sim, por aqueles que lhe são posteriores, há de se admitir que a anuência a tal texto, passa por um critério de aceitação. E como todo critério, pois que humano, está sujeito às limitações e falhas do conhecimento. Nada mais justo, pois, do que cada cristão reavaliar as suas crenças, tanto as de elaboração recente, como também as já consideradas milenarmente estabelecidas.
Willians Moreira Damasceno

[1] Mat. 23: 2-3: "Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Observai, pois, e praticai tudo o que vos disserem; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não praticam" (João Ferreira de Almeida – Revista e corrigida – Sociedade Bíblica do Brasil). Filipenses 3:5: "Segundo a lei, fui fariseu". Atos 26:5: "Vivi, como fariseu, segundo o partido mais severo da nossa religião" (João Ferreira de Almeida – Revista e corrigida – Sociedade Bíblica do Brasil). Filipenses 3:5: "Segundo a lei, fui fariseu". Atos 26:5: "Vivi, como fariseu, segundo o partido mais severo da nossa religião".
[2] Atos 23:5-6: "E Paulo, sabendo que uma parte era de saduceus, e outra, de fariseus, clamou no conselho: Varões irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseu! No tocante à esperança e ressurreição dos mortos sou julgado!" (João Ferreira de Almeida – Revista e corrigida – Sociedade Bíblica do Brasil). Filipenses 3:5: "Segundo a lei, fui fariseu". Atos 26:5: "Vivi, como fariseu, segundo o partido mais severo da nossa religião".

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

MUDANÇA E ALTERAÇÃO DE NOME

O texto bíblico apresenta várias ocorrências em que pessoas tiveram seu nome mudado. Temos os casos mais típicos, como o de Abrão que passou a Abraão; o de Sarai que passou a Sara; o de Jacó que passou a Israel; o de Cefas que passou a ser Pedro, e o de Saulo que passou a ser Paulo. Essas mudanças de nome davam-se em função de um encontro com a divindade adorada por aquelas pessoas. A mudança de nome implicava em uma mudança de caráter ou de vida.
Os casos bíblicos davam-se não em função do querer da pessoa, mas por conta do querer da divindade. Era assim e ponto final! E o indivíduo nem mencionava se gostava ou não do novo nome recebido. Recebia e pronto! O caso de Sarai, que significa princesa, passou a ser Sara, que significa riso. O pior (e pior mesmo!) é que o nome Sara lembrava uma reprimenda de Javé contra a portadora daquele nome. Eu no lugar dela não teria gostado. Mas, fazer o quê? Foi Javé quem mandou! Submeta-se!
Casos há em que as pessoas desejam mesmo a mudança do seu nome. E com muita razão, pois que são vítimas de mentes paternas que se destituíram de qualquer senso do ridículo ao colocarem nomes em seus filhos. É o caso de nomes como: Prelediana, Jacobina, Lampreia, Bucetilda (aconteceu mesmo!), e tantos outros que justificam o desejo de seus portadores de que quererem mudar de nome.
Bem! A justiça felizmente deu direito aos insatisfeitos para mudarem seus nomes e estes já usam do tal dispositivo.
Casos menos drásticos são os que tratam de alteração no nome quando do casamento. Digo assim, pois que muitas mulheres trazem sobrenome de marido que, se o casamento for tão feio quanto o sobrenome deles, elas devem sofrer horrores.
Até pouco tempo, só as mulheres usavam o sobrenome do cônjuge. A justiça, no entanto, abriu espaço para que as tais decidissem se quereriam ou não o acréscimo em seus nomes. E, para tornar as coisas mais justas, a justiça deu também aos homens o direito de alterarem seu nome, adicionando o sobrenome da família da esposa ao seu. Foi o que eu fiz no meu último casamento. Antes eu me chamava Willians Moreira. Agora me chamo Willians Moreira Damasceno.
Bom! Eu sei que para os machistas isso é um agravo, mas pouco se me dá o que eles pensam. Uns riem; outros fazem cara feia; outros dizem que sou manicaca, etc. O fato é que gostei mesmo de fazer o que fiz. O que é justo é justo!
Para os que gostam de estudar o significado dos nomes, e aqui penso também naqueles que são numerólogos, fica o meu questionamento sobre que tipo de significado passa a ter o meu nome, de vez que fiz nele uma alteração.
O fato a testemunhar é que ainda acho estranho assinar meu nome depois do acréscimo feito. Afinal, foram cinquenta anos assinando só os dois primeiros nomes.
Willians Moreira Damasceno.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

BALANÇO DE AUTODOAÇÃO

Se fosse possível pegar de volta o que você deu a alguém, o que você pegaria? Pergunto isso porque sei que é fato que se fosse possível, teríamos mesmo de volta muito do que já demos a muitas pessoas. Alguns querem de volta coisas materiais; outros querem coisas emocionais; outros querem coisas espirituais. Alguns querem de volta o tempo. Principalmente quando percebem que aquele tempo dado a alguém poderia ter sido dado a outra pessoa.
Eu, particularmente, não quereria de volta coisas materiais, a não ser um ou dois livros; e isto pelo valor cultural, nunca pelo material. Também não os quereria apenas por querer, como a desejar que alguém algo meu não tivesse.
Às vezes, eu gostaria de não ter dado certas emoções que dei a alguém: emoções de ódio, de amor, de carinho, de indiferença, de desprezo, de inveja e outras tantas, favoráveis e desfavoráveis que já dei a muitas pessoas. Afinal, com cinquenta anos já me envolvi em muitos relacionamentos e continuo a me envolver.
Por muito tempo dei minha vida a muitos de forma intensiva e intensa. Esquecia-me de mim quase que o tempo todo, mesmo que não parecesse. Mas aquele tempo passou. Hoje continuo me dando a muitos, mas não mais com as motivações do passado.
O melhor de tudo hoje é que tenho alguém a quem dou tudo o que posso e tudo o que sou; alguém de quem não quero coisa alguma de volta, pois que deste alguém eu mesmo sou e de volta não me quero. Tenho me perguntado se esse não é o ponto em questão. No passado, parece que dei algo de mim, mas até que ponto entreguei-me como sou entregue hoje? O problema é que às vezes nos entregamos mesmo, mas, com o passar do tempo, somos devolvidos a nós mesmos sem que o outro perceba que a cada dia faz a devolução. E o pior de tudo é que quando alguém a nós se entrega, muitas vezes, nós mesmos não percebemos que fazemos também uma devolução.
Willians Moreira Damasceno.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

O KOINÊ

O KOINÊ[1][2]

  

O único termo técnico usado mais comumente como emblema para o Grego do período helenista é a palavra koinê. Esta palavra grega significa simplesmente "comum"; o significado desta palavra no contexto aqui empregado requer uma definição que suplemente a mera tradução. Grego koinê tem três qualificações distintas: 1) A qualidade temporal de ser posterior ao período do grego clássico; 2) A qualidade "comum" refere-se a não ser um dialeto, mas um amplo desenvolvimento da linguagem popular; 3) A qualidade de ser "comum" em um sentido cultural, de ser "vulgar", aqui sendo mais uma distinção entre o koinê semiliterário, que está próxima do estilo clássico, e o koinê não literário, usado pelo povo de pouca educação formal.

O primeiro sentido de koinê, o temporal, como grego falado e escrito após o período do grego clássico, tinha passado longe de encontrar seu significado no fato de ser apenas uma mudança de linguagem, mesmo porque não somos todos conscientes de mudanças na nossa própria língua. A mudança social e a variedade infinita do pensamento humano fazem ricas contribuições para o desenvolvimento e diferenciação da linguagem falada e escrita.

Essas mudanças notáveis na pronúncia e vocabulário são acompanhadas pela pequena, mas significante mudança na forma. O grego clássico foi mais sintético do que o Inglês moderno. Quando um falante de Inglês moderno diz: "I have loosed", ele usa uma linguagem analítica. Quando o grego antigo expressava a mesma ideia para dizer le,luka, ele usava uma linguagem sintética. A palavra grega foi construída pela adição de um prefixo e um sufixo à base verbal. Essas adições são chamadas "inflexão". No curso do tempo, o grego clássico tornou-se menos sintético ou com menos inflexões e mais analítico. O progresso nessa direção foi comparativamente rápido nos três séculos depois de Alexandre, o Grande, e tem continuado até o presente, embora no grego moderno não haja infinitivo, o particípio tem somente uma forma.

Mas isto não significa que não houve um padrão depois de Alexandre. O uso da prosa ática no período do grego clássico tornou-se o padrão da excelência linguística. Isto deu razão para um movimento definitivo no primeiro século a. C. – O Aticismo, uma imitação do uso ático. Mas o número de pessoas falantes da língua grega cresceu rapidamente em cada geração; uma linguagem simples e comum foi requerida por ambos, exército e império, estendendo-se sobre a Grécia, Síria, Ásia Menor, Egito e ilhas do mar. O desenvolvimento resultante fez a língua koinê linguisticamente significante para definir o grego helenístico como grego pós-clássico.

Dissemos acima que o Koinê era "comum" também no sentido de que não foi apenas um dialeto, mas era singularmente a possessão comum de todos aqueles que falavam grego no período pós-clássico. Várias tentativas foram empreendidas para identificar elementos locais ou provinciais no koinê, mas nada foi encontrado que recebesse aprovação geral dos estudiosos. Certas palavras, no entanto, ou certos significados têm sido identificados como peculiar ao Egito ou Síria e Ásia Menor, mas não há uma distinção clara entre o Koinê egípcio e o sírio como há entre dialetos antigos, como, por exemplo, entre o ático e o dórico. A fonte principal do Koinê foi o grego ático, mas alguns elementos foram incorporados de outros dialetos, notavelmente o jônico.

O segundo sentido de Koinê é o sentido de linguagem popular. O grego literário do período era mimético. Em geral, pode ser dito que quanto mais culto um autor era, mais aticista era a sua palavra. Se o escritor era alguém popular, diz o escritor de orientação recebida no Egito, ele nunca sentiu a influência do estilo ático. Mas se ele era um intelectual, como Luciano o foi, ele fez aparecer o modelo ático em tudo que escreveu. Entre esses dois extremos não há um abismo vazio. Pelo contrário, todos os graus possíveis de Aticismo podem ser ilustrados a partir de escritores desse período. Nem todos foram igualmente bons aticistas em todos os detalhes. O historiador Deodorus, escritor que usou o koinê, intercambiou eivj e evn, mas se aproximou do uso ático no seu emprego de pri,n comparado com o uso do aticista contemporâneo (de sua época), Dionysius de Halicarnassus. O grego mais comum no Novo Testamento é o grego do Apocalipse; mas seu autor claramente distingue a função de eivj e evn. Lucas é um dos autores mais cultos do Novo Testamento, mas ele confunde as duas preposições. Onde existe variação igual, uma clara divisão entre a literatura e o grego não literário é uma impossibilidade, mas é possível iniciar com a linguagem das massas como é preservada em papiro, depois avançar pelos autores que melhor refletem o vernáculo como aqueles do grego bíblico, Epiteto, Estrabão e Deodorus, e excluir do grupo do grego não literário todos os aticistas declarados.

Este grego não literário foi vigoroso, vivo e renovado com o ritmo da vida diária. Radermacher tem uma grande frase, "O período helenista amou as expressões vivas". Este é um elemento comum de todos os vernáculos. No Koinê isto significa o uso do presente histórico na narrativa, o uso do perfeito com o sentido de presente, uma preferência por superlativos sobre comparativos e por discurso direto de preferência ao discurso indireto. Há um constante superesforço para um destaque característico de qualquer ingênuo, autor iletrado. Um destaque falso como "a mesma coisa", "todo e qualquer", "bem único" guarneciam suas composições; e elas tinham suas reproduções no koinê não literário do período neotestamentário.

O vernáculo preconiza severamente por tal destaque. Esta direção para aquela superabundância de expressões características do jornal moderno como acontece também no grego koinê. Pronomes são usados como substantivos por verbos que não precisam deles; eles são espalhados abundantemente por todas as cláusulas. Glossário parentético apresenta-se em um corpo de sentenças inumeráveis. Preposições e advérbios acumulam-se antes e depois de verbos; verbos compostos são preferidos a formas simples; frases preposicionais substituem o caso simples, etc.

A ênfase forte e a redundância do Koinê são compensadas pela sua simplicidade. Na medida em que é linguagem do povo, carece ou não atende as subtilezas de expressão que satisfez grandes mentes da idade do ouro de literatura grega. A perda do dual e o optativo é devida não somente à "tendência" generalizada da linguagem grega de abandonar inflexão, mas também de limitações de pensamento simplório. A simplicidade do Koinê é devida à sua carência de subtilezas e sofisticação em seus autores. Aquela glória da prosa ática, a abundância de conectivos adequados para expressar as diferenças mínimas na relação de cláusulas, é um dos últimos elementos da linguagem a ser dominado por estudante moderno. No mundo antigo o uso de todas estas conjunções foi além do mercador egípcio e do soldado romano – não somente além de sua habilidade, mas também além de suas necessidades. Portanto, o Koinê conhece poucas conjunções. Sua conjunção favorita é "e", [...]. Cláusulas coordenadas, em grande parte, são de conjunções subordinadas como em muitos outros vernáculos. Se o Koinê lembra o hebraico nessa área, fá-lo por igual razão que sua semelhança Anglo-saxónica.

Mas a linguagem do povo não é totalmente simples e limitada. Na ocasião em que um escritor mais sofisticado (pelo menos na idade de ouro) evitaria a palavra poética e culta na escrita de uma prosa simples, o escritor do Koinê frequentemente usaria uma classe que bem aceitasse o estilo pomposo com o suspiro reverente, "ele conta justamente como um livro!" Há frequentemente um sabor livresco no Koinê; frases poéticas, palavras arcaicas, expressões (tags) sofisticas (cultas) são usadas para dar cor (ao escrito).

Este grego vernacular antigo está longe de evitar descrições paradoxais. Sua linguagem era robusta, porém limitada; vulgar, porém exaltada pela simplicidade; reduzida, porém colorida, e tão variada para fazer todas as generalidades inexatas quando aplicada a si.

Traduzido por Willians Moreira Damasceno

[1] WIKGREN, Allen. Hellenistic greek texts. Chicago e London: The University of Chicago, 1947. Págs. 22-26.

[2] Qualquer sugestão sobre esta tradução será bem aceita.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

VIOLÊNCIA INTRAESPÉCIE

VIOLÊNCIA INTRAESPÉCIE

 

            Por mais que se saiba que a violência é uma das características da natureza, e isso em todas as espécies de animais, alguns indivíduos não se acostumam com a sua incidência.

            Hoje pela manhã, perguntei-me sobre em que estado se encontra um ser ao agredir a outro, de sua espécie ou não, ao ponto de executá-lo sumariamente. Pessoalmente, nunca me encontrei em situação que precisasse agredir a alguém até a morte, embora tenha eu, no passado, cometido algumas ações violentas. A primeira circunstância de que me lembro foi-me contada por minha mãe: Aos meus quatro anos de idade, envolvi-me numa briga na escola. Quinze dias antes, um garoto me derrubou de um brinquedo, no parque e, como resultado, meu braço esquerdo foi quebrado. Quando voltei à escola, depois da cura do braço, procurei o menino e "acertei as contas" com ele. Minha mãe foi chamada à escola. Não sei o desfecho desse acontecimento. Lembro-me de outra vez, quando adolescente, em que me aproveitei de uma situação para ir à desforra com um conhecido da minha rua que vivia a me jurar de uma surra. Várias vezes ele prometeu me bater. E ele teria condições de o fazer mesmo. Todas às vezes, eu conseguia me esquivar e sair ileso. Mas eu descobri que ele tinha muito medo de seu pai e este não o queria ver a brigar na rua. E se o visse assim, puni-lo-ia. Pois bem! Numa tarde, quando brincávamos na rua, eu observei que o pai do menino aproximava-se. Prontamente tive a idéia de me aproveitar do momento e parti para a agressão. Enquanto eu o esmurrava, avisava-lhe de que seu pai estava perto. Ele ficou pretificado, enquanto eu o esmurrava. Quando o pai dele se aproximou mais, eu corri para casa. Não me lembro de mais algum momento em que estivemos frente a frente. O fato é que "lavei" meu ego.

            Pelo que me consta, em ambos os acontecimentos a violência que pratiquei aconteceu em função de motivações dos meus opositores. Mas me pergunto o que os motivou a agirem comigo como agiram. Por que queriam fazer-me mal? Teria sido gratuitamente ou em sua subjetividade sentiam-se, por algum motivo de minha parte, estimulados a me agredir? Que fazia eu, passivamente, ou não fazia?

            Hoje, pela manhã, quando acordei fui à varanda, como sempre faço, para observar as aves que são minhas vizinhas. Pude presenciar um ato de violência. Um galo agredia a outro seu igual, de forma horrenda. O agredido já não reagia. Moribundo, foi arriando no chão, enquanto o rival o picava por todos os lados da cabeça, e aplicando-lhe os esporões. Depois de alguns segundos, não suportei mais a cena e me retirei. Não podia fazer nada mesmo. A sensação de impotência foi terrível. Mas me lembrei de que a natureza, não só os humanos, tem no seu escopo a prática da violência. Quer queiramos ou não.
Willians Moreira

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

NATUREZA HUMANA – PECADO ORIGINAL - DECORRÊNCIAS TEOLÓGICAS, ÉTICAS E EXISTENCIAIS

            Se a (r)amartologia[1] (doutrina do pecado) tradicional estiver certa quanto ao que ensina sobre o Pecado Original; se Pelágio[2] não tinha razão quanto ao que ensinava, parece que a teologia tradicional[3] precisa enfrentar decorrências seriíssimas, mais do que se imagina nos redis cristãos. E isto não significa que eu seja pelagiano, diga-se de passagem.

            A tese é: Se o homem é pecador por natureza, o "gérmen" de todas as práticas do pecado encontra-se essencialmente em sua constituição. Sendo assim, desde a sua concepção o homem está condenado pela divindade, pois que o Pecado Original, desde a suposta queda do primeiro Adão, passou a ser parte intrínseca da natureza humana, seja por traducionismo[4] ou por mera hereditariedade.  Os sete pecados capitais[5] e suas ramificações encontram-se na natureza humana, essencial e potencialmente[6]. Esse pecado potencial torna-se ato ou não em função de direcionamentos possíveis que aconteçam durante a vida do humano. Esse raciocínio explica porque o homem se dá a comportamentos diversos, como também pode explicar porque muitos vivem práticas condenadas pela própria sociedade. O curioso nessa relação é que a mesma sociedade que condenada o pecado é a mesma que o estimula. Por outras palavras, potencialmente, enquanto depositário do Pecado Original, o homem está condenado pela divindade. Enquanto depositário de uma cultura, o homem poderá comportar-se como bem ou mal lhe for o caso, em consonância com sua natureza. Ora, desde que para a interpretação de uma teologia tradicional a cultura é expressão própria do pecado, pois que "o mundo jaz no maligno"[7], qualquer comportamento humano isolado da divindade é pecado, mesmo seus atos de justiça "são como trapo de imundícia" (Isaías 64:6)[8]. Este é o resultado de uma dedução bíblico-teológica-essencialista[9] reducionista[10]: Todo o ser do homem é explicado por uma interpretação teológica, hoje anacrônica, de uma época destituída de tinos necessários a uma antropologia hoje pertinente. Decorre disto que, quando censuramos a alguém por conta de seus atos, ou mesmo o condenamos num tribunal, estamos a nos condenar a nós mesmos, pois que temos potencialmente o mesmo pecado, embora ainda não em ato. Compreende-se assim o lembrete Paulino: "Aquele que estiver de pé, abra do olho: não caia"[11].

            Um dos problemas que essa interpretação reducionista acarreta é a constante expectativa de que os relacionamentos possam desandar, unicamente por conta do pecado que não meramente está, mas é parte do homem. Existencialmente, o homem caminha por esta terra, marcado pela desconfiança. Daí uma exegese inadequada de Jeremias 17:5[12], para se dizer que não se deve confiar em ninguém, e isso de uma perspectiva moral; ninguém merece confiança. As pessoas se relacionam, esforçando-se ao máximo para confiarem em quem amam, mas sempre sobressaltadas com as possibilidades de surpresas indesejáveis. O problema é que as portas são fechadas para quaisquer outras possibilidades de explicação dos problemas humanos, e aquele que é considerado culpado de algo só tem solução se praticar o arrependimento ou penitência, voltar para Deus, para assim ter solução em sua vida. Sem contar que, muitas vezes, além de lutar pela confiança de quem lhe condena, precisa também depositar valores na conta bancária de alguns interessados pela sua recuperação.

            Além da constante expectativa de que as relações não desandem, acontece o pior na mente humana, aturdida por aquela teologia reducionista: sensação constante de culpa. O raciocínio é: "Sou assim ou pratico isso porque sou pecador". É a expressão essencialista[13] do finado Paulo, contida em sua Carta aos Romanos: "Miserável homem que sou"[14], emitida por quem está petrificado pela ação de uma teologia medusóide[15]. É, na verdade, uma auto-imagem pessimista, embora racionalizada como realista. Será que os direcionamentos religiosos de muitos clientes de manicômios não contribuem pesadamente para tal estado de enfermidade mental? Enquanto em seus redis, esses enfermos são ensinados que, se não conseguirem alcançar uma compreensão devida da obra do Cristo, não lhes chegará cura tão cedo.

            Outra decorrência é o prejuízo do livre arbítrio. Se o homem é o que é, pecador por natureza, seu livre arbítrio é sempre relativo, condicionado mesmo, a esta natureza[16]. Diz-se assim, pois que o homem tende necessariamente à realização da sua natureza e nisto está o seu fim e, por conseqüência, a sua lei (isto se pensarmos aristotelicamente). Portanto, nenhum humano poderá fugir de tal sina. Mesmo não tendo participado ativamente do Pecado Original. Ou seja, cada exemplar da espécie humana já nasce com uma dívida que ele não contraiu pessoalmente e esta lhe é cobrada de forma que ele deve desdobrar-se para pagá-la. O problema, pois, se assevera: O homem tem uma dívida; mas como pagá-la, se sua natureza é justamente contrária ao pagamento? Como ser obediente a uma lei que é contrária à sua própria natureza, pois que seu livre arbítrio tende necessariamente para o lado oposto da lei? Decorre disso que, se sua salvação é exclusivamente por decisão da divindade, os que permanecem no pecado podem muito bem raciocinar: "Não me livro de tal pecado porque isto é da minha natureza e, além do mais, sou um preterido. Afinal, Deus tem misericórdia de quem quer e endurece a quem quer"[17]. É possível, sim, que esse raciocínio aconteça! Por que não? É possível, sim, mas também é problemático! Principalmente se for o caso de um homem pecar, sem saber que nisso incorre. Porque a divindade o permite e logo após o castiga, se aquele homem está inocente na situação? É o caso de Faraó, relatado em Gênesis[18]. A explicação de que a divindade sabe o que faz e porque faz é mera escapatória de mente, no mínimo preguiçosa, quando deveria reconhecer sua incompetência para a solução do problema teológico.

            Nesse passo, não há nenhuma crítica à divindade, mas um pedido de reconsideração em relação ao que se entende por Pecado Original, por Livre Arbítrio, por natureza pecaminosa e por tantos outros temas vinculados à teologia tradicional. Recorrer à tese da Soberania de Deus até que traz luz sobre o problema (Deus pode fazer as coisas do jeito que quiser), mas não é suficiente; Deus não age meramente por querer; e levar esta tese às últimas consequências complica a justiça divina. Isto será abordado quando do texto sobre a compreensão soteriológica[19] da Carta aos Romanos nos seus primeiros três capítulos.

            A esperança é que a produção teológica viabilize possibilidade de respostas para tal dificuldade contida na teologia tradicional sobre o pecado, levando em consideração implicações teológico-filosóficas contemporâneas, principalmente quando se tratar de assuntos relativos à existencialidade humana.

Willians Moreira



[1] Do grego, amartia e logia (hamartia e logia), respectivamente "pecado" e "ciência", estudo, doutrina.

[2] Pelágio (360 – 423 d. C.), monge britânico. Escreveu dois livros sobre o pecado, o livre arbítrio e a graça (Da natureza e Do livre-arbítrio). Seus opositores foram Agostinho e Jerônimo. Pelágio negava o pecado original; negava que a graça é essencial para a salvação; defendia um livre arbítrio absoluto. Foi condenado como herege pelo Concílio de Éfeso, em 431 (OLSON, Roger E.. História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas. São Paulo: Vida, 2001. pag. 272.).

[3] Por teologia tradicional entenda-se a teologia que o cristianismo adota nos meios dominantes; teologia esta resultante ainda do pensamento medieval, nos meios protestantes e católico-romano. Teologia fundada em uma compreensão hermenêutica unicamente fideísta, que não abre espaço para interpretações fundadas em transdiciplinaridade cuja hermenêutica aponta para uma compreensão de mundo não reducionista.

[4] Segundo essa doutrina, tudo o que o homem é em sua completa constituição transmite aos seus descendentes quando os mesmos são gerados.

[5] Avareza, luxúria (ligado à vaidade), ira, melancolia, preguiça, gula e orgulho.

[6] Potencialmente, o homem é homossexual, bissexual, sodomita, hedonista, homicida, suicida, adúltero, ladrão, avarento, lascivo, preguiçoso, invejoso, e todas as ramificações possíveis dos sete pecados capitais.

[7] I João 5:19: "o` kosmoj o[loj en tw|ponhrw| keitai.ponhrw" reporta-se a um adjetivo que pode ser traduzido por "mal" ou por "diabo", a depender do contexto. Neste caso, maligno está associado ao diabo e, como tal, associa-se à degeneração ético-moral; é isso que não toca "aquele que é nascido de Deus (I Jo. 5:18).

[8] Isaias 64:6: "Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; e todos nós caímos como a folha, e as nossas culpas, como um vento, nos arrebatam" (Almeida Revista e Corrigida).

[9] Por essencialista quer-se entender a compreensão antagônica à filosofia existencialista.

[10] Por reducionista quer-se entender aqui o pensamento que restringe a compreensão de um fenômeno a apenas uma possibilidade de o entender, não deixando espaço para outras possíveis explicação do mesmo fenômeno.

[11] I Coríntios 10:12: "Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe que não caia" (Almeida Revista e Corrigida).

[12] Jeremias 17:5: "Assim diz o SENHOR: Maldito o homem que confia no homem" (Almeida Revista e Corrigida).

[13] Nesse caso, claro, esteriotipa-se a compreensão paulina, mas apenas como forma de mostrar que as raízes do essencialismo não são tão recentes, como alguém poderia pensar.

[14] Romanos 7:24 (Almeida Revista e Corrigida).

[15] Reporte-se aqui ao mito grego da Medusa, personagem mitológica que paralisava quem a olhasse direto nos olhos.

[16] Romanos 6:20: "Porque, quando éreis servos do pecado, estáveis livres da justiça". Um servo não faz a própria vontade, mas a do senhor.

[17] Romanos 9: 15, 16:  Pois diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece.

[18] Genêsis 12:10-20. Faraó tomou a mulher de Abraão sem saber que era mulher casada; afinal Abraão havia dito que ela era sua irmã (meia verdade). Por conta deste ato, Faraó foi castigado e muito. Quando o Faraó soube do fato, devolveu a mulher a seu marido. Ou seja, Deus permitiu que Faraó pecasse, mesmo que por ignorância, e depois o castigou. O que é complicado, se considerarmos a ação e Faraó como pecado.

[19] Do grego, sothri,a e logi,a (soteria e logia), respectivamente "salvação" e ciência, "discurso", estudo, doutrina.

domingo, 17 de outubro de 2010

POR UMA QUALIDADE E EXCELENCIA GRAMATICAL EM NOSSOS PÚLPITOS

    
Como o espaço deste Blog se presta também a puplicação de amigos interessados nos assuntos aqui privilegiados, temos a alegria de publicar o texto que segue, da autoria do Pr. Eliabe, pastor da 1ª Igreja Batista no Bairro de Santarém - Natal/RN.


POR UMA QUALIDADE E EXCELENCIA GRAMATICAL EM NOSSOS PÚLPITOS

A palavra é o instrumento de trabalho do pregador. Seja na expressão oral ou escrita. Uma das coisas que logo atraem ou repelem os ouvintes é a capacidade do orador de escolher corretamente as palavras e utilizá-las com precisão. Há pouco tempo deparei-me com este conceito de Evanildo Bechara: “o falante culto é... aquele que dispõe da consciência da prática da variedade da linguagem e de sua adequação às diversas situações de interação... deve ser um poliglota da própria língua... deve ser capaz de escolher a língua funcional adequada a cada momento de criação”¹.
Esta afirmação é extremamente apropriada quando pensamos que temos a responsabilidade de transmitir a melhor mensagem que a humanidade pode receber. Mas, infelizmente, percebe-se que muitos pregadores e professores, pessoas que lidam com a palavra em nossas igrejas, entregam um valioso presente embrulhado num papel qualquer. Temos algo maravilhoso a dizer, mas não nos preocupamos com o veículo de expressão: nosso idioma.
Ao intitular este artigo com a expressão: “por uma excelência”, não me refiro aqui ao pedantismo, o “falar difícil” só para impressionar. Particularmente, acredito que existem problemas de exagero e de ausência de intelectualismo em nossos púlpitos. É conhecida a narrativa atribuída a Rui Barbosa. Um ladrão foi surpreendido pelas palavras do jurista ao tentar roubar galinhas em seu quintal:
— Não o interpelo pelos bicos de bípedes palmípedes, nem pelo valor intrínseco dos retro citados galináceos, mas por ousares transpor os umbrais de minha residência. Se foi por mera ignorância, perdôo-te, mas se foi para abusar da minha alma prosopopéia, juro pelos tacões metabólicos dos meus calçados que dar-te-ei tamanha bordoada no alto da tua sinagoga que transformarei sua massa encefálica em cinzas cadavéricas.
O ladrão, todo sem graça, perguntou:
— Mas como é, seu Rui, eu posso levar o frango ou não??
Brincadeiras à parte, muitas vezes, ouvintes de determinados pregadores ficam com a expressão do ladrão da narrativa: não compreendem a linguagem do pregador. “No original grego”, “... no hebraico”, “a concretude da ideologia massificante atual”, “... o pluralismo exacerbado da dimensão eclesiológica protuberante em nossa dimensão contemporânea!” (esta última nem eu entendi). Ouvi certa vez de um pregador que orientava seus ouvintes a trazerem para a igreja, além da Bíblia e do Cantor Cristão, um dicionário da Língua Portuguesa.
Cabem aqui também as palavras do poeta Thiago de Mello: “Falar difícil é fácil. O difícil é falar fácil”. Talvez o que falte em tais pregadores seja a percepção do público alvo. Do nível cultural e da capacidade de compreensão dos ouvintes. Evidencia-se também uma dificuldade comunicativa de falar de coisas profundas em linguagem simples. Gosto de imaginar que o Senhor Jesus poderia ter formulado expressões e frases complexas utilizando termos e conceitos da filosofia e da retórica clássica, mas raramente o fez.
No outro extremo da corda está o problema da precariedade gramatical. São expressões como: “a gente vamos”, “a gente façamos”, além dos famigerados e viciantes gerundismos: “nos próximos dias nós estaremos realizando, enquanto os irmãos estarão  participando, e os visitantes estarão assistindo e também estarão ouvindo enquanto eu estarei pregando...”  E ainda tem o problema do né. Né?
Um problema de difícil solução é a limitação linguística. A ausência de criatividade na utilização de termos e palavras novas. Há pouco tempo, uma pesquisa revelou que o brasileiro utiliza pouquíssimas palavras no seu dia a dia. Tenho um minidicionário Houaiss com mais de 30.000 palavras e locuções da nossa língua. É triste verificar a pouca preocupação da maioria dos pregadores em se apropriar de tal riqueza de termos e expressões. Como não admirar os bons exemplos da utilização da língua portuguesa como o faz Antonio Vieira, Isaltino Coelho, Fausto Aguiar, Rubem Alves, e outros!
Pensar uma excelência gramatical pode significar sair do pedestal sem cair no banal. Ter uma oratória coerente, variada, precisa e que realmente dignifique a mensagem que transmite. Algumas estratégias podem ser adotadas: Em primeiro lugar, ler. Ler não apenas a Bíblia, livros teológicos ou a revista da EBD. Ler literatura, ler poesia; Machado de Assis, Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, Carlos Drummont. Aprender com os mestres do idioma. Com as novas tecnologias disponíveis. Outro recurso seria gravar suas próprias mensagens e depois avaliar sua compreensibilidade, dicção e qualidade de conteúdo. Muitos pregadores talvez se surpreendam negativamente ao se ouvirem e terão mais compaixão de seus ouvintes. Outra coisa que ajuda é um bom crítico. Um professor de português ou apenas algum irmão da igreja que atue como conselheiro nesta área também pode ajudar. No que se refere à escrita, nunca devemos olvidar do princípio básico: ler o que produziu e pedir para outra pessoa também ler, antes de enviar. Uma técnica que normalmente utilizo, para sair da monotonia de usar sempre as mesmas palavras com os meus ouvintes é enunciar uma expressão pouco conhecida e imediatamente associar um sinônimo mais conhecido, dessa forma eles rapidamente entendem o que digo com aquela palavra nova. A última orientação vem do ditado popular: “costume de casa...”; ou seja, falar correto mesmo em situações informais.
A palavra “excelente” vem do latim excellere e é formada pelo sufixo “ex” que, entre outras coisas, significa destacar-se, fugir do convencional. Aquele que consegue realizar um trabalho excelente logo se destaca e obtêm melhor reconhecimento e sucesso.
Para encerrar, um poema de Carlos Drummont:
A Palavra Mágica

Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.
  
¹ BECHARA, Evanildo (1985). Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? São Paulo: Ática IN. PRETI, Dino. Estudos da Língua Ora e Escrita. Rio de Janeiro: Lucena, 2004, p.16.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A MEDIOCRIDADE DE MUITOS PREGADORES


            Tempos atrás, em sala de aula, um aluno me perguntou se eu aceitaria o cristianismo a depender da pregação atual. Parece-me que a pergunta surgiu em face da discussão sobre a mediocridade dos pregadores em geral. Estava a dizer que, na atualidade, dificilmente se ouve um pregador que tenha uma argumentação consistente; se é que se pode dizer que realmente argumentam. Na verdade, conta-se a dedo os que são dignos de serem ouvidos. A grande maioria argumenta pessimamente sobre assuntos banais. Assuntos que não fazem parte da gema do cristianismo. No mais das vezes, são abordagens infantis, ingênuas, emocionais, doutrinariamente desprovidas de embasamento bíblico-teológico; assuntos que o Cristo certamente com os tais não se preocuparia. Por exemplo: galardão, de que materiais são as mansões celestiais e coisas dessa natureza. Quando o assunto é pertinente, a argumentação é de baixa qualidade. Haja paciência! O problema com tais pregadores, na época da discussão, e ainda hoje pelo que me consta, é a falta de estudo responsável. Na época, eu dizia que aquela conversa de que o Espírito Santo dá o que o pregador falará, era uma desculpa para ratificar a preguiça da grande maioria de paroleiros do púlpito. A argumentação destes é horrível! Dizendo-se que a sabedoria do mundo é contra Deus, muitas vezes, expressa-se uma pneumatologia dos diabos. Haja paciência! Então, digam-me: Para quê os cursos teológicos? Talvez seja isso que explique porque há tantos estudantes medíocres em instituições teológicas. Dói-me o juízo ao me deparar com estudantes que revelam abertamente sua falta de consideração a si mesmos por não saberem o rudimentar, muitas vezes, já cursando disciplinas de final do curso teológico. Pergunto-me sempre: Que espécie de teólogo será este? Saberá mesmo dialogar com os sábios do mundo, os quais realmente existem? Saberá dialogar com os sábios da Igreja, não menos hábeis que aqueles? Como se não bastasse, muitos desses futuros teólogos, se os podemos chamar assim, como muitos cristãos do passado, quando não conseguirem entender os seus interlocutores e não defenderem bem sua própria teologia, dirão que aqueles são hereges. Ainda bem que a fogueira de hoje é apenas ideológica. Sorte nossa! Não seremos vítimas de uma apresentação pirotécnica. Haja paciência!
            Pois bem! A minha resposta àquele aluno foi que, se o cristianismo não me apreendesse enquanto eu na adolescência, certamente seria difícil, hoje, a depender de tais pregadores, enfileirar-me na senda cristã. Disse isso na época porque me lembrei também de um pregador que ouvia sempre e me encantava naqueles idos de minha puberdade. Mas depois que passei à adulticidade e o escutei novamente, fiquei estupefato com a sua mediocridade. Suas historinhas de carochinha, contadas para embalar a ignorância e a ingenuidade populares. Lembrei-me também de um colega de Seminário, hoje num alto cargo dos antros da política nacional, que eu acompanhava ao piano, quando ele ia pregar e cantar nas igrejas da capital pernambucana. Quando saíamos do evento religioso, eu lhe dizia: Como você pode falar aquelas coisas para o povo? Ele respondia que era aquilo que o povo queria ouvir. Eu ficava indignado. E ele ria de mim.
            Quantos, nos templos cristãos, não estão frustrados com o que ouvem dos diretores de creches espirituais? Líderes que mais querem que suas crianças permaneçam a tomar o leite azedo que lhes dão, mas que o fazem parecer com o néctar dos céus. Aqui me lembro do filósofo Epicuro, em sua carta ao discípulo Meneceu, Carta sobre a Felicidade, na qual ele diz: "Ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria"[1]. Daí a minha preocupação com aqueles pregadores que dizem só o que o povo quer ouvir e, pior, de maneira medíocre. Aqueles conseguem assim encher os seus bolsos, atestando assim que as massas, além de insanas em seus juízos, nem mesmo requerem que seus mentores se habilitem para convencê-las com argumentos pertinentes.
            Sorte dos primatas humanos! A divindade não é mesmo, nem de longe, compatível com a imagem que dela pintam. Se o fosse, tais pregadores seriam os primeiros a serem consumidos pelo fogo do suposto inferno. Aí, sim, teríamos uma gloriosa demonstração de pirotecnia infernal à custa da banha dessas "vacas de basã", que vivem a explorar a humanidade.
Willians Moreira



[1] EPICURO. Carta sobre a felicidade (a Meneceu). São Paulo: Editora UNESP, 2002. Pág. 25.